Histórias para o dia do agricultor.
No dia do agricultor, gostaria de
partilhar com vocês uma reflexão e quero fazê-la a partir de três homens: Amado
Pedro da Silva, Manoel Luiz dos Santos e Dário Moura dos Santos. Amado e
Manoel, os quais conheci nos trabalhos da Comissão Pastoral da Terra, Dário é
meu pai. Todos os três são agricultores.
Amado Pedro da Silva foi posseiro
por quase dez anos em uma área em litígio dentro do Projeto de Assentamento
Flor do Amazonas em Candeias do Jamary, Rondônia, Brasil. Um apaixonado pela
floresta e pela agroecologia. Quase todos os anos enfrentava o fogo, via e
denunciava revoltado a ação dos madeireiros, mas continuava plantando, árvores,
cana-de-açúcar, abacaxi, jenipapo, banana, uma fartura. Passou por muito
aperreio, ação de reintegração de posse, e ele resistiu.
Sua casa simples era local de
acolhida, sempre com um copo de caldo de cana, um café e uma boa conversa. Além
de plantar, seu Amado se tornou um guardião de sementes e onde ia distribuía,
muitos receberam uns quilos de feijão guandu, para adubar a terra.
No ano de 2019 os interesses do agronegócio na
região se direcionaram para o plantio de soja e adquiriram a área do
fazendeiro, fazendo “acordos” e retirando as famílias. Todos foram embora, e
seu Amado lá, como árvore, enraizado. Os tratores começaram a arrancar e juntar
a área de capoeira que ele pretendia tornar uma área de recuperação, depois
veio o fogo, e o desespero do senhor Amado. Recorreu a justiça, diante do
esbulho que vinha sofrendo, restou-lhe um acordo, quando já temia pela própria
vida.
Terra arrasada! Onde tinha
fartura, agora, soja.
O Senhor Manuel eu conheci
pela foto e pelo que a associação da qual participa trouxe de elementos para
tentar reverter uma reintegração em fase de cumprimento de sentença. Processo
que correu a revelia, enquanto ele analfabeto, não tinha condições de buscar
defesa, depois passou o último ano em coma e recuperação em hospitais, após um
acidente.
Quando obteve alguma melhora
retornou para sua chácara, que os vizinhos tinham mantido na sua ausência. Um
senhor de 66 anos, e os moradores dizem que era uma das menores chácaras, mas
talvez uma das mais produtivas, muita fartura. Seu Manoel vendia verdura pra
vizinhança inteira, fazia feira. E os restos de cana moída, no meio dos
escombros só comprovam que caldo de cana não faltava.
No dia 21/07/2020 a justiça
cumpriu o mandado de reintegração de posse em uma chácara do Setor Chacareiro
de Porto Velho Rondônia, Brasil. Manoel que não tem parentes no Estado, não
aceitou ir para casa de ninguém. O vizinho
então lhe cedeu um espaço para
viver e produzir, nele só tem um galinheiro, e agora é lá que Manoel está
vivendo, idoso, ainda em recuperação e no meio de uma pandemia.
Terra arrasada! Onde tinha
fartura, agora, os planos das imobiliárias.
Dario Moura dos Santos, meu
pai, que só tive a oportunidade de conviver por dois anos e seis meses da minha
vida. Um baiano, migrante, peão de trecho, perdeu os pais também muito jovem.
Quando encontrou minha mãe, seguiram juntos para Rondônia em busca da promessa
de terra. Posseiros, conquistaram um pedaço de terra no Projeto de Colonização
PIC Ji-Paraná, na região de Cacoal.
Nessa terra meus pais formaram
a família. As histórias são de muito sofrimento, privações, mas também de muito
companheirismo e solidariedade. Ali está presente a memória dos mutirões, das
associações de ajuda mútua, das Comunidades Eclesiais de Base e das Escolas
Família Agrícola.
Nessa terra meu pai
pode deixar de ser sem-terra e peão de trecho pra ser agricultor, terra de
fartura. Mesmo quando faleceu, minha mãe e meus irmãos mantiveram o sítio e
tiraram dali o nosso sustento. Dalí saiu todo o recurso da minha educação.
Nesse pedaço de chão, não somos modelo de agricultura e de produção, mas são 40
anos que desse chão se constroem vidas, e de uma terra, onde pra mim, os frutos
ainda são os mais saborosos
Terra de benção, terra de vida!
Nesse país, é necessário
refletir e decidir enquanto sociedade que tipo de economia queremos, e que tipo
de relação com a terra vamos estabelecer, e pode-se optar pela pequena
agricultura que gera vida e produz alimentos ou podemos seguir com a terra
arrasada, para atender os interesses do mercado.
Se no Brasil não tem vulcão,
nem furacão, tem reintegração! O caso do agricultor, chacareiro Manoel Luzi dos
Santos é a prova concreta de que esse país não valoriza a pequena agricultura,
embora seja ela que alimente as cidades. A pequena agricultura precisa de
terra, de Reforma Agrária, e de investimentos em políticas públicas.
Por: Liliana Won Ancken
Por: Liliana Won Ancken
CPT - Rondônia
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