O Natal de Chico Mendes!
Palavra de Dom Moacyr Grechi – Arcebispo Emérito de Porto Velho
Matéria 399 - Edição de Domingo – 22/12/2013
Matéria 399 - Edição de Domingo – 22/12/2013
Nesta quarta e última etapa que antecede a solenidade do Natal surpreende-nos o caminho que Deus escolheu para se encontrar conosco. A leitura dos sinais que Deus semeia na estrada da nossa vida permite-nos enxergar o caminho a seguir. E em Maria, como nos ilumina a encíclica Lumen Fidei, o caminho de fé do Antigo Testamento foi assumido no seguimento de Jesus e deixa-se transformar por Ele, entrando no olhar próprio do Filho de Deus encarnado.
Na plenitude dos tempos, a Palavra de Deus dirigiu-se a Maria, e Ela acolheu-a com todo o seu ser, no seu coração, para que n’Ela tomasse carne e nascesse como luz para os homens. O mártir São Justino, na obra Diálogo com Trifão, tem uma expressão significativa ao dizer que Maria, quando aceitou a mensagem do Anjo, concebeu “fé e alegria”. De fato, na Mãe de Jesus, a fé mostrou-se cheia de fruto e, quando a nossa vida espiritual dá fruto, enchemo-nos de alegria, que é o sinal mais claro da grandeza da fé. Na sua vida, Maria realizou a peregrinação da fé seguindo o seu Filho (LF 58).
Estamos encerrando a Novena de Natal em Família, em ritmo de espera da vinda do Senhor. O Natal aproxima-se e neste período em que as relações familiares se fortalecem, não excluímos ninguém de nosso convívio e fraternidade. Por isso, pedimos: Conceda-nos, Senhor, a coragem de teu Espírito para preparar novos caminhos de partilha e solidariedade neste Natal.
A liturgia de hoje conduz-nos a viver a experiência do encontro com Deus. O Deus conosco, o Emanuel “ao assumir a nossa fraqueza, a natureza humana recebe uma incomparável dignidade: ao tornar-se ele um de nós, nós nos tornamos eternos” (prefacio do Natal). “O verbo se fez carne e armou sua tenda entre nós” (Jo 1,14).
As leituras bíblicas estão todas orientadas para o nascimento de Jesus, o Filho de Deus e para seu papel fundamental na história da salvação, que é o poder de ressuscitar os seres humanos, dando-lhes a vida plena (VP). O profeta Isaías convida-nos a ler os sinais do Emanuel (Is 7,10-14), o Deus que não abandona o seu Povo e quer percorrer, de mãos dadas com ele, o caminho da história.
Através do Evangelho (Mt 1,18-24)refletimos que é o próprio Filho de Deus, o Deus que está conosco, que inicia nova história, em que os homens serão salvos de tudo o que diminui ou destrói a vida e a liberdade. Ele vem ao nosso encontro para apresentar-nos uma proposta de salvação. Acolhamos de braços abertos a proposta que Ele traz e deixemo-nos transformar por ela, a exemplo de Maria e de José.
O mistério do Natal ensina-nos que, se Deus não quis revelar-Se como Alguém que olha do alto e domina o Universo, mas antes se humilha e desce à terra, pequenino e pobre, então, para nos parecermos com Ele, não devemos colocar-nos acima dos outros, mas humilhar-nos, pôr-nos ao seu serviço, fazer-nos pequenos com os pequenos e pobres com os pobres. Assim eles não se sentirão sozinhos! O Natal ensina-nos também que se Deus, por meio de Jesus Cristo, se envolveu com o homem até Se tornar um de nós, então tudo o que fizermos a um irmão, é a Ele que o fazemos, como o próprio Jesus nos ensinou: “Sempre que alimentastes, acolhestes, visitastes um destes meus irmãos mais pequeninos a Mim mesmo o fizestes” (Papa Francisco).
O Apóstolo Paulo, consciente de que foi “escolhido para o Evangelho” (Rm 1,1-7) afirma “que nasceu para anunciar o Evangelho e ser testemunha do projeto de salvação que Deus quer oferecer aos homens” (J. Garrido). É do encontro com Jesus que resulta o testemunho: tendo recebido a Boa Nova da salvação, os seguidores de Jesus devem levá-la a todos os homens e fazer com que ela se torne uma realidade libertadora em todos os tempos e lugares.
