Relatório sobre o inquérito policial sobre a morte de Renato Nathan Gonçalves Pereira (09/04/12)
Todos os seis crimes agrários acontecidos no estado de Rondônia durante 2012 até o momento permanecem na impunidade. Um deles foi o homicídio do Renato Nathan Gonçalves Pereira, assassinado em Jacinópolis (Nova Mamoré) nas proximidades de Buritis, Rondônia, em 09/04/2012.
A assessora jurídica da CPT RO, Lenir Corréia Coelho, tem acompanhado a pedido da família de Renato Nathan e da CPT RO o inquérito sobre esta morte, e tem elaboraod o presente relatório, mostrando a situação que envolveu o morte e o deplorável e suspeito estado em que está a elaboração do inquérito que deveria esclarecer a morte e procurar os culpados.
1 –
Histórico da Região
A região de Buritis no Estado de Rondônia engloba grande concentração
de terras irregulares, o que tem suscitado diversos conflitos entre camponeses
e latifundiários, somado com a falta de política agrária pelo Estado vem
impondo a luta pela terra como ordem cotidiana de centenas de famílias, que
expulsas de outras regiões do Estado de Rondônia pela expansão da agronegócio:
pecuária, soja e eucalipto, vêem na ocupação de terras na região como forma de garantir o sustento da família
sem abandonar o campo e se somar com os milhares de miseráveis das periferias
urbanas.
Nesse espaço social de constante conflito de disputa de terras, o
Estado pouco interfere a não ser para reprimir os agricultores, impondo-os as
forças dos órgãos da repressão: Polícia Militar, Polícia Civil, SEDAM, IBAMA e
outros órgãos que impedem de que o acesso à terra cumpra a sua função social.
Os grileiros, que em Rondônia, são figuras sociais importantes no campo
político, especuladores natos da terra, utilizam-se do aparato estatal para
manter suas posses, inclusive, utilizando-se de serviços de jagunços para
garantir que camponeses sem-terras façam a ocupação forçada que deveria ser
feita de força pacífica pelo Estado Democrático de Direito se esse aplicasse a
Constituição Federal no que tange ao cumprimento da função social da
propriedade
Em função do fluxo migratório interno e a grande extensão territorial
da área tem permitido o abuso e excesso de serviço pelos agentes públicos,
principalmente, das policias, que utilizam-se dos mais diversos tipos de
instrumentos para tentar “manter a ordem e a paz” na região; sendo constante o
registro de violações dos direitos humanos praticados pelos agentes policiais.
2 –
Chacina de Buritis
Conforme
matéria divulgada pela Polícia Militar nos sites:
No dia 05/04/2012, na Linha C-34, PA Rio Alto, distante cerca de 15 Km
da cidade de Buritis, entre os mortos três pessoas da cidade de Ouro Preto
D'Oeste, sendo eles; o Policial Civil Renato de Jesus Pereira, agente
penitenciário Pablio Gomes de Sales, o comprador de gado Moisés Rosa Gomes e
outras duas pessoas da região de Buritis, um deles identificado pelo apelido de
Tiãozinho e que era bastante conhecido no mundo do crime na região de
Jacinópolis e outro ainda não identificado.
De acordo com informações de amigos as três primeiras vítimas saíram da
cidade de Ouro Preto na manhã de ontem (05) em uma Hilux Placa NDS 3865, rumo à
propriedade na C-34 em Buritis para negociar um gado, existe a hipótese de que
quando eles chegaram na propriedade destino, haviam pelo menos quatro elementos
escondidos no local e quando entraram na porteira com a caminhonete foram
surpreendidos pelo bando, o policial civil reagiu e desceu da caminhonete e
conseguiu abater dois suspeitos (Tiãozinho e o outro não identificado), mas
sozinho não conseguiu escapar do restante da quadrilha que havia disparado
contra Moisés e Pablio, alvejados dentro da caminhonete aceleraram contra uma
cerca e pararam ao bater em um toco e morreram sentados no banco do veículo, o
policial Renato levou um tiro de calibre 12 na cabeça e morreu na hora, os
proprietários do sítio estavam viajando e a porta da casa estava arrombada, o
fato ocorreu por volta das 11hs, a polícia só foi comunicada por volta das 19
hs, também há informações de que junto na caminhonete estaria um taxista por
apelido barbante e que não foi encontrado no local, ao clarear o dia a Polícia
vai realizar mais buscas pelo local.
Não havia testemunhas para o fato, o que fez com que as investigações
fossem iniciadas imediatamente, inclusive com a presença do Delegado Cristiano Matos da cidade de Ouro
Preto esteve no local, e de Buritis a Delegada Fabiana, PM Capitão Faria, PM
Tenente Braguin e Policiais do GOE.
