Um tempo de verdade!

"Além de outras propostas, o projeto (de Reforma Política)  analisado na Câmara não proíbe o financiamento privado das campanhas. É a porta mais larga para a corrupção. Uma empresa que doa milhões para eleger alguns candidatos não faz isso gratuitamente" 


Palavra de Dom Moacyr Grechi – Arcebispo Emérito de Porto Velho
Matéria 459 - Edição de Domingo – 15/02/2015


Um tempo de verdade!

A Quaresma é um tempo de renovação para a Igreja, para as comunidades e para cada um de nós, escreve o papa Francisco em sua Mensagem para a Quaresma de 2015, que tem seu início na Quarta-Feira de Cinzas (18/2).
É um tempo de verdade (J.Paulo II). Nesse período, somos chamados pela Igreja à oração, à penitência e ao jejum, ao despojamento de nós mesmos, colocando-nos diante de Deus, redescobrindo-nos e nos reintegrando.
Tempo de verdade profunda, que converte, restitui esperança e, levando a repor tudo no seu lugar, traz serenidade e faz nascer o otimismo. “Lembra-te, homem, de que és pó e ao pó hás de voltar” (Liturgia da 4ª Feira de Cinzas).
Lembra-te de que foste chamado para alguma coisa diferente destes bens terrenos e materiais, que comportam o risco de te afastar daquilo que é essencial. Lembra-te da tua vocação primária: tu provéns de Deus e voltas para Deus caminhando no sentido da Ressurreição, que é a via traçada por Cristo (J.Paulo II).
É neste tempo favorável de graça (2Cor 6,2) e de verdade, no qual o Brasil vive problemas estruturais graves tanto na economia como na política e área social, que vamos desenvolver mais uma Campanha em favor da Solidariedade e da Fraternidade, tendo por tema “Fraternidade: Igreja e Sociedade”.
Neste ano, a Campanha (CF) pretende rever as relações de sociedade e fé e, dentre as diversas propostas e objetivos, quer intensificar a participação da Igreja na reforma política brasileira, coletando assinaturas para o projeto sobre Reforma Política e divulgar a iniciativa, recordando que dentre as principais mudanças propostas pelo projeto de lei de iniciativa popular estão: a proibição do financiamento privado e a instauração do financiamento democrático de campanha eleitoral; adoção do sistema eleitoral do voto dado em listas pré-ordenadas, democraticamente formadas pelos partidos, e submetidas a dois turnos de votação; regulamentação dos instrumentos da democracia participativa, previstos na Constituição; criação de instrumentos eficazes voltados aos segmentos sub-representados da população, como os afrodescendentes e indígenas.
O tema da reforma política voltou ao Congresso Nacional com o início da nova legislatura. Uma comissão especial na Câmara dos Deputados foi criada para analisar uma proposta de reforma política diferente da iniciativa da Coalizão Democrática pela Reforma Política e Eleições Limpas. Além de outras propostas, o projeto analisado na Câmara não proíbe o financiamento privado das campanhas.
É a porta mais larga para a corrupção. Uma empresa que doa milhões para eleger alguns candidatos não faz isso gratuitamente, afirmou Dom Joaquim Mol, bispo auxiliar da arquidiocese de Belo Horizonte e presidente da Comissão da Cultura e Educação e Comissão de Acompanhamento da Reforma Politica da CNBB, durante a reunião do Conselho Episcopal de Pastoral, alertando novamente para o perigo desta prática.
A Coalizão Democrática pela Reforma Política e Eleições Limpas, formada por uma rede de organizações, prepara para os dias 02 a 08 de março, uma semana de coleta de assinaturas para o Projeto de Iniciativa Popular e reforça o debate entre senadores e deputados federais pela adesão à proposta.
Dom Sérgio Castriani, arcebispo de Manaus, ao falar do tema da Campanha da Fraternidade, questionou: Como se explica um país cristão, onde praticamente 90% da população brasileira professa a fé em Jesus Cristo, ser tão violento, tão corrupto, tão injusto e que persista em situações de imoralidade e corrupção?
A fé deve transformar nossa vida e nosso comportamento. Este é o grande momento de consciência para saber até que ponto nossas instituições, poderes constituídos, organizações sociais e igrejas estão, de fato, a serviço da população, da humanidade, das pessoas que sofrem, dos excluídos, pobres, daqueles que não têm voz e não têm vez. Nossas comunidades morrem se não houver em seu interior efetivo compromisso com a vida daqueles que são os últimos da sociedade.
