Amazônia
concentra os assassinatos no campo em 2015
Segundo
dados parciais do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da Comissão
Pastoral da Terra (CPT), de janeiro a julho de 2015, dos 23 assassinatos
registrados em conflitos no campo no país, 22 foram em estados da Amazônia.
Cristiane
Passos*
Acampados,
assentados, sem terras, protagonistas da luta por reforma agrária em geral, voltam
a ser os principais alvos dos assassinatos em conflitos no campo no Brasil. Ao
todo foram 23 assassinatos: Pará (11), Rondônia (10), Maranhão (1) e Bahia (1),
entre janeiro e julho desse ano. 15 foram no contexto da luta por reforma
agrária, 3 em consequência de projetos de mineração, 2 em consequência de
projetos de barragem, 2 em conflitos indígenas e 1 por uso de mão de obra
escrava.
Pará
e Rondônia, estados nos quais estão sendo desenvolvidos grandes projetos como a
usina de Belo Monte, as de Tapajós, Jirau e Santo Antônio, foi onde mais se
matou no campo. Além disso, pelo histórico dos crimes é possível perceber a efetiva
participação de pistoleiros e, também, de agentes do estado, policiais ou
ex-policiais que comandam grupos de segurança privada.
A
falta de regularização dos territórios e a falta de uma plena reforma agrária
são fatores que impulsionam e acirram os conflitos agrários. Invasores de lotes
em assentamentos, madeireiros que entram nos territórios para a retirada ilegal
da madeira, bem como a presença constante de pistoleiros constituem uma
realidade com a qual o povo do campo tem convivido. A morosidade do Incra e a
falta de ação dos órgão competentes na proteção das áreas, têm causado mortes,
agressões e ameaças. Para Ruben Siqueira, da coordenação nacional da CPT, “isso
é reflexo de que o povo, mais uma vez, está pagando o preço da crise, com ainda
menor desempenho do estado, menos gastos do governo com a reforma agrária, com a
regularização fundiária, entre outras demandas urgentes do povo pobre do campo,
que não desiste do campo, como gostariam autoridades e empresários”.
Em
janeiro, Elizeu Bergançola, geógrafo, sofreu um atentado a tiros, em Machadinho
do Oeste, Rondônia e sobreviveu. Segundo informações da CPT Rondônia, ele
continua ameaçado por denunciar, juntamente com os seringueiros, a extração
clandestina de madeira nos seringais. Já Altamiro Lopes Ferreira não teve a
mesma sorte. Foi encontrado morto no dia 13 de março, após quase 10 dias
desaparecido. Ele fazia parte das famílias sem-terra despejadas no mês de
fevereiro, do Acampamento Nova Esperança, em Costa Marques, também em Rondônia.
A área é pública e está sob análise do Programa Terra Legal para suspensão de
títulos provisórios. As famílias sem terra denunciavam que a área está sendo
usada para extração ilegal de madeira. Antes de desaparecer, Altamiro relatou a
agentes da CPT Rondônia que havia sido ameaçado de morte.
José Osvaldo de Sousa, assassinado em 14 de junho, aguardava há 13 anos,
junto a 120 famílias sem terra, a regularização da área em que viviam, em disputa
com um suposto proprietário, que nunca apresentou o documento da terra. José
foi morto após dois dias de terror, quando 25 pistoleiros atacaram as famílias,
em Tucuruí, no Pará.
Pequeno contra
pequeno
Na investida para expulsar o povo do campo, o capital coloca pequeno
contra pequeno. Sem perspectivas, alguns grupos, inviabilizados tanto no campo
quanto na cidade, acabam invadindo áreas de assentamentos ou reservas
extrativistas, gerando tensões que, muitas vezes, acabam em mortes. No dia 17
de fevereiro desse ano, seis pessoas da mesma família foram assassinadas numa
chacina em Conceição do Araguaia, Pará. Um casal, três filhos e um sobrinho
foram mortos a tiros e golpes de facão. O crime foi motivado por disputa por
lote de terra entre ocupantes. Os irmãos “Oziel” e “Oliveira”, após abandonarem
a área, queriam o terreno de volta. Os investigadores da Polícia Civil também apuram
a denúncia de que o Incra orientou as vítimas a ocupar o lote, mesmo sem ainda
estar legalizado.
Mais uma vez a demora na regularização fundiária
provocou violências como essa. Nesse caso, desde 2010 existe um decreto
presidencial determinando a desapropriação da área para reforma agrária. Só que
o processo foi parar na Justiça e até hoje, cinco anos depois, os colonos ainda
não foram assentados.