Registra-se que apesar de não ter sido achado o corpo no primeiro
momento e ter dado por desaparecido, o taxista Barbante era dos compradores de
gado e foi junto com os outros três de Ouro Preto, corpo que somente foi
encontrado morto no outro dia e bem mais longe da porteira onde ocorreu a chacina e os demais foram assassinados..
Deve tambÉm ser registrado que o policial Renatão e o agente
penitenciário Pablio estavam fazendo um serviço particular de “segurança” para
uma operação de compra de gado roubado, na hora do enfrentamento, tanto é fato
que estavam devidamente armados.
De
acordo com o Ministério Público, o Delegado Cristiano Martins Mattos e os
policiais civis Fernando dos Anjos Rodrigues e Eliomar Alves da Silva Freitas,
de Ouro Preto do Oeste/RO, torturaram o preso Adimar Dias de Souza, que teria
participado da chacina no município de Buritis e por isso foram afastados dos
cargos (http://www.rondoniagora.com/noticias/acusados-de-tortura-delegado-e-agentes-sao-afastados-em-ouro-preto-2012-09-06.htm). Este fato reforça a suspeita
do envolvimento da polícia na morte do Professor Renato.
3 –
Policiamento na Região
Registra-se que
tem sido prática constante da Polícia Militar e Civil na região, a abordagem de
camponeses e mesmo não apresentando qualquer documento autorizativo para tal
prática e sequer os camponeses autorizando, tiram fotos dos mesmos, informando
que é para o banco de dados da Polícia,
sem registro oficial, num claro
desrespeito ao direito individual de imagem. Trata-se de banco de dados similar
ao utilizado pela Polícia durante a Ditadura Militar.
As famílias da
região têm medo das polícias em virtude dos constantes registros de violência
praticado de forma desordenada pelos policiais, que agridem de forma
generalizada, ameaçando camponeses e contribuindo com a expulsão do campo, há
notícias que muitos policiais estariam à serviço de latifundiários da região
para garantir a segurança de suas fazendas.
4
– Renato Nathan
Renato Nathan Gonçalves Pereira, casado, pai de uma filha de 02 anos de
idade. Foi professor da Escola Popular por vários anos, ajudou na organização
da campanha de alfabetização de jovens e adultos, assim como contribuiu para a
construção de escolas e da produção na região de Buritis
Realizava serviços de topografia em sítios para instalação de redes
elétricas, assim, como participou do corte popular na região de Buritis e
Corumbiara, contribuindo diretamente para que as famílias tivesse acesso a
terra.
Era pessoa respeitada por todos e por isso era chamado de Professor,
pela disposição em contribuir com o
bem-estar coletivo.
5 –
Dia do Assassinato do Renato
As pessoas residentes na região apontam a presença de mais de 80
(oitenta) policiais e militares em Jacinópolis no dia do assassinato do Renato,
com forte aparato de armas, presença massiva com autorização ou não de
policiais de Ouro Preto do Oeste/RO. O clima era de terror na região em virtude
do policiamento ostensivo, as pessoas não conseguiam transitar livremente.
A polícia abordava de forma agressiva os moradores, fazendo perguntas e
exigindo respostas, ameaçando todos para que entregassem os assassinos do
Policial Civil Renatão e do Agente Penitenciário Pablio, mortos durante a
chacina.
Moradores de Jacinópolis viram o Renato deslocar-se para sua casa por
volta das 16 horas da tarde, assim, como viram policiais indo para o mesmo
sentido. Depois, a notícia que se teve foi do assassinato do Renato.
6
– Instauração do Inquérito
O inquérito foi instaurado no dia 13/04/2012, sob o n.º 070/2012/DP/BU,
tendo como Delegada responsável: Fabiana M. De Oliveira Braguin, sendo que até
o presente momento: novembro/2012 não foi feito nenhum ato de oitiva de
testemunhas, perícias nos objetos apreendidos, notificações ou mesmo oitiva de
parentes do Renato Nathan.
O inquérito foi destinado para a operação Jamari, onde ficou 120 dias,
sendo que nada foi realizado também, somente uma diligência para ver se
encontrava pessoas para serem ouvidas, no que não encontraram, sendo fato que
sequer ouviram as pessoas que noticiaram o corpo assassinado.
O mesmo encontra-se na DP de Buritis e como tantos outros será
provavelmente arquivado, mesmo estando eivado de erros e claramente comprovado
que o assassinato do Renato Nathan está
relacionado a intervenção violenta das polícias na região.
