Dom Moacyr Grechi: Semana Santa: a Cruz que o povo carrega!

“os direitos já fragilizados dos povos indígenas, quilombolas, assentados e acampados, pescadores, ribeirinhos, vazanteiros, seringueiros, extrativistas, fundo e fechos de pasto, posseiros e camponeses são esmagados pelos interesses de um modelo de desenvolvimento que devora terras, territórios, tradições e modos de vida distorcendo a lei a seu dispor, cooptando e corrompendo processos e lideranças, usando a força e até assassinatos” (Assembleia CPT 2015).

Alagação em Brasileia, Acre. fotoagencia.ac

Palavra de Dom Moacyr Grechi – Arcebispo Emérito de Porto Velho
Matéria 465 - Edição de Domingo – 29/03/2015

Semana Santa: a Cruz que o povo carrega!

Estamos celebrando o Domingo de Ramos e iniciando a Semana Santa; a grande semana em que se celebra a vida, a morte e a ressurreição de Jesus; mistério central de nossa fé; mistério pascal, da passagem da vida para a morte e da morte para a ressurreição.
Hoje, Coleta Nacional da Solidariedade, somos chamados a assumir o gesto concreto da Campanha da Fraternidade em prol dos necessitados e objetivos da CF 2015. Jovens do mundo inteiro celebram a Jornada mundial da Juventude em preparação à JMJ de 2016 em Cracóvia, Polônia (26-31/7) que tem como tema “Bem aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia” (Mt 5,7).
O papa, em sua mensagem para este dia, agradece a Deus pelos preciosos frutos que a JMJ produziu na vida de tantos jovens por toda terra; “quantas descobertas importantes, sobretudo as de Cristo, Caminho, Verdade e Vida, e da Igreja como uma família grande e acolhedora; quantas mudanças de vida, quantas decisões vocacionais brotaram daqueles encontros”!
Durante cinco semanas da Quaresma preparamos os nossos corações pela oração, pela penitência e pela caridade. Com a Semana Santa iniciamos, com toda a Igreja, a celebração da Páscoa de nosso Senhor.
Para realizar o mistério de sua morte e ressurreição, Cristo entrou em Jerusalém, sua cidade, dando pleno cumprimento às Escrituras. Ele desceu ao nosso encontro, partilhou da nossa humanidade, fez-se servo dos homens, doou a sua vida para que o egoísmo e a injustiça fossem vencidos. Celebrando com fé a memória desta entrada, sigamos os passos de nosso Salvador para que, associados pela graça à sua cruz, participemos de sua ressurreição e de sua vida (VP).
A liturgia do Domingo de Ramos nos introduz na dinâmica deste mistério de amor: “Bendito és tu que vens com tanto amor” (Antífona/entrada). Obediente ao projeto do Pai, Jesus entra em Jerusalém como prefiguração de sua entrada na Glória (Mc 11,1-10/procissão). Trata-se da caminhada de Jesus até ao ponto culminante da sua existência terrena. Em Jerusalém, ele irá completar sua missão. Assim como a multidão estendia seus mantos e o aclamavam com ramos de oliveira, hoje, em procissão, carregamos ramos, recordando o acontecimento. Os ramos eram sinal de alegria, porque o povo tinha em Jesus o seu rei e messias. Eles serão abençoados e levados para as casas como recordação de Cristo vencedor da morte.
Na leitura da Paixão, Jesus, o Filho de Deus, é condenado à morte de cruz (Mc 14,1-15,47). A cruz é compreendida como escândalo e loucura para judeus e gregos. Talvez isso explique o fato da fuga dos amigos de Jesus no acontecimento da sua trágica morte.
A celebração da Páscoa marcava a noite em que o povo de Deus foi libertado da escravidão do Egito. Jesus vai ser morto como o novo cordeiro pascal: sua vida e morte são o início de novo modo de vida, no qual não haverá mais escravidão do dinheiro e do poder. A ceia pascal de Jesus com os discípulos recorda a multiplicação dos pães. Ela substitui as cerimônias do Templo e torna-se o centro vital da comunidade formada pelos que seguem a Jesus. O gesto e as palavras de Jesus não são apenas afirmação de sua presença sacramental no pão e no vinho. Manifestam também o sentido profundo de sua vida e morte, isto é: Jesus viveu e morreu como dom gratuito, como entrega de si mesmo aos outros, opondo-se a uma sociedade em que as pessoas vivem para si mesmas e para seus próprios interesses (BP). Na ausência de Jesus, os discípulos são convidados a fazer o mesmo: partilhar o pão com os pobres e viver para os outros.
Jesus é o Filho querido de Deus, que une sua vontade à do Pai, para, pelo dom da própria vida, vencer as feras que dominam este mundo e quebrar sua força definitivamente (Konings). Ao ser condenado pelo sumo sacerdote de seu povo, ele se proclama portador de uma autoridade: a do Filho do Homem. Quando ele morre na cruz, por causa da justiça e do amor, o representante do mundo universal, o militar romano, exclama: “Este era de fato Filho de Deus”. Ambos os títulos significam o respaldo que Deus dá a Jesus, e que se verificará na gloriosa ressurreição dentre os mortos. Jesus é vencedor pela morte por amor em obediência filial (Filho de Deus), mas também pelo julgamento que derrota o poder deste mundo (Filho do Homem).
O profeta Isaías descreve a missão do Servo sofredor como aquele que confia em Deus, seu Auxiliador, sem resistência (Is 50,4-7). Sempre é Deus que age, tanto para o discípulo falar quanto para ouvir. A imobilidade não faz parte do perfil daquele que segue Jesus. A figura do servo sofredor abre uma perspectiva nova. O servo padece o sofrimento porque veem nele a consequência dos pecados do povo. Ele carrega as dores dos outros. Todavia, o martírio vivido pelo servo se apresenta como a cura para os demais (VP).
Precisamente porque Deus exaltou Jesus da morte (Aclamação), revelando seu ser como Amor desmedido e transbordante. A palavra da cruz é uma palavra de vida, que diz que Deus assumiu a história da vida, paixão e morte de Jesus. Em Jesus, Deus assumiu a humanidade e sua morte, por isso, nos sacramentos, buscamos alcançar a ressurreição, a vida nova do Ressuscitado (Or. comunhão).
Paulo Apostolo apresenta Cristo obediente (Fl 2,6-11). Elevado à condição de Senhor, não se apresenta como um César. Jesus sempre se apresentará como um Senhor que é, ao mesmo tempo, um servo. Por isso é o único que pode esvaziar-se de si mesmo e humilhar-se, assumindo a condição de um escravo. Não importa se essa obediência o levará à morte. O que mais importa é a presença dele entre as muitas cruzes que o Império Romano disseminava naquela época e as muitas cruzes que o nosso povo hoje precisa carregar.
Mas sua morte, que poderia ser entendida e sentida como um apartar-se de Deus (Sl 21) é momento de comunhão suprema de Deus com Jesus e, Nele, com a humanidade inteira e o cálice é bebido como vontade do Pai (Ant. comunhão).
Somente percorrendo o caminho da fé (seguimento), podemos entender Jesus (sentido do segredo messiânico). Ou seja, em um mundo de pecado e injustiça, o Amor é o único caminho de superação da opressão (J.B.Burnier).
O que pode significar para nós e nossas Comunidades Eclesiais de Base seguir Cristo crucificado hoje, no contexto amazônico? Devemos, segundo o teólogo Jon Sobrino, “deixar-nos impactar pela realidade” (J.Sobrino):