A liturgia deste 6º domingo (TC) prepara-nos para o tempo da Quaresma, um tempo de verdade e de renovação e está centrada em Cristo fonte da libertação, na compaixão que reintegra e na inclusão solidária.
Somos chamados a ter os mesmos sentimentos de compaixão de Cristo, para com tantos irmãos que vivem excluídos da vida, quais os leprosos do tempo de Jesus. É a visibilidade da “cultura do descartável” presente em nossos tempos que precisa ser vencida com a força da “cultura do encontro” e da solidariedade.
O que Jesus faz com o leproso (Mc 1,40-45) é metáfora do exercício da compaixão, própria do Reino, a toda humanidade: “Nascendo na condição humana, (Ele) renovou inteiramente a humanidade” (prefácio TC/IV). Renovados pelo Senhor, somos chamados a repensar todas as formas de exclusão e marginalização presentes em nossa comunidade de fé:
Diante de nós, os marginalizados e atingidos pelas enchentes do rio Madeira que lutam pela reconstrução de suas comunidades e sofrem a segunda grande alagação; os povos indígenas que ameaçados pela PEC 215, resistem e lutam por seus direitos, dignidade e vida; as comunidades quilombolas que reivindicam o seu direito à terra, a partir da construção de sua identidade étnica e de seus direitos garantidos pela Constituição de 1988. À nossa frente, a violência do agronegócio contra o povo do campo, o numero de ocorrências de violência contra a ocupação e a pos­se registradas pela CPT, o sofrimento dos assentados, sem-terra, posseiros, pequenos proprietários e de suas famílias.
A força da luta de todos esses povos, contudo, não se esvai junto ao sangue de seus lutadores e lutadoras. Os márti­res, como Irmã Dorothy Stang, cuja memória celebramos nessa semana (12/2/2005),motivam ainda mais o dia a dia as comunidades do campo, na luta contra a im­punidade, o saque das riquezas natu­rais, bem como das terras e dos territó­rios (Adital). Como dizia Dom Tomás Balduino, bispo fundador da CPT, que nos dei­xou no ano de 2014: “Direitos Huma­nos não se pedem de joelho, exigem-se de pé!”
Toda forma de marginalização é denúncia contra nossa sociedade e, ao mesmo tempo, um desafio. Muito mais ainda em se tratando de pessoas inocentes. A marginalização é sinal de que não está acontecendo o que Deus deseja. Aonde existe marginalização o Reino de Deus ainda não chegou, pelo menos não completamente. E aonde chega o Reino de Deus a marginalização já não deve existir. Por isso, Jesus reintegra os marginalizados, como é o caso do doente do evangelho de hoje e nos mostra outro caminho: solidarizar-se com os marginalizados e excluídos, reintegrá-los, obrigando a sociedade a se abrir e criar estruturas mais acolhedoras, mais messiânicas (VP).
Para vencer a marginalização, será preciso desenvolver um poder que esteja acima das convenções constrangedoras do sistema em que vivemos. Precisamos demonstrar tal poder, exatamente como Jesus (Konings). Precisamos de uma encarnação operante da compaixão reintegradora; precisamos de uma força que neutralize os mecanismos de marginalização. Uma força de origem divina: a força da verdadeira solidariedade, baseada no amor.
Nessa caminhada, a postura pastoral de Paulo é exemplar, convidando-nos a segui-lo: Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo (1Cor 10,31-11,1).
Sim, a Quaresma é um tempo de verdade! Olhemos ao nosso redor e abramos o nosso coração para compreender e compadecer; abramos as nossas mãos para socorrer (J.Paulo II), tornemo-nos próximos de todos os Lázaros que padecem fome e miséria, reconhecendo o olhar de Cristo em seus olhos, repartindo nossos dons (Paulo VI). Dado que a indiferença para com o próximo e com Deus é uma tentação real também para nós, temos necessidade de ouvir, em cada Quaresma, o brado dos profetas que levantam a voz para nos despertar (papa Francisco).
Vivamos “este tempo de Quaresma como um percurso de formação do coração”; com “um coração misericordioso, vigilante e generoso”, que não se feche em si mesmo “nem caia na vertigem da globalização da indiferença”.
A Abertura da Campanha da Fraternidade e Coletiva de Imprensa acontecem no dia 18, 4ª Feira de Cinzas, às 9h, no Auditório do Centro de Pastoral (Av. C. Gomes, 964), presidida pelo arcebispo de Porto Velho, Dom Esmeraldo Barreto de Farias. Todos, comunidades e instituições, são convidados a participar!

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