7 -
Falhas e contradições do inquérito
7.1
– Hora do Falecimento:
- Na Portaria consta o homicídio como ocorrido no dia 10/04/2012, por
volta de 8:30 horas (fls. 02);
- Na Ocorrência da Polícia Civil
consta o homicídio ocorrido no dia 09/04/2012, as 07 horas (fls. 03);
- No Boletim de Ocorrência Policial da Polícia Militar e o homicídio
como ocorrido as 07 horas do dia 09/04/2012 (fls. 05);
- No Laudo Cadavérico consta como horário as 21 horas do dia 09/04/2012
(fls. 17);
-
Na Certidão de Óbito consta como horário as 21
horas do dia 09/04/2012 (em apenso).
7.2
– Fotos do local do homicídio:
Registra-se que a PM não levou nenhum perito para fazer a perícia,
compareceu ao local sem comunicar a PC para acompanhá-los, mesmo sabendo,
antecipadamente, que havia um corpo no local com perfuração de bala:
“Após informações da testemunha, o Sr. Roberto
Tavares. Está guarnição deslocou-se até o local dos fatos onde constatou a
vítima de nome Renato Nathan Gonçalves Pereira caído no solo...” (fls. 06);
Portanto, tinham informações prévias que permitiam acionar a perícia
criminal para comparecer no local.
As fotos foram tiradas pela Agência Funerária, observe-se que a
funerária foi avisada para comparecer no local e recolher o corpo, enquanto que
a perícia criminal não. Os agentes funerários tiraram fotos, mesmo tendo acesso
a todas as fotos tiradas, somente juntaram no inquérito as fotos constantes as
fls. 24/29, deixando de fora foto que mostra as lesões no pescoço e perito da
vítima (em apenso).
A posição do Renato nas fotos mostram claramente que o mesmo foi
executado: marcas no joelho, marcas de sufocamento no rosto, enfim, mostram
claramente que o mesmo foi executado e provavelmente, com a participação direta
da Polícia de Rondônia.
7.3
– Falta de perícia:
Não houve perícia no local do crime; não houve perícia na moto, sendo
que a moto após ser retirada da DP de
Buritis foi deslocada para Oficina Mecânica para desempeno de aro, numa clara
demonstração de que a mesma havia sido forçada a parar, numa tipica manobra de
parada à força (“no tranco”, como se diz na gíria popular).
Sequer os policiais fizeram relato do local do crime, nem se
preocuparam em verificar se havia elementos que demonstrassem que havia outras
armas no local, marcas de luta ou de outros veículos.
Não houve perícia nos cartuchos de balas entregues a Polícia Civil para
verificar se o calibre utilizado era
compatível com as perfurações do corpo da vítima ou se será compatível
com as armas utilizadas pela polícia. Registra-se que o médico que fez o Laudo
Cadavérico sequer retirou a/as
bala/balas do corpo da vítima, sendo esse serviço realizado pela Funerária.
Os pertences de Renato retirados de sua casa também não foram
destinados para perícias, encontrando-se na DP e conforme falas dos delegados:
Fabiana, Lucas e Núbio são materiais de guerrilha (sic), portanto, só seriam
devolvidos mediante autorização judicial
(a ação já foi protocolada, mas, o juiz
ainda não despachou - isso faz
mais de sessenta dias para uma petição simples ser apreciada).
O GPS do Renato não foi periciado, sendo entregue para a PM; por pertencer ao irmão, este juntou
Nota Fiscal e pediu devolução, no que foi concedido, inicialmente
disseram que estava sendo utilizado em campo, depois, certificaram do
desaparecimento do mesmo na DP; ou seja, apropriaram-se indevidamente de bens
do Renato e seus familiares.
7.4
– Invasão da Casa:
Há depoimentos e vídeos que demonstram que o Comandante Coronel Enedy
de Araújo compareceu na casa do Renato e contribuiu com a invasão, mas, o mesmo
não assina o Boletim de Ocorrência da Polícia Militar. Registra-se que a
invasão se deu logo após encontrar o corpo e o Comandante fica na cidade de
Ariquemes, há mais de 200 km retirados do local dos fatos. Distância
considerável para um comandante se deslocar para apurar um simples homicídio.
Registra-se que tratou-se de uma invasão a propriedade, pois, havia com
o Renato todas as informações, dados e contatos telefônicos necessários para
entrar em contato com os familiares, portanto, desnecessária a invasão brusca e
violenta à sua residência.
Além de invadirem a casa, vasculharem todos os seus pertences,
apoderaram de seus materiais pessoais como se fossem troféus, inclusive,
cavaram em volta de sua casa como se buscassem objetos escondidos na terra.
7.5–
Laudo Cadavérico
O agente funerário, familiares e amigos que viram o corpo do Renato ser
limpo para o funeral, afirmaram categoricamente que o corpo apresentava marcas
de torturas, mesmo assim, o laudo cadavérico não apresenta esses elementos,
sequer traz com clareza quantas balas perfuram a o corpo do Renato.
