RETIREM AS SANDÁLIAS ESSE LUGAR É SAGRADO. 12ª Romaria da terra, das águas e floresta, em Rondônia é marcada pela caminhada que começa nas águas do Rio Guaporé.

A Romaria ocorreu no dia 20 de outubro de 2024, e trouxe como tema “Ouvir e Comprometer-se com as dores e as lutas dos povos e da mãe natureza” e como lema: “Deus viu a aflição, ouviu o clamor e desceu para libertar o povo de seus sofrimentos” (cf. Ex 3,7)


A largada inicial foi dada às 9h da manhã pela Irmandade do Senhor Divino Espírito Santo, que chegou em seus barcos, trazendo os símbolos do Divino, foliões e romeiros em cantoria, acompanhados por representantes das comunidades tradicionais — indígenas, quilombolas, ribeirinhos, seringueiros, pescadores artesanais e também membros de comunidades da Bolívia. Foi um momento de profunda emoção para os devotos e também para aqueles que vivenciavam a tradição pela primeira vez. A Irmandade do Senhor Divino, em Costa Marques, teve uma participação especial na 12ª Romaria, possibilitando a presença dos elementos tradicionais da centenária Festa do Divino na realização da 12ª Romaria da Terra, das Águas e Florestas de Rondônia, numa expressão popular e autêntica de fé.



Após seis anos, impedidos por consequências deixadas pela pandemia da COVID-19 e por outros fatores da conjuntura local,  Arqui/dioceses de Rondônia, juntamente com setores sociais da Igreja, dentre elas, a CPT-RO, paróquias e organizações sociais, se juntam em água e chão sagrado da Basílica Menor, Senhor Divino Espírito Santo em Costa Marques-RO, para celebrar a 12ª Romaria da Terra, das Águas e Florestas. A inspiração para o tema veio de todo processo sinodal, do sínodo especial para Amazônia e da Laudato Sí, vivenciado em 2019, num processo de continuidade da missão e comprometimento da Igreja na Amazônia, “OUVIR E COMPROMETER-SE COM AS DORES E AS LUTAS DOS POVOS E DA MÃE NATUREZA”. 

A Romaria além de ter proporcionado um espaço de acolhida e de escuta aos clamores que vem da terra, do campo e das cidades, das águas e florestas, foi um momento de reencontro e de esperança, de reavivar os sonhos na mística do caminhar juntos, na luta e na resistência dos povos e suas comunidades. “Nós povos Indígenas queremos que a Igreja caminhe junto conosco” (Eva Canoé). 

Aproximadamente 20 povos indígenas se fizeram presentes: Kujubim, Puruborá, Migueleno, Sakyrabiat,  Wajurú, Aikanã, Salamãi, Karitiana, Oro Warí, Macurap, Guarassuê, Kuazá, Tupari, Cassupá, Chiquitano, Parintintim, Aruá, Canoé, dentre outros, e expressaram seus clamores na segunda parada, que aconteceu no bosque da cidade, onde registraram esse momento com falas das lideranças, danças e rituais. Em suas falas destacaram as constantes violações sofridas, a ameaça do marco temporal, a não demarcação de seus territórios, a discriminação e desrespeito as suas culturas e costumes. “Nós existimos e exigimos respeito, demarcação já” (Rosa Guarassuê).

Lema:  "DEUS VIU A AFLIÇÃO, OUVIU O CLAMOR E DESCEU PARA LIBERTAR O POVO DE SEUS SOFRIMENTOS”. O lema da 12ª Romaria, veio da iluminação bíblica do livro do Êxodo 3, Deus que vê, ouve e desce para libertar o povo; um Deus que se aproxima, age e transforma os sofrimentos do povo para uma vida em abundância, terra que emana leite e mel, de um povo escravizados para um povo livre. 

