NOTA PÚBLICA SOBRE O CONFLITO AGRÁRIO EM RIO PARDO/RO
Em virtude das informações
divulgadas por diversos sites, intitulada “Comissão
de Direitos Humanos visita manifestantes de Rio Pardo e esquecem de visitar
policiais vítimas”, a Comissão
Pastoral da Terra – CPT/RO, o Centro
Brasileiro de Solidariedade aos Povos – CEBRASPO e a Associação Brasileira de Advogados do Povo – ABRAPO (Seção
Brasileira da Associação Internacional dos Advogados do Povo – IAPL, com sede
na Holanda) tem a esclarecer:
1) As
organizações signatárias desta nota souberam de informações desencontradas
pelos meios de comunicação de conflito agrário que resultou na morte de um
policial na localidade de Rio Pardo.
2)
No dia 14 de novembro de 2013, no “Seminário
sobre Lutas Sociais e presos políticos do Brasil de ontem e de hoje” obtivemos
informações mais precisas sobre o conflito, através de representante da
localidade que denunciou diversos abusos das autoridades policiais.
3) No
dia 15 de novembro, advogados de ambas as entidades realizaram uma visita aos
10 camponeses presos durante o conflito e ouviram seus relatos.
4) Em
que pese à divulgação sensacionalista de alguns veículos de comunicação,
buscamos informações de feridos ou mortos no hospital de Buritis e estes
relataram que apenas deu-se entrada do policial já em óbito e que em Buritis e
municípios vizinhos a informação era de que não havia dado entrada em outros
feridos;
5) Deslocamo-nos
a Rio Pardo e após nos identificarmos a uma guarnição da polícia militar chegamos
até o povoado. Na localidade há um clima de tensão e medo já que muitos
populares temem sofrer represálias por parte de policiais.
6) Contudo,
diversos moradores relataram que foram
torturados por policiais militares para que estes obtivessem informações
sobre as supostas lideranças dos manifestantes. Muitos, com marcas de
espancamento, conforme registro fotográfico feito pelas entidades, afirmaram
não dirigir-se a hospitais por medo de mais uma vez serem torturados, já que
havia uma grande concentração de policiais em Buritis.
7) As
torturas relatadas foram: enforcamento,
espancamento e choque elétrico. A Declaração Universal dos Direitos Humanos
da ONU, datada de 10.12.1948, estabelece em seu artigo V que "ninguém será
submetido a tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante".
Na mesma linha, estabelece a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto
de San José de Costa Rica), de 1969, em seu artigo 5º., n. 2, que "ninguém
deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou
degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito
devido à dignidade inerente ao ser humano". A prática de tortura é delito imprescritível, inafiançável, não sujeito
a graça e anistia como dispõe o Artigo
5º inciso XLIII da Constituição Federal e também na Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou
Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1984.
8) Mesmo
sendo considerado um crime contra a Humanidade, em diversos conflitos agrários
em Rondônia observou-se a prática de tortura por agentes do Estado ou de
particulares a serviço de fazendeiros, como foi em Corumbiara (1995) e mais
recentemente no ano passado contra o camponês Adimar Dias de Souza preso pela
polícia civil de Ouro Preto D’Oeste. Práticas de tortura, maus tratos e execuções
por parte de agentes policiais resultou, entre outros casos, na morte do
ajudante de pedreiro Amarildo (RJ) e na morte de indígenas dos povos Guarani e
Kaiowá no Mato Grosso do Sul.
9) A
visita feita ao local, as entrevistas realizadas e o acesso a filmagens feitas
por celular constatou que nenhum dos camponeses portava arma de fogo no momento
do conflito com os policiais da Força Nacional de Segurança. O conflito foi
gerado pela ação truculenta das forças militares que atiraram e espancaram os
posseiros, que reagiram com paus e pedras.
10) Segundo
os moradores, a polícia não só usou balas de borracha, spray de pimenta e
bombas de gás lacrimogêneo (gás azul) como também utilizou munição real contra
os camponeses, sendo que um encontra-se ferido na perna, foi espancado e não se
sabe seu paradeiro.
11) Após
a ação desastrada da Força Nacional que se retirou após o policial militar Luis
Pedro de Souza Gomes ter sido ferido, do veículo da tropa caíram uma caixa de
granadas de gás e uma escopeta calibre 12. Esse material foi guardado por um “dentista”
em sua residência para ser devolvido à polícia que ao entrar em sua casa
destruiu todo seu consultório. Os moradores questionam o fato de que o “dentista”
simplesmente guardou em local seguro em meio a confusão generalizada e que se
quisesse subtrair o armamento teria guardado em outro local. Mesmo com essas
alegações, segundo os populares, a polícia depredou todo o consultório.
12) No
dia 15 de novembro após as sessões de tortura aos camponeses, foi preso o
camponês Eronildo Francisco de Paula acusado de porte ilegal de arma.
13) Em
que pese à reação dos camponeses frente à ação truculenta das forças policiais,
resultando na morte do policial, os moradores afirmam que este foi atingido
pela própria tropa de policiais. A prática de tortura, maus tratos e execuções
sumárias são comuns CONTRA os camponeses e não o contrário. As marcas dos
disparos de armas pelos policiais estão em várias casas do povoado. Segundo os
depoimentos eles partiram atirando para todos os lados.
14) Por fim, a CPT-RO, o CEBRASPO e ABRAPO
exigem que o Estado Brasileiro, representado pelo Governo Federal e pelo
Governo do Estado de Rondônia cumpra o acordo de reassentamento das mais de 400
famílias da região de Rio Pardo que lá vivem e produzem há mais de 10 anos e
não querem ver destruídos os frutos do seu trabalho.
15) Acompanharemos e denunciaremos todas as
práticas de tortura e maus tratos e conclamamos a sociedade brasileira a se
mobilizar contra a repressão estatal e em defesa do direito do povo de lutar
por seus direitos.
Porto
Velho/RO, 19 de novembro de 2013.
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