Vida: dom, cuidado e serviço!

Palavra de Dom Moacyr Grechi – Arcebispo Emérito de Porto Velho
Matéria 405 - Edição de Domingo – 02/02/2014

O Padre João Batista Libanio.(divulgação)
Neste dia em que celebramos a Solenidade da Apresentação de Jesus no Templo, a Festa de Nossa Senhora das Candeias e o Dia da Vida Consagrada, queremos prestar a nossa homenagem ao religioso jesuíta, amigo das CEBs, teólogo, escritor e professor, padre João Batista Libanio, que faleceu no dia 30, vítima de um infarto em Curitiba, onde ministrava um retiro espiritual.
Por ocasião de seus 80 anos (iria completar 82 no próximo dia 19), ele testemunhou: Acolhi a vida como dom. Não pedi para viver. Deu-ma Deus em primeiro lugar, como Criador. Meus pais, família, mestres, amigos, companheiros, enfim todas as pessoas com quem convivi nesses 80 anos contribuíram na construção da minha existência. Portanto, imensa gratidão! Ela nos livra da presunção e da arrogância. Sem dar-nos conta, te­cemos a vida com os fios de cada pes­soa com que encontramos, da que re­zou por nós, de quem nos influenciou até mesmo através dos séculos pelos escritos, pelo enriquecimento da tra­dição que nos envolve. Perdem-se no infinito todos aqueles e aquelas que me marcaram o existir(entrevista ao IHU).
Parente do futuro, assim o descreveu Pe. Antoniazzi, quando completou 70 anos: alguém que aponta caminhos, que descortina horizontes, que nos faz sonhar metas longínquas e nos faz crer que podem ser alcançadas. Mesmo que não vejamos todos os frutos que sonhamos, agradecemos o que já vimos, especialmente os tantos dons que Deus concentrou na pessoa querida de Pe. Libanio.
Professor de muitas gerações de teólogos foi assessor da CNBB, atuante na CRB, no Instituto Superior de Pastoral da PUC Minas, no IBRADES, na Pastoral da Juventude, nas Comunidades Eclesiais de Base e movimentos populares. Escritor de dezenas de livros e coautor de mais de 125 obras em vários idiomas: ”Ele deu a vida por uma teologia preocupada com o diálogo com a Igreja e com o mundo. Era um homem simples, de Deus, de espírito jovel e mente sempre aberta. Um verdadeiro formador de gerações”(Pe.Geraldo Mori/FAJE).
Das CEBs e do 1º Intereclesial de Vitoria(1975), Pe Libanio consciente das ameaças que pesavam sobre o futuro das CEBs, contudo otimista, escreveu profeticamente: Assim pudemos ver como esta experiência das CEBs está encontrando, no meio de muita adversidade, cidadania na nossa vida eclesial. E fica-nos sempre a esperança de que surja uma verdadeira Igreja bem próxima ao povo simples e marginalizado, ajudando-o no seu movimento e processo de libertação(SEDOC 9).
De seu legado de vida quis compartilhar conosco a palavra de incentivo à liberdade, à capacidade crítica, iluminada pelo cuidado das pessoas nas pegadas do Jesus: Ao cristão caberia hoje a missão de especial cuidado, espe­cialmente pelos desprezados, margi­nalizados, deixados fora do círculo de humanidade. Continua viva mais do que nunca a mensagem de Jesus de que ele se identifica com o que tem sede, fome, está desnudo, preso, en­fermo, sente-se estrangeiro política e religiosamente. E a esses que, em linguagem do atual sistema chamam­-se excluídos, se dirige nossa principal atenção. Acrescente-se a necessidade de especial cuidado para com o Plane­ta Terra, cuja destruição semeia morte por todos os lados (Ihu).
Vida como dom, cuidado e serviço: padre Libanio eradesde o início da década de 1960, vigário paroquial da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes, em Vespasia­no, MG, onde celebrava, visitava os doentes, ministrava cursos e palestras, visitas aos doentes, administração de sacramentos, atendimento pastoral.
Estamos próximos à Festa de Nossa Senhora de Lourdes e Dia dos Doentes (11/02). O papa Francisco em sua mensagem para o 22º dia mundial dos enfermos, com o tema “Fé e caridade: também nós devemos dar a vida pelos irmãos” (1Jo 3,16) escreve, de modo particular, às pessoas doentes e a todos aqueles que lhes prestam assistência e cuidados:
A Igreja reconhece em vós, queridos doentes, uma presença especial de Cristo sofredor. É assim: ao lado, aliás, dentro do nosso sofrimento está o de Jesus, que carrega conosco o seu peso e revela o seu sentido. Quando o Filho de Deus subiu à cruz destruiu a solidão do sofrimento e iluminou a sua escuridão. Desta forma somos postos diante do mistério do amor de Deus por nós, que nos infunde esperança e coragem: esperança, porque no desígnio de amor de Deus também a noite do sofrimento se abre à luz pascal; e coragem, para enfrentar qualquer adversidade em sua companhia, unidos a Ele.
