Dom Moacyr Grechi: Luta permanente pela justiça!

Palavra de Dom Moacyr Grechi – Arcebispo Emérito de Porto Velho
Matéria 478 - Edição de Domingo – 28/06/2015


Luta permanente pela justiça!

Porto Velho torna-se novamente cenário de um evento eclesial de grande importância para o Estado e para todo o país. Trata-se do IV Congresso Nacional da Comissão Pastoral da Terra (UNIR/12-17/07), que está completando 40 anos de serviço pastoral (22/06) junto aos trabalhadores e trabalhadoras da terra e suas lutas por dignidade e justiça social e tem por tema e lema: “Faz escuro, mas eu canto: memória, rebeldia e esperança dos pobres do campo”.
Acompanhando a CPT desde seu início, reafirmo com Ivo Poletto, primeiro secretário da entidade, que “os verdadeiros pais e mães da CPT são os peões, os posseiros, os índios, os migrantes, as mulheres e homens que lutam pela sua liberdade e dignidade, numa terra livre da dominação da propriedade capitalista”. Comungando as dores e o sofrimento das comunidades do projeto Reca, devido ao recente incêndio, acompanhamos também os conflitos de terra e as lutas dos agricultores de Machadinho, Rio Pardo, Porto Velho, Buritis.
Retorno da Itália, com sentimentos de gratidão a Deus, em 1º lugar, pelos 54 anos de minha ordenação presbiteral, que celebro amanhã, por sua infinita misericórdia; em 2º lugar, pela existência das Comunidades Eclesiais de Base, pequeninas comunidades perseverantes e missionárias, espalhadas pela imensa Amazônia e por todo Brasil. Sobre elas, escrevi na edição 34 da Revista Eclesiástica Brasileira (REB, Vozes, dez/1974, vol.34, fasc.136, pg.898-918):
Nas CEBs a evangelização encarnada procura ser resposta às necessidades reais da população, leva à purificação da fé que vai se tornando mais livre, provoca uma opção de vida em favor dos pobres e marginalizados. Nelas, surgem as lideranças populares, animadores dos grupos de evangelização, diversos ministérios, vocações sacerdotais e religiosas. Os grupos juvenis estão inseridos com os grupos de adultos na própria comunidade eclesial. Cresce a necessidade de aprofundamento da formação, aprofunda-se a consciência da necessária da ligação entre fé e problemas sócio-econômico-políticos.
Precisamos favorecer o crescimento de mulheres e homens novos, capazes de responsabilidade e iniciativa, não só para a edificação da comunidade cristã, mas também para a construção de uma sociedade civil, justa, solidaria e fraterna. Só teremos igreja – comunidade de fé, de oração e de caridade – quando muitos batizados assumirem, segundo seus dons e capacidades, o compromisso de serem os animadores de pequenos grupos de pessoas onde se lê, medita e reflete sobre o evangelho (Comunidade de Fé); onde, confiantes na presença do Senhor, se reza e cantam juntos, santificando o dia do Senhor (Comunidade de oração); onde se aprende a amar, perdoar, servir e a viver como irmão (Comunidade de Caridade).
O Encontro Regional das Comunidades Eclesiais de Base do Regional Noroeste da CNBB (26-28/06) acontece no contexto da celebração de duas colunas da Igreja: Pedro e Paulo. Com eles Cristo iniciou a Igreja. A Festa é amanhã, mas pela importância, a celebração litúrgica é transferida para o domingo.
A temática do Encontro Regional das CEBs “Leigos, Missão e Desafios urbanos”, desenvolvida pelo assessor nacional das CEBs Celso Carias, está em sintonia com o próximo Intereclesial de Londrina.
Desde o começo de sua caminhada pastoral, a Arquidiocese de Porto Velho optou pelas Comunidades Eclesiais de Base, como um sinal vivo na ação evangelizadora e pastoral de todas as paróquias, movimentos, organismos, pastorais e serviços: queremos ser Igreja “no meio urbano, rural, ribeirinho e dos povos da floresta, preservando a criação, promovendo a dignidade da pessoa, renovando a comunidade, participando da construção de uma sociedade justa e solidária, “para que todos tenham Vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10)
Nossas cidades não foram pensadas para ser a “boa casa” dos seus habitantes, escreveu certa vez, dom Antonio Possamai. A questão urbana não deve ser encarada como um espaço de competição, mas de ações cada vez mais fortes de evangelização. A cidade tornou-se o lugar do privado e não do coletivo. É o lugar do isolamento e da perda da própria personalidade. Evangelizar a cidade, tanto em sua dimensão de cidade, como de grupos, idades, estruturas e famílias é um desafio muito grande.