Para Afonso das Chagas, professor de Direito da
Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e colaborador da CPT no estado,
programas criados pelo governo com a promessa de resolver o problema da terra
da Amazônia e da histórica grilagem tem, na verdade, servido a outros fins. “Recentemente
criado, em 2009, o Programa Terra Legal objetivava, ainda que retoricamente,
resolver a questão da Terra Pública e do secular problema da grilagem em terras
amazônicas. Em outro rumo, tem servido muito mais à ‘legalização’ de grandes
áreas de terras públicas irregularmente ocupadas (grilagem), do que promover
uma justa distribuição fundiária na região”.
O professor analisa como essa inoperância reflete
diretamente no aumento da violência no meio rural. “Em Rondônia, pela
análise preliminar dos dados da violência, compreende-se claramente, que ela é
bem localizada na região onde a questão das terras públicas não foi resolvida
(Região de Ariquemes, Machadinho d’Oeste e Buritis). Trata-se, ou de áreas
irregularmente ocupadas por grandes especuladores imobiliários ou áreas de
antigas concessões de terras. Com a manutenção da pecuária, como fonte primária
de produção de matéria-prima (carne e leite), esta região tende a uma
reconcentração de terras e, sob as lacunas e equívocos de um Programa feito
para ‘não funcionar’, a grilagem mantém-se como estratégia do latifúndio. E
este latifúndio tem na violência sua alma-gêmea. A justiça estadual e federal,
de forma generalizada, não compreende nem a questão agrária como uma questão
social, nem a histórica questão dos bens públicos, no caso a terra pública, sua
retomada e destinação, como uma questão a ser discutida e resolvida por esta
instância. O grileiro, não raras vezes, é tratado como proprietário, o
especulador imobiliário como legítimo destinatário de terras públicas e os movimentos
sociais como vilões, invariavelmente”.
Lideranças indígenas na mira
No
caso dos conflitos indígenas, as lideranças permanecem na mira dos pistoleiros.
Duas mortes foram registradas até o momento em 2015.
Eusébio
Ka’apor foi morto a tiros por dois pistoleiros, no dia 26 de abril, quando
voltava para casa, a Aldeia Xiborendá, Terra Indígena Alto Turiaçu, em Centro
do Guilherme, no Maranhão. De acordo com indígenas, que pediram para não serem
identificados, os responsáveis pelo crime são madeireiros de Centro do
Guilherme, revoltados com as ações de autofiscalização e vigilância territorial
iniciadas pelos Ka'apor no local, desde 2013. Eusébio seria um dos nomes da
"lista de execução" dos madeireiros.
Adenilson
da Silva Nascimento, conhecido como Pinduca, liderança tupinambá, foi morto por
pistoleiros, no dia 1º de maio, na região de Serra das Trempes, em Ilhéus (BA).
Essa área é disputada há anos pelos indígenas e por fazendeiros. Na hora do
crime, Adenilson estava acompanhado pela esposa, duas filhas, de 10 e 11 anos,
e um filho de 1 ano e 11 meses. A esposa da vítima foi baleada nas pernas e nas
costas. As crianças não foram atingidas pelos disparos. A quantidade de tiros
foi tanta que a equipe do Departamento de Polícia Técnica (DPT) não teve condições
de levantar, no local, o número de tiros disparados contra os indígenas.
Agentes da CPT
convivem com ameaças constantes na região
Cosme
Capistano da Silva, agente da CPT de Boca do Acre (AM), vem sendo ameaçado de
morte desde 2009. Dessa vez a ameaça foi direta. De acordo com depoimento de
Cosme, “em 2015 as ameaças voltaram com mais frequência. No dia 8 de julho o
Senhor JOSÉ HONÓRIO CARDOSO, conhecido por ‘Zé Baiano’, acompanhado de dois
funcionários seus, foi até a sede do Sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais de Boca do Acre (STTR-BA) onde eu estava trabalhando. Ao
entrar no recinto o mesmo senhor disse em tom intimidatório que só estava ali
para me conhecer e que daquele dia em diante ele e seus homens iriam agir à sua
maneira. No dia 22 de julho houve uma nova ameaça quando o senhor Valdomiro,
conhecido por ‘Baixinho’, foi até o mesmo local e disse em voz alta pra mim e
para outras pessoas que estavam presentes que eu tinha que morrer, e que já
deveria estar morto”. Algumas pessoas testemunharam as ameaças.
A
CPT conclama que a sociedade se mobilize em favor da justiça e do direito,
contra a impunidade que alimenta a escalada da violência interminável no campo.
Dos órgãos competentes exige-se que, superadas a omissão e a conivência, tomem
as devidas providências para que mais mortes não aconteçam.
Fonte: Brasil de Fato
*Assessora
de Comunicação da Secretaria Nacional da CPT.
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