CARTA ABERTA DA CPT-RO JUNTO AS ORGANIZAÇÕES E MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO, DA CIDADE, DAS ÁGUAS E DA FLORESTA
A Comissão Pastoral da
Terra, Regional Rondônia, fiel
aos seus objetivos e à sua missão, bem como atenta aos seus compromissos,
presença e testemunho junto aos Povos do campo, das Florestas e das Águas,
Comunidades e Povos Tradicionais, vem a público, expressar junto as Organizações
e Movimentos Sociais do Campo, da Cidade, das Águas e da Floresta por esta
Carta, seu posicionamento e sua indignação ante os acontecimentos
relacionados à política fundiária e ambiental, da parte do governo federal, em
âmbito local.
Buscamos participar
ativamente, desde a época do governo de transição, em relação às propostas,
programas e indicações de nomes que ocupassem principalmente as pastas
ambiental e fundiária no Estado. O sentimento que nos envolveu, expressou-se ao
mesmo tempo sob forma de repúdio e indignação, principalmente em relação
aos últimos seis anos de governos, mas também de anseio por mudanças
emergenciais e necessárias. Aturdidos pela ação direta de tais governos,
sobretudo do Governo Bolsonaro, de forma genocida e cruel, testemunhamos a
revogação de direitos constituídos. De igual forma, legitimaram a
invasão de Territórios Indígenas e áreas protegidas, estimularam a
mineração ilegal, o desmatamento, paralisaram a política de
reconhecimento e demarcação dos Territórios dos Povos e Comunidades
tradicionais, sem falar no aprofundamento do desmonte e disfunção do
Incra e das Políticas de Reforma Agrária e Regularização fundiária.
A violência sob todos os
seus aspectos, verticalizou em nosso Estado. Constatamos, atônitos, a
violência física dos despejos contra trabalhadoras e trabalhadores rurais
sem-terra, a transformação da Patrulha Rural em Milícias de proteção à grilagem
e grileiros, a invasão de Territórios Indígenas de Norte a Sul do Estado, a
invasão e desmatamento de áreas protegidas, a ação governamental de reduzir e
extinguir Unidades de Conservação, flexibilização de licenciamento ambiental, intensificação
e descontrole no uso de agrotóxicos, entre outros. Não que isso tenha
passado alheio ao Estado, ao contrário. Tanto em âmbito federal, como
estadual, a ação do Estado foi ativa e, em grande parte, conivente. Ilustra bem
este fato, a Política da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em Rondônia e sua
blindagem protetiva à grilagem e ilícitos ambientais. Sob todos os aspectos,
portanto, amplificou-se esta violência, revelando claramente a opção
estratégica para criminalizar os movimentos sociais, assim implementar medidas
legislativas e administrativas de anular direitos coletivos constituídos.
Costumamos dizer que, em Rondônia, a atuação estatal,
sobretudo no campo ambiental e fundiário, como em um laboratório, transformava
o teste em padrão, a ser implementado por toda a Amazônia Legal. Comprova isso,
o avanço da frente de expansão do agronegócio, o desmatamento, a grilagem e a
violência, inerentes, em direção ao Acre e ao Sul do Amazonas.
É, portanto, este mesmo
sentimento de indignação que nos mobiliza em resistir e manifestar. Convocados que fomos a oferecer propostas
para o novo governo, não nos furtamos em apresentar medidas urgentes a
serem adotadas, bem como indicamos, em consonância com os setores populares do
Estado, nomes à cargos e pastas estratégicas, principalmente em Órgãos
ambientais e fundiários. No entanto, vimos sucumbir nossas expectativas,
tanto pela não aceitação dos nomes sugeridos quanto pela demora na indicação de
novos nomes. Em troca da chamada governabilidade fomos informados que,
principalmente a Bancada ruralista reclamava tais Órgãos, e por isso, nossas
demandas não poderiam ser atendidas.
Já se passaram mais de cem
(100) dias, e os mencionados Órgãos sequer atuam, ou à espera de nomeação, ou
mesmo, por orientação para que garanta a continuidade das mesmas práticas.
