A institucionalização da grilagem de terras públicas em Rondônia
O governo
federal grita para os quatro ventos que o Brasil passa pelo maior programa de
regularização fundiária já visto no País, sendo mais de cinco milhões de
quilômetros quadrados, área esta que representa a Amazônia Legal.
É o programa
Terra Legal instituído pela Lei 11.952/2009, que dispõe sobre a regularização
fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no
âmbito da Amazônia Legal.
O que nos
inquieta é o fato do programa não ser tão legal assim. Aliás, programa de
ocupação e regularização vindo do governo, já é ao menos suspeito. Na verdade,
a Amazônia sempre teve uma política de ocupação desordenada, predatória e
porque não dizer também especulativa. Todas incentivadas e até financiadas pelo
governo federal. Na ditadura militar, sob o manto do discurso nacionalista,
“para não entregar a Amazônia”, foi criada a Superintendência do Desenvolvimento
da Amazônia (Sudam), que concedia subsídios aos interessados em produzir na
região, o que acabou gerando uma grande migração, e logo veio o INCRA
instituindo os Projetos Integrados de Colonização e Projetos de Assentamentos
Dirigidos.
Fato é que o
governo se responsabilizou pela ocupação em terras públicas na Amazônia, e mais
cedo ou mais tarde deveria promover a regularização delas. E veio, em 2009 com
a lei do Terra Legal.
O litígio
agrário sempre existiu em Rondônia, isso porque os programas e projetos de
ocupação também vieram acompanhados de grandes latifundiários, os que
verdadeiramente recebiam os subsídios da Sudam, e acabaram ficando com grandes
áreas especulativas, expulsando os pequenos agricultores das terras.
Afora isso,
o INCRA também celebrou vários Contratos de Alienação de Terras Públicas –
CATP, com o objetivo das áreas serem transformadas em empresas rurais, e caso
tal condição não ocorresse, o imóvel seria revertido para o patrimônio da União
e destinada à criação de projetos de assentamentos da reforma agrária.
Não se tem
notícia de um CATP que tenha alcançado seu objetivo em Rondônia. Na verdade, as
empresas eram criadas, mas na prática não existiam.
Então com o
advento da lei do Terra Legal, tudo seria resolvido, regularizado em nome do
posseiro da área, e a justiça social seria feita.
Quanta
ingenuidade. Nem o latifúndio e nem a própria justiça permitiria isso. Na
verdade, agora explode um período de conflitos, da forma mais covarde possível,
pois o latifundiário, que nunca teve a posse de qualquer parte da vasta parcela
de terras públicas, aparece com seu pistoleiro expulsando famílias de posseiros
de “sua” área.
“Rondônia já
tem dono. O governo só tem é que dar o título”, disse um fazendeiro, na mesa de
uma audiência em que se discutia um processo de reintegração de posse em que
ele requeria na justiça mais de mil hectares onde residiam mais de cem
famílias.
A Lei do
Terra legal não pretendeu interferir em área de litígio social, dispondo que
tais áreas não seriam regularizadas pelo programa, problema que os
latifundiários logo resolveram, ingressando com Mandado de Segurança.
E assim vem
ocorrendo no Estado, o Judiciário regulariza as áreas que a lei não contempla.
Um verdadeiro crime contra os agricultores, pequenos proprietários que, antes
de tudo, não possuem mínimo acesso à Justiça para se defenderem, e ao menos
provarem sua posse.
A grilagem
de terras públicas definitivamente está institucionalizada em Rondônia. Os
grileiros, em sua grande parte empresários e políticos, estão se deleitando da
facilidade em titularem o que nunca possuíram, expulsando os agricultores
gentilmente através das investidas de seus pistoleiros e, quando o conseguem
facilmente, evitando o conflito na área, regularizam através do Terra Legal, do
contrário, recorrem ao Judiciário.
Não há uma
mobilização ou preocupação em frear o atual estágio em que se chegou a
regularização da grilagem de terras em Rondônia, muito pelo contrário, as
demandas judiciais só aumentam, e não se sabe quantos latifúndios o Terra Legal
já titulou.
O tamanho do
crime é desconhecido, mas aumenta em passos largos, e vez ou outra encontra
obstáculo em algum grupo resistente de posseiros, que logo são engolidos pela
mão pesada do Judiciário, chegando a serem condenados a multas diárias em caso
de não saírem das áreas de seus “verdadeiros donos”: os destinatários do
Programa Terra Legal. São estes aqueles mesmos que recebiam subsídios da Sudam
e celebravam Contratos de Alienação de Terras Públicas com o INCRA.
O caso é que
os verdadeiros destinatários do Terral Legal estão sendo bem tratados em
Rondônia. Se por acaso não conseguirem regularizar suas posses através do
programa, certamente o farão judicialmente, afinal precisa regularizar logo essas terras, para evitar mais conflitos.
É temeroso até
que haja parcelas de terras da União sendo regularizadas para estrangeiros no
Estado, o que é vedado pela Constituição, mas aqui tudo se faz sob o manto do evitar conflitos sociais.
É verdade
que a grilagem de terras no Brasil data da época das sesmarias, no século XVI,
onde Portugal, ao chegar e se apossar do território, fez uma divisão de terras,
as capitanias hereditárias, e as entregou a quinze pessoas. O Brasil foi
relegado a pertencer a poucos. E não seria diferente com Rondônia, alguns
séculos depois.
Aqui no
Estado grileiros reintegram áreas de assentamento do INCRA, e ingressam com
ações para regularizar em seu nome imóvel que já foi destinado ao Programa de
Reforma Agrária, através de Decreto. O manto do evitar conflitos sociais está se esgotando, uma hora dessas não haverá
mais argumentos às estapafúrdias decisões.
Diante de
tantas inseguranças, a única coisa que se tem certeza é de que Rondônia já tem
dono mesmo.
Cíntia Bárbara Paganotto Rodrigues,
advogada e pesquisadora do GEPIAA-UNIR e assessora jurídica da CPT RO.
advogada e pesquisadora do GEPIAA-UNIR e assessora jurídica da CPT RO.
Comentários
Postar um comentário
Agradecemos suas opiniões e informações.