Um texto do cardeal Ravasi sobre o “encarnar-se” de Deus ajuda-nos a compreender o significado maior do seguimento, anuncio e testemunho. Para ele, a “encarnação” está no próprio coração do anúncio cristão. E citando o escritor
Giovanni Testori escreve: “O Natal é o nascimento absoluto que reflete e assume, ilumina e redime, abençoa e consagrada todos os nascimentos de antes e todos os nascimentos de depois. Todo ser humano que vem à luz repete o milagre do Natal de Cristo, porque é Deus que decide esse nascimento. É Ele que quer essa vida. É justamente cada um desses nascimentos, cada uma dessas vidas, sem excluir nenhuma, que O levou a encarnar-se desde sempre”. Dessa forma, o Natal do Filho de Deus “reflete e assume, ilumina e redime, abençoa e consagrada todos os nascimentos”.
Portanto, é no contexto do Natal que celebro hoje com o povo acreano e toda a Amazônia, a memória de Chico Mendes, assassinado na noite de 22 de dezembro de 1988. O pai, amigo, filho de Xapuri, participante das CEBs e defensor dos povos da floresta, que se preparava para passar o Natal em família, apesar de ter sido aconselhado a não retornar para o Acre devido às ameaças, fez sua opção de celebrar seu nascimento (havia completado 44 anos no dia 15 de dezembro) e o nascimento de Jesus junto aos seus, mas até esse direito lhe tiraram. (continua)
Por que morreu o ecologista e líder sindical Chico Mendes? Perguntou-me o jornalista Augusto Nunes, um mês após seu assassinato, no programa Roda Vivo da TV Cultura. Respondi prontamente: Eu creio que Chico Mendes era uma liderança que incomodava. Incomodava de maneira especial os latifundiários, e também pessoas que no fundo são latifundiários. O Chico foi eliminado porque era uma pessoa que perturbava, e era uma pessoa que, nas suas exigências, se baseava sempre na justiça, no interesse dos seringueiros, no interesse de seus concidadãos ou dos povos da floresta.
No primeiro momento o Chico foi uma liderança autêntica que não se deixava corromper, o que não é comum, muitas vezes as lideranças pressionadas podem ceder, por uma razão ou outra. O Chico, como eu disse antes, era uma liderança autêntica. Antes dele, Wilson Pinheiro já foi eliminado [presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia (AC), assassinado na sede do próprio sindicato em 1980], não sei se os senhores se lembram, mas ele também era um sindicalista que incomodava por causa especialmente dos empates [ações coletivas que visam impedir a ação dos peões encarregados da derrubada da mata. Um grupo de cem a duzentas pessoas dirige-se pacificamente aos acampamentos e convence os peões a abandonar as motosserras]. Eles descobriram um caminho, porque pelo caminho da lei perceberam que não conseguiam nada, pelo caminho do diálogo nada se conseguia. Então eles perceberam que com esse modo do empate - que cercava a área em que ia ser derrubada, e exigia um afastamento dos peões e um compromisso do patrão ou do gerente. Os proprietários perceberam que ele estava sendo eficaz, estava conseguindo vitórias, então Wilson Pinheiro foi eliminado. E o Chico continuava na mesma linha, só que nesses últimos anos ele tinha amadurecido. Além de lutar pela posse e pela permanência do povo na terra, ele começava a acordar, inclusive nos ajudava a descobrir a importância da mata, da floresta, suas castanheiras, suas seringueiras, como fonte de vida para seu povo que na prática não tinha alternativa.
E ao jornalista José Antônio Alves (Toinho) disse no dia da morte de Chico: Todos sabiam que ele estava ameaçado porque abraçava a causa dos seringueiros. Fez muitos inimigos e sua morte foi uma consequência necessária. O certo é que sua morte vai acordar a opinião pública.
Chico Mendes acreditava que só seria útil à Amazônia vivo, para articular as ações necessárias para o movimento (havia dito em sua última entrevista ao The New York Times e ao Jornal do Brasil). No entanto, sua morte que parecia o triunfo do poder e da violência, demonstrou que o amor e a perseverança na luta pela causa dos povos da floresta, pela criação de reservas extrativistas, pela vida e desenvolvimento das famílias dos seringueiros, valeram a pena, pois fez renascer a esperança de um mundo melhor em todos nós, seus companheiros de luta. E hoje cremos que nem o fracasso ou a perseguição nos farão desistir; seu martírio e testemunho não foram em vão; nada nos pode separar do amor das pessoas que, como Chico Mendes, sofreram o martírio. Agucemos nossa sensibilidade para ouvir os gritos que continuam ecoando na Amazônia, alarguemos nossa tenda, acolhendo, visitando e escutando as pequenas Comunidades Eclesiais de Base e tantas famílias, nossas famílias do beiradão, linhas, travessões, nos bairros distantes e tão inseguros de nossas cidades. Acolhamos os sinais de Deus aí presente. Feliz Natal a todos!
