Indenização às vítimas do massacre de Corumbiara discutida em audiência pública na ALE

Publicada em Rondoniadinâmica 30/08/2013 - 10h00 / Autor: ass-ALE
Indenização às vítimas do massacre de Corumbiara discutida em audiência pública na ALE

Como parte da programação do "Grito da Terra”, a audiência foi presidida pelo deputado estadual Hermínio.



A indenização das vítimas e dos familiares de vítimas do massacre de Corumbiara, ocorrido há 18 anos, foi tema de uma audiência pública, na tarde desta quinta-feira (29), no plenário das deliberações da Assembleia Legislativa, atendendo a uma propositura do deputado estadual Claudio Carvalho (PT). 

Como parte da programação do "Grito da Terra”, a audiência foi presidida pelo deputado estadual Hermínio Coelho (PSD), presidente da Assembleia Legislativa e contou com a presença dos deputados estaduais Epifânia Barbosa (PT) e Ribamar Araújo (PT) e dos federais Padre Ton (PT) e Anselmo de Jesus (PT). (continua)

Ao abrir a audiência pública, Hermínio Coelho lamentou a ausência do Governo de Rondônia, pois, segundo ele, até o momento, não efetuou a indenização das pessoas que hoje enfrentam problemas de saúde. “O Governo não mandou ninguém pra cá. Nem mesmo um simples puxa-saco. Nem coração acho que esse povo tem, infelizmente”, completou Hermínio.

Segundo o presidente da Assembleia, o Governo é quem deveria estar buscando resolver a questão que envolve as pessoas atingidas pelo massacre de Corumbiara. Coelho disse que a iniciativa para o pagamento deveria partir do Executivo.

“Se aqui chegar, aprovamos sem maior problema. Tem uma lei que concede dois salários mínimos para cada sobrevivente de Corumbiara e o Executivo não paga. Esse Governo é covarde, mentiroso e ladrão e não cumpre as leis e nem os acordos. E se alguém falar alguma coisa contra, sofre ameaças e intimidações. Tem um grupo forte que saqueia o Estado e humilha o povo e não podemos achar isso normal”, desabafou. 

Com as galerias ocupadas por trabalhadores rurais, também participaram da audiência o bispo emérito de Guajará-Mirim, Dom Geraldo Verdier; o presidente da Federação dos Trabalhadores da Agricultura (Fetagro), Fábio Menezes; o representante das vítimas, Felipe Sviderski, o defensor público Hélio Vicente de Matos e o vereador e presidente da Câmara de Corumbiara, Valdinei Antônio Coelho (PT). 

Logo após a abertura, foram exibidos dois vídeos, com imagens da época da ação policial, que culminou com a morte de 12 trabalhadores rurais, entre eles uma menina de sete anos. Dois policiais militares também morreram no conflito e há registros de pelo menos sete trabalhadores desaparecidos.

Depoimentos de sobreviventes 
Em seguida, foi aberto o espaço para que os sobreviventes pudessem dar o depoimento, mostrando o sofrimento que passaram, e ainda passam, após o massacre ocorrido em 09 de agosto de 1995, na fazenda Santa Elina.

Bastante emocionada, a trabalhadora rural Rosimeire Rosa Gatti, de 36 anos, moradora da cidade Cerejeiras, ainda lembra os momentos de tensão, dor e a agonia dos camponeses que foram executados há 18 anos em Rondônia. "Eu sobrevivi o massacre. Só quem estava lá sabe o que aconteceu de verdade. Os homens chegaram às três e meia da manhã, de 1995 no acampamento. Jogaram gás lacrimogênio, dispararam bala de borracha e foram incendiando tudo. As pessoas não sabiam o que fazer, era tiro para todos os lados”, contou.

Rosimeire lembrou que várias mulheres e pessoas que estavam no acampamento dentro da fazenda foram humilhadas. "Quando clareou o dia, eles pediram para a gente deitar no chão e começaram a correr por cima de cada um. Um dos policiais ligou a motosserra e cortou a cabeça de um trabalhador. Fiquei duas horas sendo usada como escudo, rendida, enquanto outras mulheres eram agredidas e xingadas. Os policiais mataram dois companheiros nosso, eles colocavam revólver no ouvido", lamenta a trabalhadora. 

Segundo Rosimeire as famílias das vítimas querem indenização e respeito pelo sofrimento que passaram. "Nós queremos pelo menos que ajudem a gente, e as vítimas que ficaram com sequelas e que precisam de tratamento médico. Não queremos riqueza, só que façam um acordo com todos”, garantiu. 

"Ficamos esquecidos e temos muitas coisas ainda hoje para resolver. A emoção é grande quando a gente ver esses vídeos da tragédia. Tem muito trabalhador sofrendo até hoje", disse José Ferreira da Rocha, 41 anos, sobrevivente do massacre da Santa Elina.

Já o sobrevivente José Carlos Maria Alves disse que tem sequelas na cabeça e na perna. “Não queremos ficar ricos, mas precisamos ter condições de tratamento. Queria que o governador olhasse por nós, porque na hora de pedir votos, eles lembram da gente. Não somos bichos, queremos ser tratados como seres humanos”, disse ao mostrar uma fotografia das condições em que ficou na época, no chão do hospital, após ser ferido no confronto, em 9 de agosto de 1995.

