NOTA PÚBLICA - A violência no campo não respeita quarentena
Diante de diversas ameaças, entre elas a
pandemia de Covid-19 e os conflitos no campo, a CPT Regional Rondônia
divulga Nota Pública por meio da qual exige investigação dos casos de
violência praticados por milícias da região, contra povos e comunidades
tradicionais no estado. Confira:
NOTA PÚBLICA - A violência no campo não respeita quarentena
Em Rondônia, os conflitos no campo não
cessam, tampouco entram em quarentena. As famílias envolvidas nesses
conflitos estão vulneráveis ao vírus da Covid-19 e à violência que há
anos é perpetrada na incorporação de novas áreas para agricultura e na
territorialização do agronegócio.
O avanço do capital sobre áreas públicas
está materializado nas inúmeras invasões de territórios indígenas e
áreas de reservas estaduais ou federais denunciadas ano após ano, seja
pela CPT ou por organizações de indígenas e extrativistas. Em 2019 a
violência contra indígenas cresceu exponencialmente no Brasil. Em
Rondônia, o povo Karipuna está ameaçado de genocídio, expostos, em plena
pandemia à presença de invasores. A terra indígena onde vive o povo
Uru-Eu-Wau-Wau é palco de invasões e da ação de organizações criminosas
que tem objetido de lotear parte da reserva, e é nesse contexto de
conflitos e ameaças que Ari Uru-Eu-Wau-Wau foi encontrado morto na
estrada do Distrito de Tarilândia, no dia 18 de abril de 2020. Os
indígenas do estado de Rondônia manifestaram, por meio de notas, a
certeza de tratar-se de assassinato e a exigiram investigação séria -
vozes as quais a CPT se une para exigir que esses crimes não fiquem
impunes. No ano de 2019, 9 conflitos por terra envolvendo indígenas
foram registrados pela CPT em Rondônia, destes, 4 referiam-se a invasões
ao território Uru-Eu-Wau-Wau.
Os processos de reintegração de posse
não ficaram paralisados, pelo contrário, os despachos seguem a todo
vapor, indicando que mesmo diante de uma pandemia o direito à
propriedade segue sagrado e absoluto.
Na região do Cone Sul de Rondônia,
famílias amargam o isolamento social em acampamentos, nem todos tem para
onde ir após uma ação de despejo, tão pouco o estado tem garantido
direitos a moradia digna e assistência básica. Em outubro de 2019, após
mais de 10 anos em posse da área - com casas construídas e roças
plantadas -, 45 famílias foram despejadas em Chupinguaia (RO).
Atualmente cerca de 15 famílias, ligadas à Associação Nossa Senhora
Aparecida, seguem em acampamento no lote vizinho, que também sofre
processo de reintegração, além disso acampados relatam que policiais e
capangas fazem rondas intimidando as famílias. A CPT recebeu notícias de
camponeses que as casas que não foram destruídas no despejo por
determinação da justiça, mas estão sendo colocadas ao chão por capangas
do alegado proprietário, mesmo depois de decisão controversa da justiça
estadual , que na sequência do despejo declinou competência para a
Justiça Federal, confirmando estarmos diante de um conflito agrário em
área da União.
Despejadas em 2015, outras 10 famílias
seguem acampadas junto à Associação Canarinho e reivindicam há mais de
10 anos a área do lote 52, setor 12, Gleba Corumbiara, em Vilhena (RO).
Essas famílias também já tiveram em posse da área. Agora despejados,
aguardam resolução do conflito que segue sub judice. Em área
ocupada em 2019, outras 15 famílias foram despejadas em Pimenteiras, dos
lote 01 e 02, Gleba Guaporé, e forçadas à vida de acampamento.
Ocupantes que foram despejados do Lote
40, em Chupinguaia, e do lote 46, em Vilhena, que estão há anos fora da
área, ainda relatam a perseguição a algumas famílias.
Com outras áreas ameaçadas de despejo,
em lotes que compõem a área conhecida como fazenda Vilhena, mesmo após
decretada a pandemia e o estado de calamidade pública, tendo o Comando
da Polícia Militar informado a suspensão do cumprimento de reintegração,
não deixaram de ter policiais na área - conforme relatam os ocupantes -
acompanhados pelo fazendeiro, com o objetivo de intimidar as famílias.
Mais recentemente, acampados relataram e registraram boletim de
ocorrência por estarem sofrendo ameaças de uma pessoa identificada sob o
apelido de “Nego Zen”, que seria conhecido na região por exercer esse
tipo de violência contra camponeses.
Posseiros do lote 35 da gleba
Corumbiara, em Vilhena, relataram a presença de viaturas acompanhadas
pelo fazendeiro, fazendo rondas e prendendo pessoas na área, sem
apresentarem mandado judicial.
Da região entre o distrito de União
Bandeirantes, município de Porto Velho (RO), e a zona rural do município
de Nova Mamoré, a cerca de 290 quilômetros da capital, há relatos de
uma tragédia iminente: ocupantes de uma área sub judice, e
palco de um cenário de violência que ceifou a vida de agentes públicos e
acampados, estaria novamente sob fogo cruzado. Relatos recebidos de
lideranças da área apontam que na manhã de 27 de abril de 2020, por
volta das 09 horas, policiais e jagunços atacaram homens, mulheres e
crianças na ocupação Dois Amigos, Linha 29 A, em Nova Dimensão, por
meio de disparos feitos com armas de grosso calibre, realizados por
aproximadamente dez jagunços que circulavam em caminhonetes. Ainda
segundo relato da liderança, policiais e capangas permaneceram na sede
da fazenda, circulando na área e ameaçando as famílias. Informações
essas que foram veiculadas na imprensa na data do dia 28, com
informações transmitidas pelo advogado do grupo.
As ações de milícias na região de
Machadinho do Oeste têm sido denunciadas na imprensa regional por
movimento social ligado ao conflito na Fazenda Jatobá, localizada no km
10 da Linha T15, -alvo de despejo em fevereiro de 2020.
É inaceitável a atuação de agentes
públicos em episódios de violência contra os povos do campo, e têm sido
reiteradas as denúncias, por parte de camponeses, de envolvimento
policial em conflitos no campo. Exige-se do estado a investigação desses
casos, e sejam adotadas medidas cabíveis para coibir a atuação dessas
milícias contra a população já vulnerabilizadas e que ainda enfrentam
uma pandemia.
Outra vítima da violência no campo têm
sido as florestas, que caem e queimam para dar lugar ao boi, sendo este,
mais tarde, substituído pela soja. Frentes de exploração de minério
podem compor um próximo ciclo de violência contra os povos e contra a
floresta. O ano de 2019 foi marcado pelo fogo, mas também pelo Sínodo
para a Amazônia, os apelos e reflexões feitos a partir do Sínodo
precisam ecoar entre os cristãos para que sejamos verdadeiras
testemunhas de Cristo, expresso no cuidado com a Casa Comum, construindo
laços com a terra, que nos permitam também chamá-la: “Querida
Amazônia”, nossa Amazônia! Que as ações de solidariedade sejam capazes
de alcançar os povos indígenas, seringueiros, quilombolas, camponeses,
posseiros e sem-terra e reconhecer como necessárias: a defesa da Reforma
Agraria e da demarcação dos territórios tradicionais.
Rondônia, 8 de maio de 2020.
CPT Regional Rondônia
Publicado originalmente em:https://cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/conflitos-no-campo/5192-nota-publica-a-violencia-no-campo-nao-respeita-quarentena
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