Na plenitude dos tempos, a Palavra de Deus dirigiu-se a Maria, e Ela acolheu-a com todo o seu ser, no seu coração, para que n’Ela tomasse carne e nascesse como luz para os homens. O mártir São Justino, na obra Diálogo com Trifão, tem uma expressão significativa ao dizer que Maria, quando aceitou a mensagem do Anjo, concebeu “fé e alegria”. De fato, na Mãe de Jesus, a fé mostrou-se cheia de fruto e, quando a nossa vida espiritual dá fruto, enchemo-nos de alegria, que é o sinal mais claro da grandeza da fé. Na sua vida, Maria realizou a peregrinação da fé seguindo o seu Filho (LF 58).
Estamos encerrando a Novena de Natal em Família, em ritmo de espera da vinda do Senhor. O Natal aproxima-se e neste período em que as relações familiares se fortalecem, não excluímos ninguém de nosso convívio e fraternidade. Por isso, pedimos: Conceda-nos, Senhor, a coragem de teu Espírito para preparar novos caminhos de partilha e solidariedade neste Natal.
A liturgia de hoje conduz-nos a viver a experiência do encontro com Deus. O Deus conosco, o Emanuel “ao assumir a nossa fraqueza, a natureza humana recebe uma incomparável dignidade: ao tornar-se ele um de nós, nós nos tornamos eternos” (prefacio do Natal). “O verbo se fez carne e armou sua tenda entre nós” (Jo 1,14).
As leituras bíblicas estão todas orientadas para o nascimento de Jesus, o Filho de Deus e para seu papel fundamental na história da salvação, que é o poder de ressuscitar os seres humanos, dando-lhes a vida plena (VP). O profeta Isaías convida-nos a ler os sinais do Emanuel (Is 7,10-14), o Deus que não abandona o seu Povo e quer percorrer, de mãos dadas com ele, o caminho da história.
Através do Evangelho (Mt 1,18-24)refletimos que é o próprio Filho de Deus, o Deus que está conosco, que inicia nova história, em que os homens serão salvos de tudo o que diminui ou destrói a vida e a liberdade. Ele vem ao nosso encontro para apresentar-nos uma proposta de salvação. Acolhamos de braços abertos a proposta que Ele traz e deixemo-nos transformar por ela, a exemplo de Maria e de José.
O mistério do Natal ensina-nos que, se Deus não quis revelar-Se como Alguém que olha do alto e domina o Universo, mas antes se humilha e desce à terra, pequenino e pobre, então, para nos parecermos com Ele, não devemos colocar-nos acima dos outros, mas humilhar-nos, pôr-nos ao seu serviço, fazer-nos pequenos com os pequenos e pobres com os pobres. Assim eles não se sentirão sozinhos! O Natal ensina-nos também que se Deus, por meio de Jesus Cristo, se envolveu com o homem até Se tornar um de nós, então tudo o que fizermos a um irmão, é a Ele que o fazemos, como o próprio Jesus nos ensinou: “Sempre que alimentastes, acolhestes, visitastes um destes meus irmãos mais pequeninos a Mim mesmo o fizestes” (Papa Francisco).
O Apóstolo Paulo, consciente de que foi “escolhido para o Evangelho” (Rm 1,1-7) afirma “que nasceu para anunciar o Evangelho e ser testemunha do projeto de salvação que Deus quer oferecer aos homens” (J. Garrido). É do encontro com Jesus que resulta o testemunho: tendo recebido a Boa Nova da salvação, os seguidores de Jesus devem levá-la a todos os homens e fazer com que ela se torne uma realidade libertadora em todos os tempos e lugares.
Um texto do cardeal Ravasi sobre o “encarnar-se” de Deus ajuda-nos a compreender o significado maior do seguimento, anuncio e testemunho. Para ele, a “encarnação” está no próprio coração do anúncio cristão. E citando o escritor
Giovanni Testori escreve: “O Natal é o nascimento absoluto que reflete e assume, ilumina e redime, abençoa e consagrada todos os nascimentos de antes e todos os nascimentos de depois. Todo ser humano que vem à luz repete o milagre do Natal de Cristo, porque é Deus que decide esse nascimento. É Ele que quer essa vida. É justamente cada um desses nascimentos, cada uma dessas vidas, sem excluir nenhuma, que O levou a encarnar-se desde sempre”. Dessa forma, o Natal do Filho de Deus “reflete e assume, ilumina e redime, abençoa e consagrada todos os nascimentos”.