Em seu pronunciamento, Itamar Costa, um dos sobreviventes do massacre em Corumbiara, relatou o sofrimento que passou e lamenta que até hoje nenhuma autoridade tenha se manifestado sobre o caso. “Até hoje, ninguém quis saber como estamos. Os sobreviventes sofrem com sequelas e problemas psicológicos. Precisamos de ajuda, mas somos tratados com desprezo”, lamentou. 

Em mais um relato, a sobrevivente Maria Aparecida Soares disse que a situação foi bem pior do que os relatos feitos pelos companheiros nesta tarde. Frisou que quem morreu foi para um lugar bem melhor, “nós que ficamos vivos estamos passando por um processo de tortura. A cada dia um novo sofrimento”. Ela pediu ao governador Confúcio Moura (PMDB) atenção especial neste caso. “Olhe com carinho, com o coração de uma mãe que olha para seus filhos. Queremos que a justiça seja feita. Apesar de que tudo isso que sentimos não vai passar nunca”, encerrou.

Edson Soares de Lima, vítima do massacre, relatou que tinha apenas 17 anos e que seu único objetivo era adquirir um pedaço de terra, porém a polícia tirou e o manteve preso por 24 horas, sob tortura. “Soube hoje que o Governo não pagou porque não há uma lei para isso. Porque os senhores deputados não fazem um orçamento, criam uma lei e votam favoráveis?” questionou. 

Em resposta o deputado Hermínio Coelho disse que “infelizmente o Legislativo não tem esse poder, já que se trata da verba do Governo. A iniciativa deve partir do Executivo, o único poder do Parlamento é aprovar o projeto”, assegurou.

Leoclides dos Santos agradeceu os deputados, a Fetagro e a CUT por este momento, para evitar que o massacre caia no esquecimento. “Fomos levados para Colorado como bandidos, em cima de um caminhão com feridos e pedimos que os levassem para o hospital e morreram por falta de atendimento. Se o governador tiver coração, que olhe por nós, porque ele prometeu nos ajudar e até agora nada”, relatou. 

Parlamentares e lideranças cobram fim do impasse 
O proponente da audiência, deputado Cláudio Carvalho, disse que até o momento essas vítimas não tiveram nenhum reparo. “Rondônia tem uma dívida com o massacre de Corumbiara. Desde que fiz este alerta passei a ser perseguido, dizendo até que sou ligado ao narcotráfico, sendo que nunca fumei um cigarro sequer. Me aconselharam para eu ficar quieto, mas não vou me calar, nem se for preciso perder o mandato. A resposta ao massacre tem sido o silêncio e a ausência”, frisou.

Ele disse que existem duas legislações sobre a indenização do massacre: a Lei nº 786/98 que autoriza o Poder Executivo a conceder pensão aos herdeiros de dois salários mínimos por vítima fatal ocorrida na Fazenda Santa Elina. Esta Lei foi alterada, 10 anos depois, pela Lei nº 1.866 que alterou o artigo 1º reduzindo a pensão dos herdeiros para um salario mínimo. “Querem que essas leis fiquem no esquecimento”, criticou.

Carvalho falou ainda que recebeu um documento onde consta o relato do trâmite de ações na justiça que se é questionada a prescrição dessas ações, mas os autores sustentam que com base no Código Civil e na Constituição Federal tal prescrição será limitar o direito à vida. “Esta audiência pública visa fazer com que o esforço da Assembleia Legislativa, Fetagro, sindicatos, igrejas e vítimas possa sensibilizar o Governo para que essas indenizações sejam pagas”, finalizou seu discurso convidando todos os presentes para de pé, clamar por justiça.

Representante das vítimas, Felipe Sviderski, também um dos sobreviventes do massacre, fez um pronunciamento emocionado, afirmando que um dia antes ao massacre, as autoridades foram até o local e abriram negociação com os trabalhadores, que no dia seguinte foram surpreendidos com a ação policial. 

“Por isso estou aqui para pedir das autoridades que seja criada uma lei para amparar as vítimas, pois tenho certeza que todos aqui nesta Casa irão aprovar”, ressaltou.

"O fato que ocorreu há 18 anos é uma vergonha. É um massacre que manchou nosso Brasil. Vem gente de fora, pesquisadores, jornalistas para fazer análise da situação, mas do Estado ninguém aparece para ajudar. Cadê a base do Governo na Assembleia para ouvir as vitimas nessa Audiência Pública? São fatos tristes. O mínimo que o Estado pode fazer é dar condições de vida para essas vítimas", protestou o vereador Valdinei Antônio Coelho. 

O defensor público Hélio Vicente de Matos colocou a Defensoria Pública de Rondônia à disposição de todos os sobreviventes de Corumbiara. Assegurou que a Defensoria poderá impetrar mandados de segurança para obter medicamento, inclusive tratamento psicólogo. “Estamos prontos para mover as ações necessárias para o SUS atender a todos os sobreviventes de Corumbiara. O STJ já pacificou esse tipo de ação e estamos à disposição para lutar e atender aos senhores”, completou.

Nos depoimentos, a cobrança de uma solução para o caso que se arrasta há anos e o relato do sofrimento das vítimas, que convivem até hoje com o medo, com problemas físicos e psicológicos decorrentes do massacre. Das autoridades, os trabalhadores receberam o compromisso de, numa ação em conjunto, cobrarem do Estado que cumpra a sua parte e faça justiça a quem foi atingido pela desastrosa ação policial.

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