A justiça é imortal!

"A Imaculada nos faz acreditar na força radical do bem, da verdade e da justiça sobre todos os poderes da maldade, da mentira e da opressão".

Palavra de Dom Moacyr Grechi – Arcebispo Emérito de Porto Velho

Matéria 397 - Edição de Domingo – 08/12/2013

Chegamos à segunda etapa do Tempo do Advento e quem se destaca neste período de preparação histórica da vinda do Senhor Jesus é a Virgem Maria e São João Batista.

“Agora e em todos os tempos, Deus vem ao nosso encontro”, proclamamos na liturgia. Sim, Ele vem e passa pelo coração dos homens. Vem através de todos estes de quem nos tornamos o próximo. O apelo de João à conversão está ligado ao anúncio da justiça de Deus. O convite é para um novo nascimento, para uma nova maneira de pensar e agir, portanto, um novo começo de vida a partir do perdão e da reconciliação.

No tempo do Advento, reforça o papa João Paulo II, a Igreja nos une de modo particular a Maria Santíssima. Ela, de fato, é para nós de grande exemplo naquela expectativa da vinda de Cristo que permeia todo este período. Nela, desde o momento exato da Encarnação do Verbo, tal expectativa assume forma concreta: torna-se Maternidade. Sob o Seu coração virginal palpita já a nova vida: a vida do Filho de Deus, que Se tornou homem no Seu seio. Maria é, toda Ela, Advento! (continua)

Há 159 anos, no dia 8 de Dezembro de 1854, o papa Pio IX proclamou o dogma da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem. Recordemos suas palavras ao expressar a doutrina da Igreja sobre a Imaculada Conceição: “Com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo e Nossa, declaramos, pronunciamos e definimos que a doutrina que afirma que a Santíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua conceição, por singular graça e privilégio a Ela concedido por Deus Onipotente, em previsão dos méritos de Jesus Cristo Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda a mancha de pecado original, é verdade revelada por Deus, e deve, por isso, ser acreditada firme e constantemente por todos os fiéis” (Bula Ineffabilis Deus).

Este, portanto, é um dia especial da época do Advento: a celebração solene da Imaculada Conceição como “preparação radical à vinda do Salvador e feliz principio da Igreja sem mancha nem ruga (MC 3). Toda a Igreja contempla hoje o mistério da Imaculada Conceição e com ele se alegra.

O que nos quer revelar Deus com a Imaculada Conceição de Maria? Responde meu confrade Clodovis Boff em sua obra Mariologia Social (Ed.Paulus): A Imaculada representa o triunfo da graça das origens. Ela mostra o estado de vocação originária de cada pessoa humana, de toda a humanidade e mesmo de toda a criação. É o testemunho da predestinação à graça, como realidade mais radical que a situação de pecado e, portanto, que a própria redenção do pecado. O paraíso é mais primitivo que nosso “vale de lágrimas”. A graça original é anterior ao pecado original.

Nesse sentido, os bispos da América Latina disseram em Puebla que a Imaculada representa o “projeto do paraíso” (n.289). E como escreveu George Bernanos, Maria “é mais jovem que o pecado”. A libertação da culpa do pecado original e mesmo do débito de contraí-lo, se deve unicamente à graça e ao mérito de Cristo.

Na verdade, pelo pensamento bíblico, sabemos que Deus ama cada um “desde o ventre materno” (Jr 1,5;Is 49,1;Lc 1,15;Gl 1,15). O dogma da Imaculada Conceição proclama isto: Deus ama o ser humano, e isso desde sempre e para sempre. Como disse Karl Rahner, no abraço singular com que Deus, desde toda a eternidade, abraçou Maria, cada criatura foi abraçada desde o primeiro instante de sua concepção.

Com Maria, nova Eva, começa realmente a “nova história”. Ela é o inicio da “nova humanidade”, por conseguinte, da “nova sociedade”. O dogma da Imaculada é a proclamação de que o bem é anterior e superior ao mal. Na Toda-Pura, a justiça aparece em sua justiça radical sobre toda a injustiça. É o que consta no conceito clássico de “justiça original”. E, por ser original, a justiça também é final, como assevera o Livro da Sabedoria: “A morte não reinará sobre a terra, pois a justiça é imortal” (Sb 1,14-15). Em suma, a Imaculada proclama, apesar das aparências, que o Amor nunca é perdedor.

