Ressuscitar na luta do povo!
Palavra
de Dom Moacyr Grechi – Arcebispo Emérito de Porto Velho
Matéria
516 - Edição de domingo – 20/03/2016
Dentre os
mártires de março, recordamos Dom Oscar Romero, arcebispo de S. Salvador,
assassinado, quando celebrava a eucaristia no dia 24 de março de 1980 e
beatificado no dia 23 de maio de 2015. Sobre ele, papa Francisco escreveu: “Deus
lhe concedeu a capacidade de ver e de ouvir o sofrimento do
seu povo e plasmou o seu coração a fim de que, em seu nome, o orientasse e
iluminasse, a ponto de fazer do seu agir uma prática repleta de caridade cristã”.
“Eu tenho
sido frequentemente ameaçado de morte”, disse o arcebispo Oscar
Romero a um repórter guatemalteco duas semanas antes de seu assassinato, “e
se as ameaças chegarem a se cumprir, desde agora ofereço meu sangue a Deus pela
redenção e ressurreição do povo de El Salvador; que o meu sangue seja
semente de liberdade e sinal de que a esperança logo se transformará em
realidade”.
E na véspera do seu martírio, falou em sua homilia: “Frequentemente
tenho sido ameaçado. Como cristão, não creio em morte sem ressurreição. Se me
matam, ressuscitarei no povo salvadorenho .. um bispo vai morrer, mas a Igreja
de Deus que é o seu povo não morrerá nunca”.
A liturgia de hoje começa com manifestações do povo aclamando
Jesus, o Messias, com ramos de oliveira. De outro lado, hostilidades por parte
das autoridades e sacerdotes. Estamos celebrando o Domingo de Ramos e
da Paixão do Senhor, que abre a Semana Santa ou a Semana Maior rumo à Pascoa.
Na liturgia
deste domingo, três símbolos estão presentes na celebração: os ramos, a
procissão com ramos e a proclamação do Evangelho da Paixão. Fazemos parte de um
povo que sai às ruas, agitando ramos, cantando ao Cristo, nosso Rei e Redentor
e aclamando-o como Messias, o esperado das nações.
No
caminho da cruz, Jesus deixa entender que na sua morte violenta se decide o destino
do povo de Deus e da humanidade. O julgamento histórico de Deus abater-se-á sobre
a cidade de Jerusalém, símbolo da humanidade infiel e rebelde aos apelos dos profetas
(VP).
Esta é uma Semana de silêncio, reflexão e oração. Tempo de mudança,
de renovação, de avaliar a caminhada em busca da vida plena. De ler e escutar a
Palavra de Deus, colocando a vida em dia diante do Senhor e dos irmãos.
No Evangelho da Procissão de Ramos (Lc 19,28-40) e na Leitura da
Paixão (Lc 22,14-23,56) percebemos uma rápida e progressiva aceitação
de Jesus, por parte do povo, correlata ao crescimento das hostilidades,
por parte dos responsáveis religiosos. Jesus consente nesta “entrada
festiva” que lhe foi preparada. “Bendito és tu que vens com tanto amor”! Hosana
nas alturas!
De fato, se
fosse um desconhecido, perdido no meio da massa, um homem comum, a demonstração
que irá se seguir não poderia ter acontecido: foi preciso ser alguém
reconhecido como Senhor, que se tivesse feito servidor. Em lugar de uma
entronização, haverá o processo e o suplício.
E, no
entanto, será esta exatamente a entronização (como dizia a antiga
liturgia, Deus reinou pelo madeiro da cruz); o suplício
de Cristo será a verdadeira tomada do poder. Um poder real, mais real
do que o dos “grandes deste mundo”. Os discípulos que
seguiam Jesus com os ramos nas mãos (não com armas) estavam dando
início à glória, mas uma glória cuja natureza sequer podiam suspeitar
(M.Domergue).
A morte de
Jesus inaugura o combate decisivo dentro da história, e os seguidores de Jesus
devem estar preparados para enfrentá-lo. Na primeira missão nada faltou aos
discípulos. Agora, porém, é hora de luta (espada), e cada um deve prover o seu
próprio sustento e enfrentar todas as forças que impedem a concretização do
Reino (BP).
Se Jerusalém não
reconhece a hora de visitação do Senhor, os pobres, a multidão dos discípulos,
o reconhecem, contudo, os detentores do poder não querem reconhecê-lo,
nem ouvir o testemunho dos pequenos. Por isso, Jerusalém será destruída,
porque não reconheceu a hora de sua visitação.
