DECISÃO POLÊMICA AMEAÇA SETENTA FAMÍLIAS DE DESPEJO EM VILHENA
A justiça estadual de Rondônia ameaça despejar um grupo de 70 famílias no município de Vilhena. Esta ação nos faz recordar após 25 anos, o despejo criminoso ocorrido em 09 de agosto de 1995, na fazenda Santa Elina, no município de Corumbiara, que resultou em um dos maiores conflitos e que ficou conhecido como o “Massacre de Corumbiara”.
Fonte: El País - posseiros rendidos |
A região de ocorrência do conflito, o Cone Sul de Rondônia, na mesorregião Leste rondoniense, é uma das áreas em que o conflito agrário se estende até os dias atuais, atingida por inúmeras disputas violentas de avanço do agronegócio que relacionado a agrobandidagem visa expulsar campesinos, povos indígenas e comunidades tradicionais amazônicas.
UMA ÁREA PÚBLICA EM DISPUTA NA JUSTIÇA
A área, objeto de litígio,
corresponde aos Lotes 62,63 e 64 da Gleba Corumbiara, setor 7, na Linha 85, no
Distrito de São Lourenço, no município de Vilhena, também conhecida como
Fazenda Vilhena. Trata-se de área de Terra da União ocupada há mais de cinco
anos pela Associação de Pequenos Produtores Rurais da Linha Oitenta e Cinco,
que cultivam macaxeira, frutas, verduras e hortaliças, além da pecuária de
pequeno porte e produtos destinados ao sustento das famílias. Ressalta-se o
grande número de crianças em idade escolar, que frequentavam a escola
regularmente até o início da pandemia.
A área mencionada anteriormente está em disputa por Flavia Fontes Romero, Fernanda Fontes da Silva e Leony Rosa Fontes, todos eles moradores do estado do Paraná, antigos titulares de uma CATP (Contrato de Alienação de Terras Públicas), que por meio de cláusulas resolutivas não cumpridas, foi cancelado administrativamente pelo Programa Terra Legal.
Apesar desse ocorrido, os antigos titulares entraram com ação de interdito proibitório sob o número 0007145-57.2015.8.22.0014 contra as pessoas que ocupavam a área na época, ação que se tornou no processo de nº 700654657.2019.8.22.0014, que agora corre na segunda vara cível de Vilhena contra os novos ocupantes.
AMEAÇADOS DE REINTEGRAÇÃO DESDE NOVEMBRO DE 2019
Em novembro de 2019, o grupo de
moradores recebeu liminar de reintegração/manutenção de posse sobre a área
ordenando aos trabalhadores que deixassem a área no prazo de 15 dias. Com isso, a Defensoria Pública entrou com
recurso pedindo a suspensão da ordem de reintegração, bem como o reconhecimento
de incompetência da Justiça Estadual e declínio do litígio à Justiça Federal, o
qual foi negado pela vara de Vilhena, mas a juíza adiou o despejo, pedindo
informações ao Incra sobre a área.
O Ministério Público Federal
em Rondônia também agravou a decisão da 2ª Vara Cível da Comarca de Vilhena,
alegando que a ordem de reintegração de posse expedida pela Justiça Estadual
podia implicar em prejuízo ao patrimônio federal, além de impor gastos desnecessários
ao poder público, tendo em vista que a área é da União e destinada a reforma
agrária. O MPF confirmou a existência do processo na Justiça Federal, em que
após anulação administrativa das CATPs, se discute a propriedade da área e o
cancelamento do contrato de alienação de terras públicas. O MPF também pediu o
declínio de competência à Justiça Federal, assim como manifestou interesse na
lide.
No dia 08 de maio de 2020,
após ter sido intimado pela primeira vez nos autos, o Incra se manifestou,
alegando haver interesse da União e impugnando o cumprimento de sentença, por
se tratar de uma área passível de regularização fundiária dos ocupantes. Também
pediu a remessa do litígio à Justiça Federal, assim como a anulação do processo
por falta de intimação da União.