Entendemos claramente, diante dessa situação, que transigir com tais arranjos
políticos significa dar continuidade a tudo que denunciamos. A condescendência
com a governabilidade também pode transformar rapidamente a omissão em
cumplicidade. Esta prática se revela incompatível com os anseios e
expectativas dos povos e comunidades tradicionais, trabalhadoras e
trabalhadores rurais, todas e todos que lutam por dignidade e direitos em nosso
Estado. Não há como se render a uma proposta que aposta no extermínio destes
povos. Não acreditamos que um adversário possa se transformar em aliado, e
contra isso também, levantamo-nos.
A paralisação nesses mais
de três meses, por
parte do governo federal, seja no sentido de suspender a continuidade da
programação política perversa, herança do governo anterior, seja na recusa
oficial em acatar e legitimar as indicações feitas por movimentos e setores
populares do campo e da cidade para as funções indicadas, apenas expressam a
pouca disposição para a mudança. E ante isso, não podemos nos quedar
inertes ou insensíveis. Constrange-nos e ainda mais potencializa a nossa
indignação a conciliação com os setores políticos do agronegócio ou da bancada
ruralista para seguirem à frente de órgãos públicos em pastas tão necessárias
de mudanças: questão agrária e fundiária, questão ambiental, indígena e
quilombola.
Se já há muito fomos
considerados como entraves ao desenvolvimento, é deste lugar, enquanto
luta e resistência que a nossa fala se ergue. Não pedimos nem licença e nem
desculpas por resistir. Esse direito se torna obrigatório e nasce do
compromisso e da presença junto aos trabalhadores e trabalhadoras do campo, dos
Povos e Comunidades das Florestas e das Águas. Por aqui e por ali, as más
notícias começam a ser ouvidas, como o aumento do desmatamento no primeiro
trimestre, a celebração de convênios e programas alinhados à expansão do
agronegócio na Amazônia, a indiferença ante as pautas territoriais, entre
outras.
A constância destas tristes
ocorrências, que insistem em persistir, nos relembra que ainda é
tempo de resistir e de lutar. Por isso expressamos a nossa indignação,
somada à continuidade de todas as lutas necessárias. Por aprendizado de triste
lembrança, compreendemos que os direitos, com muita luta conquistados, não
podem ser sacrificados no altar dos arranjos desta tal governabilidade.
Repetimos que estes mesmos direitos dizem respeito ao Estado e não aos
governos. Insistimos, pois, na resistência e não na composição, bem
sabemos de onde partimos e, sabemos melhor ainda identificar quem assalta,
agride, envenena e mata nossas matas, territórios, povos e comunidades.
E por tudo o que não
aceitamos, damos voz e texto à nossa indignação nessa Carta Pública, como quem
precisa lembrar para não se enganar. Como nosso Poeta Maior Thiago de Mello
professamos que “ainda faz escuro”, é preciso cantar, indignar e
resistir. Assim, queremos demarcar bem o território desta indignação, fruto do
compromisso com as causas pelas quais sofremos, lutamos e resistimos.
Manteremos, portanto, firmes e em luta contra tudo aquilo que já vimos
enfrentando e que insiste em persistir no atual governo, de modo específico em
Rondônia. E com o Papa Francisco, seguimos professando e insistindo: “Nenhuma
família sem casa, nenhum camponês sem-terra e nenhum trabalhador sem direitos”.
Assinam esta carta:
Comissão Pastoral da Terra Rondônia CPT-RO
Coletivo Popular Direito à Cidade
Comitê de Defesa da Vida Amazônica na Bacia do Rio Madeira –
COMVIDA
Coletivo Mura
Núcleo RO do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental
Fórum da Amazônia Ocidental - Núcleo Rondônia
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento Nacional de Luta pela Moradia - MNLM RO
Grupo de Pesquisa Territorialidades e Imaginários na Amazônia
- TERRIMA UNIR
Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão sobre Estado e
Territórios na Fronteira Amazônica - GEPE-Front
Grupo de Pesquisa em Gestão do Território e Geografia Agrária
da Amazônia - GTGA/UNIR
Instituto Padre Ezequiel Ramin-IPER
Rede Terra Sem Males
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
Instituto Territórios e Justiça – INTERJUS
Organização dos Povos Indígenas de Rondônia e Noroeste de
Mato Grosso - OPIROMA
Organização dos Seringueiros de Rondônia - OSR
Central de Movimentos Populares - CMP
Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Rondônia - FETAGRO
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