Para Puebla o dogma da Imaculada quer dizer que o homem renovado em Cristo é na verdade um “homem novo” (n.298). O ser humano renovado é sim, uma “nova criatura”, mas continua a carregar as cicatrizes da ferida primitiva.

A Imaculada nos faz acreditar na força radical do bem, da verdade e da justiça sobre todos os poderes da maldade, da mentira e da opressão.

Não existe situação humana e social que seja absolutamente irreversível, sem saída. Tudo o que vive está em processo, por isso tem jeito e pode mudar. Igualmente toda situação ou instituição histórica é dinâmica e aberta e pode se transformar. Não há pessoas grupos ou estruturas irremissíveis, irrecuperáveis. Não há ser humano vivo, por quanto endurecido no mal, que se deva considerar definitivamente “perdido”.

A Imaculada é uma aposta na recuperação da pessoa mais “sem jeito” e da situação histórica mais “sem solução”. Por quê? Porque a Imaculada afirma que a graça é mais fontal que todo o mal e a comunhão trinitária é anterior a toda divisão no mundo. Isso vale também em relação ao poder e as suas estruturas. É verdade que “o poder corrompe”, mas ele pode ser sanado. Com a força curativa da graça, a política pode se converter e se redimir, pondo-se a serviço da comunidade humana. É isso também que ensina o Mistério da Imaculada. Assim, aprendemos a ser fiéis mantendo-nos sob a “lei da graça”, buscando os meios de aí permanecer através da participação na comunidade eclesial, de modo que estejamos efetivamente a serviço do povo e de sua total libertação.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, redigida pela ONU (Organização das Nações Unidas), em 1948, completa 65 anos nesta semana (10/12). Apesar de vários países ainda desrespeitarem os artigos que compõem a declaração, como liberdade, igualdade e relações amistosas entre as nações, pessoas como Nelson Mandela, que faleceu no dia 05 e Chico Mendes, completando 25 anos de sua morte, deixam um legado de lutas e resistências pela liberdade e sobrevivência de seu país e dos povos da floresta.

De Nelson Mandela, o papa Francisco escreveu em sua mensagem: Louvo o firme compromisso demonstrado por Nelson Mandela ao promover a dignidade humana de todos os cidadãos da nação e forjar uma nova África do Sul, construída sobre os alicerces firmes da não violência, da reconciliação e da verdade. Rezo para que o exemplo do ex-presidente inspire as gerações da África do Sul a colocar a justiça e o bem comum no topo de suas aspirações políticas.

De Chico Mendes, Frei Beto escreveu após sua recente visita ao Acre:Há 25 anos assassinaram Chico Mendes (1944-1988). Pagou com a vida a defesa da Amazônia, a integração entre o homem e a natureza, a criação de reservas extrativistas que, hoje, evitam que a floresta reine como santuário intocável ou sofra derrubadas vítima da ambição do capital.

A nova sociedade e a nova história que eles e tantos mártires se atreveram a sonhar e construir, são uma nova criação que devemos resgatar e produzir com criatividade. Comecemos, arregaçando as mangas e participando da Coleta de Assinaturas para o Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e entidades que integram a Coalizão Democrática.

Participemos de modo efetivo da Campanha da Evangelização que termina no domingo próximo (15/12), contribuindo com a Coleta em prol das ações evangelizadoras da Igreja. Peçamos a intercessão de Maria, Estrela da nova evangelização, Mãe do Evangelho vivente, a fim de que este convite para uma nova etapa da evangelização seja acolhido por toda a comunidade eclesial.

Ela, a Imaculada Conceição, a mulher de fé, que vive e caminha na fé, cuja excepcional peregrinação da fé representa um ponto de referência constante para a Igreja, nos ajude a anunciar a mensagem de salvação e a nos tornarmos discípulos e operosos evangelizadores. Sempre que olhamos para Maria, voltamos a acreditar na força revolucionária da ternura e do afeto. Esta dinâmica de justiça e ternura, de contemplação e de caminho para os outros faz dela um modelo eclesial para a evangelização. Pedimos-lhe que nos ajude, com a sua oração materna, para que a Igreja se torne uma casa para muitos, uma mãe para todos os povos, e torne possível o nascimento dum mundo novo (EG 287-288).

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