Portanto, é no contexto do Natal que celebro hoje com o povo acreano e toda a Amazônia, a memória de Chico Mendes, assassinado na noite de 22 de dezembro de 1988. O pai, amigo, filho de Xapuri, participante das CEBs e defensor dos povos da floresta, que se preparava para passar o Natal em família, apesar de ter sido aconselhado a não retornar para o Acre devido às ameaças, fez sua opção de celebrar seu nascimento (havia completado 44 anos no dia 15 de dezembro) e o nascimento de Jesus junto aos seus, mas até esse direito lhe tiraram. (continua)
Por que morreu o ecologista e líder sindical Chico Mendes? Perguntou-me o jornalista Augusto Nunes, um mês após seu assassinato, no programa Roda Vivo da TV Cultura. Respondi prontamente: Eu creio que Chico Mendes era uma liderança que incomodava. Incomodava de maneira especial os latifundiários, e também pessoas que no fundo são latifundiários. O Chico foi eliminado porque era uma pessoa que perturbava, e era uma pessoa que, nas suas exigências, se baseava sempre na justiça, no interesse dos seringueiros, no interesse de seus concidadãos ou dos povos da floresta.
No primeiro momento o Chico foi uma liderança autêntica que não se deixava corromper, o que não é comum, muitas vezes as lideranças pressionadas podem ceder, por uma razão ou outra. O Chico, como eu disse antes, era uma liderança autêntica. Antes dele, Wilson Pinheiro já foi eliminado [presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia (AC), assassinado na sede do próprio sindicato em 1980], não sei se os senhores se lembram, mas ele também era um sindicalista que incomodava por causa especialmente dos empates [ações coletivas que visam impedir a ação dos peões encarregados da derrubada da mata. Um grupo de cem a duzentas pessoas dirige-se pacificamente aos acampamentos e convence os peões a abandonar as motosserras]. Eles descobriram um caminho, porque pelo caminho da lei perceberam que não conseguiam nada, pelo caminho do diálogo nada se conseguia. Então eles perceberam que com esse modo do empate - que cercava a área em que ia ser derrubada, e exigia um afastamento dos peões e um compromisso do patrão ou do gerente. Os proprietários perceberam que ele estava sendo eficaz, estava conseguindo vitórias, então Wilson Pinheiro foi eliminado. E o Chico continuava na mesma linha, só que nesses últimos anos ele tinha amadurecido. Além de lutar pela posse e pela permanência do povo na terra, ele começava a acordar, inclusive nos ajudava a descobrir a importância da mata, da floresta, suas castanheiras, suas seringueiras, como fonte de vida para seu povo que na prática não tinha alternativa.
E ao jornalista José Antônio Alves (Toinho) disse no dia da morte de Chico: Todos sabiam que ele estava ameaçado porque abraçava a causa dos seringueiros. Fez muitos inimigos e sua morte foi uma consequência necessária. O certo é que sua morte vai acordar a opinião pública.
Chico Mendes acreditava que só seria útil à Amazônia vivo, para articular as ações necessárias para o movimento (havia dito em sua última entrevista ao The New York Times e ao Jornal do Brasil). No entanto, sua morte que parecia o triunfo do poder e da violência, demonstrou que o amor e a perseverança na luta pela causa dos povos da floresta, pela criação de reservas extrativistas, pela vida e desenvolvimento das famílias dos seringueiros, valeram a pena, pois fez renascer a esperança de um mundo melhor em todos nós, seus companheiros de luta. E hoje cremos que nem o fracasso ou a perseguição nos farão desistir; seu martírio e testemunho não foram em vão; nada nos pode separar do amor das pessoas que, como Chico Mendes, sofreram o martírio. Agucemos nossa sensibilidade para ouvir os gritos que continuam ecoando na Amazônia, alarguemos nossa tenda, acolhendo, visitando e escutando as pequenas Comunidades Eclesiais de Base e tantas famílias, nossas famílias do beiradão, linhas, travessões, nos bairros distantes e tão inseguros de nossas cidades. Acolhamos os sinais de Deus aí presente. Feliz Natal a todos!
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