O Filho de Deus feito homem não privou a experiência humana da doença e do sofrimento, mas, assumindo-os em si, transformou-os e reduziu-os. Reduzidas porque já não têm a última palavra, que é ao contrário a vida nova em plenitude; transformados, porque em união com Cristo, de negativas podem tornar-se positivas. Jesus é o caminho, e com o seu Espírito podemos segui-lo. Como o Pai doou o Filho por amor, e o Filho se doou a si mesmo pelo mesmo amor, também nós podemos amar os outros como Deus nos amou, dando a vida pelos irmãos. A fé no Deus bom torna-se bondade, a fé em Cristo Crucificado torna-se força para amar até ao fim também os inimigos. A prova da fé autêntica em Cristo é o dom de si, o difundir-se do amor ao próximo, sobretudo por quem não o merece, por quantos sofrem e por quem é marginalizado.
Em virtude do Batismo e da Confirmação somos chamados a conformar-nos com Cristo, Bom Samaritano de todos os sofredores. “Nisto conhecemos o amor: no fato de que Ele deu a sua vida por nós; portanto, também nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos” (1Jo 3,16). Quando nos aproximamos com ternura daqueles que precisam de cura, levamos a esperança e o sorriso de Deus às contradições do mundo. Quando a dedicação generosa aos demais se torna estilo das nossas ações, damos lugar ao Coração de Cristo e por Ele somos aquecidos, oferecendo assim a nossa contribuição para o advento do Reino de Deus.
Para crescer na ternura, na caridade respeitadora e delicada, temos um modelo cristão para o qual dirigir o olhar com segurança. É a Mãe de Jesus e nossa Mãe, atenta à voz de Deus e às necessidades e dificuldades dos seus filhos. Maria, estimulada pela misericórdia divina que nela se faz carne, esquece-se de si mesma e encaminha-se à pressa da Galileia para a Judeia a fim de encontrar e ajudar a sua prima Isabel; intercede junto do seu Filho nas bodas de Caná, quando falta o vinho da festa; leva no seu coração, ao longo da peregrinação da vida, as palavras do velho Simeão que lhe prenunciam uma espada que trespassará a sua alma, e com fortaleza permanece aos pés da Cruz de Jesus. Ela sabe como se percorre este caminho e por isso é a Mãe de todos os doentes e sofredores. A ela podemos recorrer confiantes com devoção filial, certos de que nos assistirá e não nos abandonará. É a Mãe do Crucificado Ressuscitado: permanece ao lado das nossas cruzes e acompanha-nos no caminho rumo à ressurreição e à vida plena.
São João, o discípulo que estava com Maria aos pés da Cruz, faz-nos ir às nascentes da fé e da caridade, ao coração de Deus que é amor (1Jo 4,8.16), e recorda-nos que não podemos amar a Deus se não amarmos os irmãos. Quem está aos pés da Cruz com Maria, aprende a amar como Jesus. A Cruz é a certeza do amor fiel de Deus por nós. Um amor tão grande que entra no nosso pecado e o perdoa, entra no osso sofrimento e nos confere a força para carregá-lo, entra também na morte para vencê-la e nos salvar... A Cruz de Cristo convida-nos também a deixar-nos contagiar por este amor, ensina-nos a olhar sempre para o outro com misericórdia e amor, sobretudo para quem sofre, para quem tem necessidade de ajuda.
Vida como dom, cuidado e serviço sintetiza a mensagem do papa, a trajetória de vida do Padre Libanio, a dimensão oblativa da vida de todos os consagrados.
Na liturgia, Jesus nos é apresentado como “a salvação colocada ao alcance de todos os povos”, a “luz para se revelar às nações e a glória de Israel”, o messias com uma proposta de libertação para todos os homens (Lc 2,22-40). A consagração de Cristo recorda-nos que a nossa vida deve ser uma entrega total nas mãos do Pai, ao serviço do projeto evangelizador e libertador.
O sofrimento não pode constituir o horizonte fechado de nossa visão cristã (Konings). Em meio ao sofrimento, o novo povo de Deus é chamado a ser uma luz que testemunha e torna visível o maravilhoso projeto de Deus para todos os povos, não pelo brilho deste mundo, que se impõe pela dominação, mas pelo brilho da glória de Deus, que se esconde na pequenez de Maria e de seu Filho.

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