DAS ÁGUAS DO MADEIRA, O GRITO DOS RIBEIRINHOS!
No Baixo Madeira tem gente! Na beira do Rio
tem vida! Ao contrário do que é ensinado na escola, que negligencia a história da existência dos povos ribeirinhos no estado de
Rondônia e sua realidade. Lá
pode-se encontrar uma cultura, um modo de vida constituído através dos
conhecimentos ancestrais, que perpassam de geração em geração e vão para além
da educação formal garantindo o sentimento de pertença territorial e cultural.
As comunidades ribeirinhas, são produtoras de
parte significativa da produção agrícola do município de Porto Velho/RO. Afinal, de onde vem a farinha, o peixe, o
açaí, a banana, a macaxeira, a melancia que abastece o mercado da Capital? Extrativistas,
pescadores, agricultores de várzeas, são eles, exemplos de que é possível
produzir, viver e conviver com a natureza, numa relação produtiva que não
agride e nem destrói, mas garante a
preservação da Amazônia e a vida do Rio.
No grupo musical Minhas Raízes, do
Distrito de Nazaré, a resistência cultural manifesta em arte, e das marcas
deixadas por Seu Manoel,
o desejo de que se preserve a Amazônia.
Desde a busca ao ouro, passando pelos ciclos
da borracha, a extração da madeira e a invasão da pecuária extensiva até o
hidronegócio, esses povos vem sofrendo agressões ao seu modo de vida, e
silenciosamente sendo expulsos, sem direitos e perspectivas. Com a Construção
das Usinas de Jirau e Santo Antônio são, mais uma vez afetados, tendo em vista a mudança
da dinâmica do Rio com grande cheia, alterando o jeito de viver, destruindo
florestas, plantações, casas, comunidades inteiras.
Os ribeirinhos relatam que a vegetação da
beira do Rio foi alterada com a cheia, primeiro restou um deserto, e agora
plantas diferentes invadem o rio. Do açaí da beira do rio pouco restou. Os
jornais noticiam a mortandade de peixes que devido às barragens não conseguiram
subir o rio para o processo natural de desova.
“A vida do ribeirinho segue o ritmo do rio”,
como este foi alterado: as enchentes levaram
plantações inteiras e as sementes e mudas perderam-se; sem sementes e sem confiança de que plantando colherão,
os ribeirinhos aguardam para entender novamente o rio, o rio que eles conheciam
há séculos, o rio que era amigo e provedor, o rio agora preso pela ganância do
capital.
O povo ribeirinho segue abandonado, na
incerteza de como será, se a enchente virá, se será maior ou menor. Relatam que
ninguém apareceu depois da enchente. Se a assistência foi precária durante a cheia, depois dela
o povo ficou completamente abandonado, sem informações, sem auxílio. O Estado é
omisso: não responsabiliza o empreendimento (Usinas Hidrelétricas) pelas
mazelas pelas quais passam os ribeirinhos e não oferece as condições
necessárias para permanência, readaptação e reassentamento das comunidades
atingidas.
Por outro lado, grande parte da sociedade
desconhece a realidade enfrentada pelas populações do Baixo-Madeira. Por que
escondem essa gente como se fossem poucos ou nem existissem? OS RIBEIRINHOS
EXISTEM E RESISTEM!
Falando das enchentes, um senhor dizia:
“Muita gente vem aqui, mas se preocupam mais com animal do que com gente!”
Retirados da área de alagação, a Defesa Civil
deixou comunidades inteiras abandonadas à própria sorte. As cestas básicas e
água mineral chegam no máximo até os distritos, enquanto isso comunidades
seguem bebendo água sem tratamento, direto do Rio Madeira.
Ao longo das margens do Rio madeira, a quase
um ano pós enchente, encontram-se famílias morando nas barracas da Defesa
Civil, outros nem isso têm. Famílias inteiras vivem em cima de um barco,
correndo contra o tempo pra construir uma casinha bem no alto, rezando para que
a enchente não seja maior.
Desabrigados, muitas casas destruídas,
famílias contam com a solidariedade de quem cedeu parte de sua área de moradia
para que outros ali construíssem. A promessa de remoção feita às comunidades de
Nazaré e São Carlos até agora não foi cumprida. E o ribeirinho vê o rio
subindo, temeroso de uma nova enchente, mas não preparado para ela.
Enquanto empresas e Estado não deram conta
nem mesmo dos investimentos como compensação das Usinas, nem foram capazes de
reparar os impactos sofridos por inúmeras comunidades, já se estuda a
implantação da hidrelétrica de Tabajara no Rio Machado, que novamente irá
impactar essas comunidades. A agroindústria para produção de farinha na
comunidade de Demarcação, obra realizada como compensação das usinas, além de
não estar concluída, foi também atingida pela enchente.
Relatos indicam que muitos não receberam o
auxílio de cinco parcelas de R$500,00 que foi anunciado. Alguns dizem que nem
foram cadastrados, outros que embora cadastrados relatam que não receberam
regularmente, faltando parcelas.
O processo de expulsão das comunidades
ribeirinhas e da invasão do agro e hidronegócio tem sido silencioso. Não temos
a dimensão real de quantas famílias já deixaram o Baixo-Madeira após enchente.
Comunidades foram se juntando e formando um núcleo único. Conveniente ao Estado
que não irá indenizar e nem mesmo reassentar essas tantas famílias que tiveram suas
vidas roubadas em nome do progresso, perambulando entre Porto Velho e Humaitá,
tornando-se mão de obra disponível para servir aos interesses do capital e
serem exploradas em condições desumanas nos centros urbanos.
Comprometidos em contribuir para
a permanência dos povos ribeirinhos e a preservação da sua cultura e modo de
vida, respeitando e reconhecendo a importância das relações produtivas
estabelecidas nessas comunidades, que confirmam a viabilidade e necessidade de
construir alternativas de produção pautadas na agroecologia, a partir do conhecimento
dos povos. Movimentos e Organizações Sociais desceram o Baixo-Madeira na
primeira quinzena de janeiro, visitando comunidades ribeirinhas e dialogando
sobre a realidade enfrentada por estas. E vem a público denunciar o descaso do
Estado e das empresas responsáveis pelos empreendimentos para com essas
comunidades, que novamente poderão ser afetadas pelas cheias e impactadas pela
construção da hidrelétrica de Tabajara.
Enquanto isso, aguarda engavetado pelo
Excelentíssimo Senhor Juiz Herculano Martins Nacif, o processo que permitiria a
realização de novos Estudos de Impactos Ambientais das obras das hidrelétricas
de Jirau e Santo Antônio.
Movimentos se juntam ao grito que vem das
águas e dos povos ribeirinhos para exigir que o Estado e Empresas cumpram as
pautas assumidas:
De reposição das áreas produtivas próximas ao rios e
lugares que permitam atividades extrativistas, garantam alimentos e agua
potável;
Para as comunidades onde as novas terra já estão
definidas iniciar de imediato o processo de demarcação e construção de casas e das infraestruturas necessárias;
Que seja garantido o processo de diálogo que atenda às
necessidades das comunidades e as pautas que venham a ser elencadas por estas.
Ainda, se vier a ocorrer uma nova cheia, que seja garantido melhor aparato da
Defesa Civil para que as famílias não sofram as mesmas privações da cheia
anterior.
Vida e resistência aos povos
ribeirinhos!
Água e Energia! Não são Mercadoria!
MAB-Movimento
dos Atingidos por Barragens
CPT-Comissão
Pastoral da Terra
MST-Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Projeto Pe.
Ezequiel Ramin
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