Ora, a
salvação que Jesus traz torna-se eficaz na medida em que a assimilamos, numa
vida semelhante à dele. Ele é o modelo que os cristãos devem imitar, e seus
passos, o caminho que devem seguir. Diante da cruz do justo que
morre, temos que optar: ou pelo lado dos que dão sua vida para viver e
fazer viver o amor de Deus, ou pelo lado dos que se dão as mãos para suprimir a
justiça; lado de quem carrega a cruz ou de quem a impõe (J.Konings).
Por que o
justo sofre? O profeta Isaias fala que toda missão profética realiza-se no
sofrimento e na dor. O anúncio das propostas de Deus provoca resistências e perseguição,
porém, a paixão pela Palavra se sobrepõe ao sofrimento. A certeza de que não
está só, mas que tem a força de Deus torna o profeta mais forte do que a dor e
o sofrimento (Is 50,4-7).
Paulo Apóstolo
tem consciência de que está pedindo aos seguidores de Jesus algo realmente
difícil; mas é algo que é fundamental, à luz do exemplo de Cristo (Fl 2,6-11).
Também a nós é pedido, nestes últimos dias antes da Páscoa, um passo em frente
neste difícil caminho da humildade, do serviço, do amor: será possível que,
também aqui, sejamos as testemunhas da lógica de Deus?
A Semana Santa traz muitas luzes para a realidade brasileira e para
a crise política, institucional e ética. O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs
do Brasil – CONIC, do qual a CNBB faz parte, acompanhando os acontecimentos
políticos que provocam a necessidade de profundas reflexões sobre o atual
momento do Brasil, divulgou, no dia 11 de março, uma Declaração em favor da
Democracia e do Estado de Direito defendendo “que todas as ações de corrupção,
independentemente de quem as pratica, sejam investigadas e seus autores
responsabilizados”.
Diante do viés
presente nos processos que investigam casos de corrupção, o CONIC observa “com
grande preocupação o processo de judicialização da política e o risco
claro que este processo apresenta à democracia brasileira”.
Percebe-se
que, para determinados julgamentos, não se têm observado o amplo direito à
defesa, ao contraditório e à imparcialidade do julgamento, garantidos pela
Constituição. É necessário que sejam respeitados os princípios da inocência e
afastados os riscos de julgamentos sumários. Em vez disso, o que temos
visto são ordens judiciais com ações repressivas absolutamente à revelia da
nossa Constituição.
As
polarizações, coerções e uso abusivo de poder não são condizentes com a prática
da justiça. Um país democrático como o Brasil precisa garantir espaços
seguros de diálogo, debate de ideias e projetos sem que os adversários
políticos sejam considerados inimigos a serem aniquilados a qualquer custo.
Por apoiar e acreditar na
democracia, reivindicamos o respeito aos resultados das eleições de 2014.
No entanto, isso não significa não debater o Brasil que temos e que queremos. É
necessário que superemos a distância do que nos separa entre o que somos e o
que esperávamos ser.
O
recrudescimento dos aparatos repressivos do Estado está reescrevendo uma
história no país que não gostaríamos de ver repetida. A recente Lei
Antiterrorismo é o exemplo mais claro deste fenômeno. A justiça não deve
ser distorcida e nem a lei deve ser usada para fazer prevalecer os interesses dos
fortes (Hc 1.4).
Os
movimentos sociais chamam a atenção e se mobilizam para que a democracia se
aprofunde por meio da distribuição de renda e das riquezas, ampliação de
direitos, saneamento básico, fontes renováveis de energia, garantia de direitos
de trabalhadores e trabalhadoras, democratização dos meios de comunicação e de
uma segurança pública eficaz e cidadã.
Essas são
agendas essenciais para serem encaminhadas nos espaços representativos da
política brasileira. Interesses privados e caprichos políticos não devem
ser colocados acima do bem coletivo e das tarefas urgentes para superação
da crise econômica e social.
Exortamos ao
povo brasileiro, diante da polarização estimulada por uma mídia
partidarizada e tendenciosa, que expresse pacificamente sua opinião e posição
sobre o momento político que vivemos e evite o incentivo e a prática de
qualquer tipo de violência e ilegalidade.
Precisamos,
antes de tudo, preservar a nossa jovem democracia, o Estado de direito e
as conquistas sociais que a sociedade brasileira alcançou nos últimos anos.
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