Nosso povo do Acre vive a maior enchente de sua história. Nossas comunidades ribeirinhas padecem novamente devido as inundações e nossa gente das pequeninas comunidades está desalojada. A Amazônia continua sendo saqueada;
  • “os direitos já fragilizados dos povos indígenas, quilombolas, assentados e acampados, pescadores, ribeirinhos, vazanteiros, seringueiros, extrativistas, fundo e fechos de pasto, posseiros e camponeses são esmagados pelos interesses de um modelo de desenvolvimento que devora terras, territórios, tradições e modos de vida distorcendo a lei a seu dispor, cooptando e corrompendo processos e lideranças, usando a força e até assassinatos” (Assembleia CPT 2015).
Sofrem a juventude, as mulheres e crianças das comunidades. Vivem uma Semana Santa ameaçadora. “Nem toda vida é ocasião de esperança, mas o é, sim, a vida de Jesus, quem, por amor, tomou sobre si a cruz” (Moltmann).
Nosso povo completa em sua carne o que falta à paixão de Cristo. Estar ao pé da cruz de Jesus é estar ao pé das cruzes da história, é absolutamente necessário para conhecer o Deus crucificado (Jesus, o Libertador).
Participemos intensamente do tríduo Pascal: começa na 5ª-feira com a Missa da Ceia até o domingo da Páscoa. É o ápice do ano litúrgico porque celebra a Morte e a Ressurreição do Senhor, quando Cristo realizou a obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus pelo seu mistério pascal, quando morrendo destruiu a nossa morte e ressuscitando renovou a vida. Iniciando o Tríduo Pascal, Dom Esmeraldo e os presbíteros celebram na Catedral, às 8h, a Missa do Crisma (Missa dos Santos Óleos). Todos são convocados para este momento de profunda comunhão de toda a Igreja arquidiocesana, renovando sua pertença eclesial, elevando ação de graças pela instituição do sacerdócio, renovando seu compromisso pastoral e missionário.
Possa a expectativa da Páscoa definitiva animar-nos para testemunhar a confiança na misericórdia divina, o amor gratuito a todos, a luta pelos direitos humanos, o serviço aos necessitados e o perdão das ofensas. A todos uma abençoada Semana Santa e uma Feliz Páscoa!

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