Dom Moacyr Grechi – Onde dormirão os pobres?

"Quanto às manifestações sociais anunciadas para os dias 13 e 15 do corrente mês, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), sente-se no dever de vir a público para reafirmar que não toma partido em relação às propostas dos responsáveis pela convocação e realização das referidas mobilizações." 
A solidariedade com os atingidos pela cheia em Brasileia e Rio Branco. Foto: CPT Acre


Palavra de Dom Moacyr Grechi – Arcebispo Emérito de Porto Velho
Matéria 462 - Edição de Domingo – 08/03/2015

Onde dormirão os pobres?

Vivemos um momento de crise no país e, oportunamente, a Quaresma com seus “prementes apelos”, aproxima-nos da verdade, de Cristo, de uns dos outros.
A Campanha da Fraternidade neste ano tem como objetivo aprofundar o diálogo e a colaboração entre Igreja e Sociedade. Embora a campanha tenha caráter político, o cardeal dom Raymundo Damasceno, emitiu um comunicado que esclarece o posicionamento da Igreja com relação às manifestações sociais: 
Diante de informações divergentes veiculadas em redes sociais a respeito de seu posicionamento quanto às manifestações sociais anunciadas para os dias 13 e 15 do corrente mês, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), sente-se no dever de vir a público para reafirmar que não toma partido em relação às propostas dos responsáveis pela convocação e realização das referidas mobilizações. A CNBB considera, porém, legítimas as manifestações da sociedade, desde que transcorram em clima de respeito à pessoa humana, aos bens públicos e particulares.
A Igreja tem como missão o serviço à sociedade em favor do bem integral da pessoa humana. Ela cumpre sua missão de servidora através do diálogo com as diversas instituições e organizações da sociedade. Vivemos, no entanto, uma situação geradora de crises e angústias na vida pessoal, nas instituições e nas várias dimensões da sociedade. As mudanças indicam também oportunidade de uma vida cristã mais intensa e atuante.
O modo pelo qual a Igreja dialoga com a sociedade é o serviço cooperativo a favor da verdade, da justiça e da fraternidade em vista do bem comum. A Igreja conta com a parceria de instituições e organizações sociais, bem como de homens e mulheres de boa vontade, unindo forças para a erradicação de injustiças e construção de uma sociedade que propicie a vida (TB/CF 38,59-60).
Quanto à corrupção, esclarece Dom Damasceno, que nesse momento nos assusta de modo tão acintoso, é uma forma de injustiça contra o povo, sobretudo, os mais pobres. Os recursos públicos mal administrados ou usados em proveito pessoal ou de grupos, impedem o desenvolvimento do país e comprometem os investimentos nas áreas da saúde, educação, segurança, trabalho, habitação, infraestrutura. Enfim, em projetos destinados a melhorar as condições de vida de todos, em particular, dos mais pobres. 
É necessário e urgente reagir e enfrentar, pela ação conjunta das forças da sociedade, a saber, Executivo, Judiciário, Legislativo, Instituições, Polícia e cada cidadão, contra esta chaga. Sem esse esforço conjunto a corrupção não será controlada.
A corrupção destrói o senso do bem comum na sociedade e desmoraliza a vida pública, chegando, por vezes, a marginalizar e mesmo a eliminar os que primam pela honestidade. Isto é mais grave, quando se aceita a corrupção como algo natural e normal no exercício do serviço público e no funcionamento das várias instâncias do governo (CNBB, doc 42,26).
Para não repetirmos a trágica experiência de 64, vale “o confronto das situações e desafios, vividos pela Igreja há mais de 40 anos, com os de hoje, (que) nos ajuda a perceber o caráter permanente e jamais esgotado da missão eclesial; permite-nos, por outro lado, avaliar com mais objetividade a obra imensa realizada pela Igreja no Brasil durante esse período, para agregar a ela também nossos esforços evangelizadores e pastorais” (doc 76).
A correção destes males, que não são novos, é tarefa não só dos poderes públicos como de todas as instituições que possam contribuir para a educação do povo (doc 10,24). A democracia, com efeito, como forma legitima de ordenação politica da sociedade, é um dos requisitos indeclináveis da liberdade e da dignidade humana, defendidas pela ética crista (doc 22,4).
Percebemos, portanto, que “o nosso tempo é profundamente consciente da necessidade de se assumir uma responsabilidade coletiva perante os males que afligem a humanidade” (Paulo VI). Somente quando for satisfeita essa necessidade poderão ser remediados esses males. Em tal sentido a Quaresma intenta mobilizar as atenções dos fiéis, contra todas as formas de esbanjamento, e estimulá-los a se darem as mãos, num esforço conjugado. A restauração de todas as coisas em Cristo tem uma relação muito íntima com o espírito da Quaresma.