As CEBs urbanas têm como centro a Palavra de Deus; a Bíblia é ponto de partida da ligação Fé-vida. A Comunidade é o lugar de vivência dos sacramentos e celebração da vida e fraternidade. Vivencia o compromisso do serviço, empenho na sociedade e fé ativa. Nas CEBs há o consenso da dimensão participativa da Palavra de Deus, encarnando o poder-serviço do Evangelho.
Embora tenham hoje pouca visibilidade na mídia (ao contrário dos anos 80, quando sua força política assustava as classes dirigentes), elas são a maior força de mobilização da Igreja na sociedade, uma vez muitos de seus membros participam também de organismos da sociedade civil (Pedro Ribeiro).
Tendo a nossa frente os grandes desafios da pastoral urbana, reafirmar nossa opção pastoral pelas CEBs significa fidelidade ao projeto de Jesus; busca da comunhão eclesial; respeito às diferenças e ao pluralismo; não ao conformismo, prestando atenção e valorizando pessoas, grupos e movimentos minoritários dentro da comunidade. Significa pensar uma comunidade toda ministerial, criando novos ministérios, para favorecer o exercício do sacerdócio comum e a participação ativa de todos; favorecer a criação de redes de comunidades, mais atuais para a nossa realidade de periferias urbanas, como células primárias e fundantes da Igreja Particular e Universal; priorizar as relações interpessoais, acima da estrutura, tendo um carinho especial com a pastoral da acolhida; colocando o excluído no centro, sendo Igreja a partir deles (Pe. Geraldo Siqueira).
A Igreja celebra o martírio de Pedro e de Paulo na mesma data porque eles estiveram unidos no mesmo propósito: seguir Jesus até a morte. Ambos são alicerces vivos do edifício espiritual que é a Igreja (VP). Pedro e Paulo representam duas vocações na Igreja, duas dimensões do apostolado, diferentes, mas complementares. As duas foram necessárias para que pudéssemos comemorar, hoje, os cofundadores da Igreja universal. A complementaridade dos dois “carismas” continua atual: a responsabilidade institucional e a criatividade missionária (Konings).
Fundada numa fé forte como a rocha e confiante nestas palavras de Jesus, as comunidades cristãs caminham entre luzes e sombras, buscando servir os homens e mulheres de todos os tempos como aprendeu de seu Mestre e Senhor, para que todos tenham vida (Mt 16,13-19). A comunidade nasce do reconhecimento de quem é Jesus. Reconhecer Jesus desse modo é ser bem-aventurado, porque assim o cristão mergulha no projeto de Deus realizado em Jesus. A primeira função do líder é, pois, manter de pé a esperança da comunidade em torno da justiça que inaugura o Reino. E o cristianismo, o que é? É o prolongamento da ação de Cristo que promove a justiça e a torna possível.
No evangelho fica claro que a comunidade deve testemunhar o projeto de Deus em meio aos conflitos. No livro dos Atos (At 12,1-11) encontramos a comunidade cristã que dá testemunho no sofrimento; ela faz ver quem está a favor e quem está contra Jesus e experimenta a solidariedade de Deus, que a liberta de situações difíceis. Deus é aquele que liberta continuamente a comunidade dos seus seguidores. Da mesma forma como libertou Jesus da morte, assim também conduzirá a comunidade através dos conflitos, a fim de que, libertada, possa continuar anunciando o projeto de Deus.
Paulo Apóstolo, prisioneiro e condenado à morte, fala cheio de gratidão e esperança e aguarda com confiança o encontro com o Senhor(2Tm 4,6-8.17-18): “terminei minha carreira, guardei a fé”.
Aqui, nossa vida do cristão é comparada a uma batalha e a um esporte de olimpíada: “Combati o bom combate, terminei minha carreira”. A última palavra não é da morte, mas de Deus, que dá vida plena aos que nele se abandonam. Cabe a cada um de nós, conservar a fidelidade a Cristo, na solidariedade do “bom combate” (Konings).
Como no tempo de Pedro e Paulo, trata-se da permanente luta pela justiça em meio às contradições e abusos. E de sinalizar o caminho da verdade, a fim de construirmos a verdadeira cidadania, em vista de um futuro de justiça e paz!

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