Somos testemunhas de que os povos da terra, das águas e das florestas são verdadeiros guardiões de Deus, promovendo cuidado e equilíbrio entre todos os seres, o cosmo, a vida das pessoas e a natureza, na reciprocidade e sem concentração de bens. No entanto, não podemos fechar os olhos para o que presenciamos constantemente em nosso estado de Rondônia: o saque dos bens comuns, especialmente em áreas de conservação, Terras Indígenas e Reservas Extrativistas (RESEX), sem que os responsáveis sejam responsabilizados e punidos. A RESEX Jaci Paraná, por exemplo, encontra-se totalmente devastada, e seus verdadeiros donos estão em situação calamitosa. A violência no campo e os conflitos pela terra carregam uma marca estrutural que só poderá ser superada por uma união de forças capaz de promover as mudanças necessárias. 

A primeira parada da caminhada foi marcada pelos clamores dos sem terra, dos quilombolas, dos ribeirinhos, dos seringueiros, dos pescadores artesanais e dos assentados: em suas aflições ecoaram as 186 ocorrências de conflitos em 2023, aumento de mais de 113% em relação a 2022, atingindo 9.573 famílias, em 85 comunidades rurais, entre acampamentos, ocupações, assentamentos, comunidades quilombolas, comunidades indígenas, comunidades ribeirinhas, entre outros; denunciaram as ameaças, as expulsões e invasões de seus territórios e o aparato da força armada seja por agentes estatais, seja por empresa privadas, quem paga o preço são sempre as comunidades. Rondônia é o estado onde mais houve mortes proporcionalmente por conflitos por terra em todo Brasil. Seus clamores ainda ecoaram em relação ao Incra, ao governo federal, ao avanço do agronegócio, aos agrotóxicos, as mudanças climáticas causadas por esse modelo de desenvolvimento e as perseguições que enfrentam diariamente por forças econômicas e políticas.


Os clamores da terceira parada, vieram das periferias urbanas, a falta de acesso à moradia, o desemprego, a aflição em relação à saúde; o clamor que veio em relação às pessoas vítimas do vírus HIV, onde o maior clamor se dá em relação aos preconceitos vivenciados por esses portadores. Viva o SUS (Sistema Único de Saúde), expressou a coordenadora da pastoral da AIDS, graça ao SUS, milhares de pessoas conseguem viver bem, com tratamento digno. 

Inesquecível, a quarta e última parada nos presenteou com surpresas e profundas emoções. Foram os clamores, a esperança e a poesia vindos da juventude que ressoaram intensamente. Em gritos leves, coreografias e sonhos, trouxeram consigo utopias e expressões que tocaram os romeiros e romeiras com energias positivas, fazendo-os acreditar que outro mundo é possível. A juventude fez sua parada em frente à Basílica Menor do Divino e, ao centro, um jovem com uma cruz erguida trouxe o símbolo central para a grande roda, ecoando os gritos da juventude como prece por justiça, vida e liberdade.


Ali, estavam representados jovens de diversos territórios camponeses, originários e tradicionais, da Pastoral da Juventude e da comunidade da Basílica Menor do Divino Espírito Santo, clamando por moradia digna, lazer, cultura e um planeta Terra livre de destruição. Gritaram pela proteção das meninas e crianças e pela segurança em seus bairros, linhas, aldeias e ramais, para que nenhum jovem mais seja vítima de violência ou assassinato. "O nosso grito é uma oração; que nossas vozes alcancem os céus e tragam transformação", repetiram em torno da cruz e de joelhos, como uma prece.

A juventude encerrou sua parada com o canto "Deixe-me ser jovem", que traz uma mensagem de esperança e convida todos os romeiros e romeiras para uma grande ciranda, celebrando a aliança com os sonhos da juventude. 