A experiência fraterna da solidariedade é sinal de comunhão com todas as pessoas, nossos irmãos e irmãs que necessitam de nossa ajuda e apoio, todos chamados a participar do Mistério da Cruz e da Ressurreição de Cristo.
Nesta quaresma, que o apelo evangélico para acolher Cristo “sem abrigo”, vítima das enchentes nos municípios de Rondônia e do Acre, se transforme em gestos concretos de solidariedade concreta. Juntemos nossas forças para ir ao encontro das dificuldades de tantas famílias desabrigadas. Sejamos generosos, pois, Cristo nos precede neste caminho. “Ser cristão hoje é preocupar-se onde dormirão os pobres” (Gutierrez).
Diante da situação de várias cidades acreanas, afetadas com alagamentos, devido à cheia do rio Acre, a diocese de Rio Branco disponibilizou sua conta bancária para receber doações para o projeto “Acre Solidário 2015”, que irá ajudar as famílias desabrigadas. O assessor das Pastorais Sociais do Regional Noroeste da CNBB, Pe. Luiz Ceppi fez um apelo às lideranças e instituições da Igreja em favor dos moradores de Assis Brasil, Brasiléia, Xapurí e Rio Branco. No dia 5, o nível do rio Acre estava em 18,34m; os alagamentos atingem 53 bairros e quase 100 mil pessoas. São 26 abrigos para 9 mil pessoas. Há necessidade de doações de alimentos. Para realizar as doações em dinheiro: C.C. 500-2; Ag. 0071-X; Banco Brasil (diocese de Rio Branco).
Preparando-nos para a Páscoa do Senhor, a liturgia quaresmal pede mudança de vida e conversão. Deus continua nos conduzindo de diversas formas ao encontro de uma nova vida. Qualespaço ocupa Deus em minha vida, em minha casa, em meu trabalho? Somos chamados a viver a religião verdadeira à luz de um projeto de libertação. “Nada do que aprisiona e mantém o ser humano em um estado de antivida pode ser considerado como divino” (VP).
O Livro do Êxodo coloca-nos diante dos termos fundamentais da Aliança de Deus com o seu povo: o Decálogo (Ex 20,1-17). Esse conjunto de indicações (mandamentos) deve nortear a nossa caminhada pela vida. São as duas tábuas da Lei: o amor a Deus e o amor ao próximo. Desde então fazem parte do catecismo, até hoje. Por várias vezes, o povo se esqueceu do motivo pelo qual a Lei foi dada pelo Senhor e acabou por cair no rigor sem sentido, do seu cumprimento.
O Evangelho nos chama a atenção para a ação de Jesus no Templo: ao dispersar os vendedores, como sinal do zelo pela casa do Pai, Jesus mostra que o cumprimento da Lei e dos sacrifícios não pode prescindir do seu verdadeiro sentido que é a relação com Deus e com os irmãos (Aliança).Jesus se apresenta como o “Novo Templo” onde Deus Se revela a nós e nos oferece o seu amor. Jesus é o lugar do verdadeiro culto, da verdadeira adoração, do encontro com Deus (Jo 2,13-25). Ele renovou a primeira Aliança, a de Moisés e da Lei, no dom de sua própria vida. Este dom é agora o centro de nossa religião, de nossa busca de Deus. Uma vida que não vai em direção da cruz não é cristã (Konings).
Para Bento XVI, Jesus não vem como destruidor, não vem com a espada do revolucionário, mas vem com o dom da cura; dedica-se à todos aqueles que, por causa dos seus males são empurrados para as margens da vida e às margens da sociedade. Mostra Deus como Àquele que ama e o seu poder como o poder do amor.
Através da Carta aos Coríntios, o apóstolo Paulo sugere-nos uma conversão à lógica de Deus(1Cor 1,22-25). É preciso que descubramos que a salvação, a vida plena, a felicidade sem fim não está numa lógica de poder, de autoridade, de riqueza, de importância, mas está na lógica da cruz, no amor total, no dom da vida até às últimas consequências, no serviço simples e humilde aos irmãos.
Neste Dia da Mulher, pedimos a proteção de Maria, Estrela da nova evangelização, sobre todas as mulheres, jovens, esposas, mães, idosas, grávidas, aquelas que sofrem por seus filhos, que trabalham e lutam por um Brasil melhor, sobretudo, as mulheres que estão à frente das Comunidades Eclesiais de Base nos lugares mais distantes de nosso país e nos países onde a fé cristã é perseguida. Com o papa Francisco, oramos à Mãe do Evangelho vivente, mulher de fé, que vive e caminha na fé (EG 287-288): Virgem e Mãe Maria, vós, que permanecestes firme diante da Cruz, com uma fé inabalável, dai-nos a santa ousadia de buscar novos caminhos; rogai por nós. Amém.

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