Nota de Repúdio





O Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa e as organizações que assinam este documento consideram gravíssima e destemperada a atitude do governo brasileiro em relação ao comunicado conjunto1 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e do Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). 


No comunicado, emitido em 26 de maio de 2017, as entidades condenam o uso excessivo da força durante as manifestações e em operativos de segurança no Brasil. A linguagem desrespeitosa e agressiva adotada pelo Itamaraty se distancia demasiadamente da postura que se espera de um país membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU e que se diz comprometido com a proteção internacional dos direitos humanos. 


Ao dirigir-se de forma a menosprezar e questionar a boa-fé da CIDH e do ACNUDH, o governo de Michel Temer demonstra preocupante desconsideração com dois dos principais organismos internacionais e regionais de direitos humanos que se dedicam ao tema. Ademais, a reação ofensiva do Ministério das Relações Exteriores (MRE) indica desconsideração aos princípios tradicionalmente conferidos à política externa brasileira, como o multilateralismo e a valorização do direito internacional. A condenação pela CIDH e ACNUDH do uso excessivo da força é pertinente uma vez que o país padece desse abuso de forma crônica e estrutural. 


A falta de protocolos claros e públicos sobre uso da força por agentes de segurança, os inúmeros casos de permissividade por parte do poder público frente à ação e repressão violenta da polícia e o modelo de segurança pública anacrônico, militarizado e que privilegia o confronto com cidadãos, são elementos notórios da violência institucional que persiste no Brasil. O comunicado conjunto da CIDH e do ACNUDH menciona o violador decreto presidencial que autoriza o emprego das Forças Armadas para garantia da lei e da ordem no Distrito Federal entre os dias 24 e 31 de maio como resposta a manifestações de rua. 

A revogação do decreto no dia seguinte demonstra a desproporcionalidade de tal ato. Reiteramos e apoiamos o pedido da CIDH e ACNUDH de que a “ação das forças de segurança deve respeitar em todo momento as normas internacionais de direitos humanos”. A manifestação das entidades internacionais também faz referência à sucessão de violações de direitos humanos em episódios recentes, como uso excessivo da força em operações tanto no marco do conflito de terras como no contexto da remoção urbana de dependentes químicos usuários de drogas ilícitas. Causa-nos preocupação a classificação pelo governo de “cínica” e “fora de contexto” à atitude da CIDH e do ACNUDH de incluir essas violações no comunicado conjunto sobre uso excessivo da força. 

De acordo com a organização Global Witness2 , o Brasil é o país mais perigoso do mundo para o ativismo ambiental. Além disso, segundo a Comissão Pastoral da Terra3 , a chacina em Pau D’Arco, que aconteceu no último dia 24, elevou para 37 o número de mortes no campo apenas nos primeiros cinco meses de 2017. 


Já a violenta operação de segurança na região da Cracolândia, em São Paulo, foi classificada4 como “desastrosa” pela própria Secretária Municipal de Direitos Humanos, Patrícia Bezerra, que pediu exoneração após o episódio. 1 http://www.oas.org/pt/cidh/prensa/notas/2017/069.asp 2 Global Witness: https://www.globalwitness.org/en/press-releases/brasil-anfitriao-das-olimpiadas-e-o-pais-mais-perigoso-do-mundo-para-o-ativismo-ambiental/ 3 Comissão Pastoral da Terra: https://www.cptnacional.org.br/index.php/publicacoes/noticias/conflitos-no-campo/3801-onu-e-cidh-condenam-chacina-em-pau-d-arco 4 O Globo: https://oglobo.globo.com/brasil/secretaria-de-direitos-humanos-de-doria-se-demite-apos-acao-desastrosa-na-cracolandia-21391046 Reiteramos nosso apoio à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. 

A CIDH possui um vasto histórico de contribuição ao avanço dos direitos humanos no Brasil e em todo o continente americano. O ACNUDH representa o compromisso do mundo com os ideais universais da dignidade humana e possui o mandato de promover e proteger todos os direitos humanos internacionalmente. Por fim, cabe reafirmar que a Constituição Federal de 1988 vincula as relações internacionais do país à prevalência dos direitos humanos5 e clamamos para que o Itamaraty se retrate imediatamente pela forma desrespeitosa e descompromissada em que se dirigiu à CIDH e ao ACNUDH, reiterando os compromissos nacionais e internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro em matéria de direitos humanos.




31 de maio de 2017 




 Assinam esta nota: 


1. ABA – Associação Brasileira de Antropologia 2. ABIA - Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids 3. Ação Educativa 4. Aliança Nacional LGBTI 5. APIB - Articulação dos Povos Indígenas do Brasil 6. Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh) 7. Articulação para o Monitoramento dos DH no Brasil 8. Artigo 19 9. ASP - Associação Palotina 10. Associação de Advogadas Pela Igualdade de Gênero, Raça e Etnia 11. Associação Tapera Taperá 12. CAMI - Centro de Apoio e Pastoral do Migrante 13. Campanha Nacional pelo Direito à Educação 14. CBDDH - Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensoras e Defensores de Direitos Humano 15. CENDHEC - Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social 16. CIMI - Conselho Indigenista Missionário 17. Circuito de Apoio ao Imigrante 18. CLADEM/BRASIL - Comitê da América Latina e do Caribe de Defesa dos Direitos das Mulheres 19. Clínica de Direitos Humanos da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE 20. Clínica de Direitos Humanos e Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas 21. Clínica de Direitos Humanos PUC-SP "Maria Augusta Thomaz" 22. Coletivo Estadual de Combate à LGBTfobia da APP Sindicato 23. Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa 24. Conectas Direitos Humanos 25. CONIC - Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil 26. Conselho Federal de Psicologia 27. DDH - Instituto de Defensores de Direitos Humanos 28. FAOR - Fórum da Amazônia Oriental 29. FIAN Brasil 30. GAIRE - Grupo de Assessoria a Imigrantes e a Refugiados 31. GAJOP - Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares 32. Gestos - Soropositividade, Comunicação e Gênero 33. Grupo Dignidade 5 Artigo 4, inciso II. 34. IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais 35. IDDH – Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos 36. INCIDE 37. INESC - Instituto de Estudos Socioeconômicos 38. Instituto EQUIT 39. Instituto Sou da Paz 40. ISER - Instituto de Estudos da Religião 41. Justiça Global 42. Laboratório de Justiça Global e Educação em Direitos Humanos na Amazônia (LAJUSA) 43. Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Paraná 44. Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Deslocados Ambientais - NEPDA/ UEPB 45. PBPD - Plataforma Brasileira de Política de Drogas 46. PFDC – Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão 47. Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil 48. RCA - Rede de Cooperação Amazônica 49. Rebrip - Rede Brasileira de Integração dos Povos 50. Redes da Maré 51. RENAP - Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares 52. SMDH - Sociedade Maranhense de Direitos Humanos 53. Terra de Direitos 54. Vigência!

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