UMA
DECISÃO ARBITRÁRIA E ILEGÍTIMA
Reconhecendo esta falta de
consulta ao Incra e a União sobre a titularidade da área, o relator do Tribunal
de Justiça do estado de Rondônia, desembargador Hiram Souza Marques decidiu a
suspensão da reintegração em 18 de março de 2020. Novas movimentações nos
agravos, não estão disponíveis e na ausência da publicação, novamente a juíza determinou
o cumprimento da cumprir a reintegração de posse.
Segundo a Defensora Ilzemara
Sesquim Lopes “A ilegalidade da decisão é patente. Tanto o Ministério Público
Federal quanto o Incra foram categóricos em requerer a remessa dos autos à
Justiça Federal. Em função disso, fica evidente nos autos o interesse da União,
bem como a existência de processo administrativo que determinou a retomada do
bem em litígio ao patrimônio da União. Eventual decisão sobre a competência,
então, passa a ser da Justiça Federal.” (Agravo de 03 de agosto de 2018).
ÁREA
DE VIOLÊNCIA E CONFLITOS AGRÁRIOS
A extensa área da antiga
Fazenda Vilhena já tem sido palco de violência de várias chacinas que
resultaram em muitas vidas ceifadas, ligadas a negligencia do Estado em tratar
com seriedade e urgência os casos de conflitos agrários em terras públicas no
estado de Rondônia.
No dia 08 de junho de 2020 em
reunião da Mesa de Negociações de Conflitos Agrários, a pedido do Conselho
Estadual de Direitos Humanos de Rondônia, foi denunciada a construção de uma
cerca que corta no meio os lotes dos ocupantes da área e a atuação de milícias
armadas ameaçando os posseiros.
Posteriormente a polícia
apreendeu as armas de um grupo de pistoleiros, que tinham sede no interior de
uma fazenda vizinha. Destaca-se que recentemente, um conhecido pistoleiro
conhecido por “nego Zen”, autor de várias ameaças e violências na região de
Vilhena, foi detido armado e entregue a polícia pelos moradores.
CONSELHO
DE DIREITOS HUMANOS DE RONDÔNIA PEDE REUNIÃO DA MESA DE CONFLITOS
O Conselho Estadual de
Direitos Humanos encaminhou em 06 de agosto de 2020 pelo presidente interino
Eduardo Guimarães Borge, ofício à Superintendência Estadual de Patrimônio e
Regularização Fundiária – SEPAT, argumentando: “O cumprimento do referido
mandado, antes da análise das pretensões supramencionadas, e antes da reunião
da SEPAT, densifica a situação conflituosa que envolve a área em litígio,
podendo tomar proporções ainda mais graves. É imprescindível absoluta cautela
por parte dos órgãos estatais, evitando-se danos irreparáveis, esperando-se bom
senso, tudo com a finalidade de evitar que novas tragédias aconteçam.”
A Mesa de Diálogo e Negociação foi criada pelo Decreto n° 20.868, de 12 de maio de 2016, com a função de promover debates e negociações, com o intuito de prevenir, mediar e solucionar, de forma justa e pacífica, os conflitos em matéria socioambiental e fundiária, mediante a participação de setores da sociedade civil e do Governo do estado de Rondônia diretamente envolvidos.
NA PANDEMIA DESPEJOS REPRESENTAM RISCO DE
VIDA
A decisão representa o
descumprimento da Função Social da Terra de área da União que estava
abandonada, provocando um dano irreparável a centenas de pessoas. Além do grave
prejuízo de expulsar dezenas de famílias de suas moradias e destruição de suas
lavouras, os despejos em pleno período de pandemia e de isolamento, coloca os
pequenos agricultores em grande vulnerabilidade e risco de contágio, em um
momento de aumento do número de casos em
Vilhena e de colapso dos hospitais da região, esse possível despejo representa
real perigo à vida de todos os moradores do local.
Em tempos em que a sociedade é
solapada em função da pandemia do COVID-19, que já deixa a marca de 100 mil
mortos, reintegrações de posse deveriam ser a última medida a ser adotada,
principalmente em casos cuja condição de terra pública está sob disputa.
Fonte: CPT-RO
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