A Celebração da Santa Missa:

Após momentos de partilha dos alimentos e apresentações culturais, deu-se início a santa missa, com muita simbologia, expressões, devoções populares e a voz profética do pastor que zela e cuida de suas ovelhas. Participação expressiva das mulheres camponesas, indígenas, quilombolas e extrativistas. A imagem da Mãe Aparecida foi levada até o altar pelas mãos da matriarca do quilombo Santa Fé e outras mulheres quilombolas sob o canto e a dança da música, “Senhora Negra, Yá querida,  Soberana, quilombola, mãe de Deus, Aparecida”, em seguida foi a vez da entrada dos símbolos do Divino, sob canto próprio da tradição. Os povos indígenas também se expressaram no momento das oferendas, com símbolos e frutos de seus trabalhos.


A voz profética.

Durante toda caminhada foi ecoado os clamores dos povos e suas comunidades, o grito que também vem da mãe natureza. Como Igreja ouvir e comprometer-se com esses clamores, exige engajamento, responsabilidade, força de vontade e principalmente, a profecia. 

Dom Benedito, bispo da Diocese de Guajará-Mirim e também atual presidente do Regional Noroeste da CNBB, trouxe em sua homilia, palavras comprometedoras que leva a toda a Igreja a assumir com mais forças ainda, a defesa da vida dos povos e comunidades amazônicas: “Aqui estamos para bebermos na memória e na resistência de tantos irmão e irmãs, guardiões da casa comum; missão que continua custando perseguições e perda de vidas pelos testemunhos e vozes que se levantam contra a violação da natureza, sem limites.” “A fé que nos trouxe aqui e nos move nesta luta é a certeza e a esperança de que “Deus viu a aflição, ouviu o clamor e desceu para libertar o povo de seus sofrimentos” (Ex. 3, 7-8).

Destacou ainda que não podemos esquecer de que o Deus de todos os tempos, caminha com seu povo, principalmente os oprimidos e empobrecidos: “Deus se apresenta perenemente fiel: é o Deus dos antepassados Abraão, Isaac e Jacó, o Deus da Aliança com os patriarcas e matriarcas, o Deus que caminha com o seu povo, como Deus dos pobres e oprimidos Ele ver, ouve e desce para libertar.”

E porque é o Deus dos oprimidos, é profundamente sensível a ponto de ver a exploração, ouvir o clamor do desesperado grito por justiça, É um Deus que se solidariza com os deserdados, os encurvados pelo poder opressor".

"Essa solidariedade de Deus para com seu povo nos provoca a viver a solidariedade para com todos os gritos e gemidos dos povos e da mãe natureza".

"Podemos dizer que diante da urgência do Cuidado com a Casa Comum, a partir do Evangelho de Marcos que acabamos de ouvir, Jesus deixa claro que a importância fundamental é o serviço e não a imposição".

"Amar e servir são regras de ouro para quem crer e se coloca a serviço do Reino de Deus e da justiça.” Trechos da homilia de Dom Benedito. 

A memória dos Mártires veio durante as preces, através da ladainha dos mártires da Amazônia. Solenemente foram sendo lembrados e lembradas, a cada intercessão todos respondiam cantando, Presente em Nós! Nossa Senhora da Amazônia, intercedei por nós.


E por fim e não menos importante, foi o gesto do comprometimento com a mãe natureza. Após a bênçãos e distribuição das sementes pelas mulheres camponesas, houve o plantio de duas mudas típicas da região, a seringueira, simbolizando a memória dos seringueiros que deu nome a padroeira da Diocese de Guajará-Mirim. Nossa Senhora dos Seringueiros, rogai por nós!

Através da articulação das CPTs da Amazônia, estiveram presentes na 12ª Romaria, representantes das CPTs da grande região Noroeste e também da CPT Nacional. Foi um momento importante de intercâmbio, troca de experiência e de pensar estratégias futuras no fortalecimento aos meios de produção das comunidades acompanhadas pelas CPTs da Amazônia.

CPT-RO.































Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O acidente das usinas que nos esconderam

Santo Antônio do Matupi, no Km 180 da transamazônica.

POLICIAIS INVADEM E AMEAÇAM FAMÍLIAS ACAMPADAS EM RONDÔNIA