ACAMPAMENTO CANÃA: O Judiciário cumprirá a sua função de promover a justiça?
Por: Lenir
Correia Coelho (Assessora Jurídica da CPT/RO)
O Acampamento Canãa
localizado na cidade de Ariquemes/RO faz
12 anos de resistência. As famílias que ocuparam, cortaram a área, distribuiram
as terras sob a bandeira da LCP resistem as diversas tentativas de
reintegrações de posse.
Trata-se de uma área de oito
lotes, que encontra-se em lítigio na Justiça Federal, com processos
administrativos junto ao Programa Terra Legal, sendo que as vistorias nos lotes
demonstram que os donos iniciais destes lotes, que receberam a terra pelo INCRA
não cumpriram as cláusulas resolutivas e portanto, essas terras pertencem a
União que devem destinar as mesmas para a Reforma Agrária.
Hoje tramita contra o Acampamento Canãa duas reintegrações de
posse, sendo que os Autos: 0008545-60.2006.822.0002 – 3ª Vara Cível da Comarca
de Ariquemes/RO, se encontra suspenso, em virtude da intervenção competente da
Defensoria Pública do Estado – Núcleo de Ariquemes, que através da Ação Civil
Pública proposta (Autos: 0010994-78.2012.822.0002 -3ª Vara Cível da Comarca de
Ariquemes/RO) pediu a suspensão do Cumprimento de Reintegração de Posse em
virtude das diversas irregularidades processuais existentes nos autos, entre
elas, de citação das partes.
Desarquivado em 2013 e pedido
a execução do processo 0040056-47.2004.822.0002 – 2ª Vara Cível da Comarca de
Ariquemes/RO, onde se pede o cumprimento de sentença em desfavor dos acampados,
que na verdade, não podem mais ser considerados acampados e sim, posseiros,
pois, construiram toda uma vida na terra, tirando dela o sustento, ergueram
casas, aumentaram a família, os filhos estudam nas escolas; toda a vida social,
política, religiosa, econômica está relacionada com a terra.
Esse processo que ameaça o
Acampamento do Canãa tem algumas particularidades que precisam ser analisadas
pelo juíz, antes de enviar o “Braço Armado do Estado” para cumprir a
reintegração. Vejamos:
1º – O Acampamento Canãa
compreende uma área de 3.602,4298 hectares;
2º – A área que o fazendeiro
está pedindo reintegração é de 132,9367 hectares ;
3º – O Acampamento possui 120
famílias e a área que foi promovida a reintegração abrange, no máximo, 10
famílias;
4º – Não se sabe a
localização da área e nem sequer quem
são essas famílias;
5º – E o mais importante,
toda a área do Acampamento Canãa está em processo judicial de retomada da área
pelo INCRA;
6º – O Programa Terra Legal
está avaliando os títulos dessa área, pois, o fazendeiro, em tese, não teria
cumprido as cláusulas resolutivas e portanto, a área deveria voltar para a
União e esta encaminhar para o INCRA para destinar para a Reforma Agrária –
esse processo de avaliação dos títulos está há mais de 04 meses em Brasília.
Como visto, os obstáculos para
cumprir a reintegração de posse são diversos, cabendo ao juiz decidir:
- Se atende o Ministério
Público e encaminha o processo para a Justiça Federal, tendo em vista o
interesse demonstrado pela União na área;
- Se atende o INCRA e
suspende o processo até o julgamento do processo que tramita na Justiça Federal
de retomada da área pelo INCRA;
- Se atende os interesses
sociais e identifica a área do fazendeiro e notifica as famílias que estão
nessa área para que possam cumprir a sentença e decidirem se deixam a área
voluntariamente.
O que não pode, sob pena de
responsabilidade do Estado, é comprovar
que a Justiça é realmente cega quando se trata de fazer justiça para os
posseiros, promovendo a reintegração de
toda a área, mandando despejar mais de 120 famílias em benefício de um
fazendeiro, que possui somente 132,9367 hectares de terra
dentro de uma área de 3.602,4298 hectares.
Espera-se bom-senso judicial,
mais do que isso, espera-se que os discursos e as promessas feitas aos
posseiros do Canãa sejam cumpridas, que a terra seja realmente entregue para
quem nela vive, trabalha e produz.
Cada vez mais vemos que o
Estado é para poucos, que o Judiciário serve para legitimar as injustiças
sociais, pois, reconhece mais a propriedade do que a posse, reconhece-se mais o
direito de um do que o coletivo e o pior, prioriza o direito de um sob o
direito do próprio Estado, já que elementos vêm demonstrando que a terra em
litígio é da União.
Enfim, se a própria justiça
não cumpre a sua função de promover a justiça e aplacar o clamor social, o que
restará aos posseiros do Canãa senão a resistência. Espera-se que dessa vez a
história seja diferente e o juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Ariquemes coloque
os interesses coletivos acima dos interesses individuais e desta forma, permita
que haja a paz no campo, pois, a paz no campo promovida pelas forças
políciais só tem trazido prisões arbitrárias e morte, basta ver o último
confronto ocorrido no Rio Pardo.
Paz no campo só existe de
fato e de direito quando se cumpre a função social da propriedade, quando se
permite aos posseiros viverem em paz, quando o Estado intervém para o bem-estar
social da coletividade.
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