O laudo não traz com precisão a entrada e saída das balas da cabeça do
Renato Nathan, não mostra se havia
marcas em outras partes do corpo.
Trata-se de laudo incompleto, incoerente, típico de perícia para
encobrir lesões provocadas pela polícia, muito utilizado durante a Ditadura
Militar no Brasil.
7.6
– Criminalização da vítima
Tanto o Comandante Coronel Enedy de Araújo como o Delegado de Polícia
Civil Lucas Torres fizeram uso excessivo da imprensa, principalmente, dos
veículos jornalísticos disponibilizados pela internet para divulgarem notas
informando os materiais que foram encontrados na casa da vítima, escondendo a
invasão, vangloriando de terem encontrado material subversivo (livros, mapas e
roupas!!! Enfim, ser leitor e autodidata nesse país deve ser crime em alguma
lei!!!)
Utilização, sem autorização de familiares, de fotos pessoais da vítima,
que estavam em seu celular para divulgação de imagem da vítima associando
Renato a guerrilheiro e terrorista.
Sequer se preocuparam em relatar o contexto em que o corpo do Renato
Nathan foi encontrado, preocupando-se em mostrá-lo como o único responsável
pelo seu assassinato, eximindo assim o Estado de apurar o crime.
O Comandante Coronel Enedy de Araújo, que tem um histórico militar de
perseguição a LCP no Estado de Rondônia, não explicou o que fazia na casa do
Renato, sequer foi ouvido no inquérito; mesmo sabendo que Renato Nathan, quanto professor, sempre ajudou a
organização do povo na luta por escola e por permanência na terra.
8 –
Impressões e Indicações
Vê-se claramente erros grosseiros na condução do inquérito, a pressa em
transformar a vítima em acusado tem o escopo de encobrir o crime praticado por
policiais.
Registra-se que a primeira cópia do inquérito foi realizada em
maio/2012 (cópia do requerimento em apenso), nessa data o inquérito era de
competência da Dra. Fabiana e não havia nenhuma ordem de serviço, mesmo assim, o
Dr. Lucas Torres, delegado titular de Buritis/RO, respondeu ao Ouvidor Agrário
Nacional afirmando que já havia ouvido familiares sobre o caso (até o presente
momento isso não aconteceu).
No dia da cópia, maio/2012, a esposa do Renato: Sra. Ludimila compareceu
na DP de Buritis/RO e não foi ouvida, o Delegado Dr. Lucas Torres disse que não
iria ouvi-la, pois, o inquérito estava sendo destinado para a operação Jamari;
portanto, não explicou porque disse que havia ouvido seus familiares para a
Ouvidoria Agrária Nacional, se não havia feito isso.
Precisa ser esclarecido:
-
O porquê de não ter perito durante a retirada do
corpo, já que sabiam do assassinato;
-
O porquê não foram ouvidos as polícias de Ouro
Preto que estavam na região de Jacinópolis e tiveram contato com Renato;
-
O porquê do laudo cadavérico estar incompleto;
-
O porquê dos materiais do Renato não terem sido
periciados;
-
O porquê da retirada dos materiais pessoais:
roupas e livros da casa do Renato;
-
O porquê do Comandante Coronel Enedy de
Araújo estar na casa do Renato durante a
invasão policial;
-
O porquê do Delegado Dr. Lucas Torres não ter
realizado a investigação antes de divulgar na imprensa que o Renato Nathan era
guerrilheiro – inclusive, explicando a partir de qual constatação fez essa
relação;
-
O porquê dos P2 da Polícia Militar estarem
investigando a vida de Renato Nathan na região e desta forma saberem tão bem
quem era Renato e onde estava localizada a sua casa;
-
O porquê da invasão da casa do Renato, já que
tinha todos os dados de identificação junto com o corpo;
-
O porquê que até agora não foi ouvido o agente
funerário;
-
O porquê não foram ouvidos as pessoas que
encontraram o corpo do Renato;
-
O porquê o Dr. Lucas não efetuou a devolução dos
bens do Renato;
-
O porquê do GPS do Renato ter sido entregue pela
Dra. Fabiana para a PM;
-
O porquê da DP de Buritis em esconder a verdade
sobre o assassinato do Renato Nathan;
-
O porquê da demora de encaminhar o inquérito.
Enfim, somente a divulgação desses fatos e a pressão popular permitirá
a apuração da verdade, do contrário,
teremos mais um lutador do povo esquecido e abandonado pelo Estado.
O que fica é a certeza clara de que o Estado é responsável por mais
esse assassinato e fica escondendo através de sua permanente incompetência os
fatos e atos capazes de apurar as responsabilidades.
(Elaborado por: Lenir Correia Coelho
– advogada popular em Rondônia, militante da Rede de Advogadas e Advogados
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