A violação dos direitos humanos nas obras das Usinas de Jirau e Santo Antônio. Entrevista com Dom Esmeraldo Barreto de Farias

Adital
Quinta, 14 de junho de 2012
A necessidade da audiência com o ministro Gilberto Carvalho nasceu da realização da Audiência Pública sobre as violações dos direitos humanos aos trabalhadores das usinas do Madeira, patrocinado pela Comissão Pastoral da Terra de Rondônia – CPT, no dia 30 de março de 2012, lembra o arcebispo.
Dom Esmeraldo Barreto de Farias, ao responder como o ministro Gilberto Carvalho reagiu diante dos seus relatos sobre a situação trabalhista de Jirau e Santo Antônio, afirma, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, que o ministro reagiu desejando conhecer mais de perto a situação, pois ele sabe que "está em jogo não somente um investimento de milhões e milhões, mas milhares de vidas humanas, de pais de famílias, em sua grande maioria, que se deslocam de várias regiões do Brasil e tanto se sacrificam para ganharem o pão de cada dia para o sustento de suas famílias. Ele fez várias perguntas dando a entender sua preocupação”, frisa.
Segundo ele, a Carta de Porto Velho, que entregou ao ministro, coloca fatos bem concretos a partir das constatações feitas pelo Ministério Publico do Trabalho com as denúncias dos trabalhadores, as visitas feitas in loco, participação em reuniões e assembleias. "Na carta, encontramos também observações bem fundadas e propostas diante da situação que tem gerado preocupação, medo e sofrimento. A carta levanta a grande questão a respeito do modo como é feito o contrato entre o governo federal e a empresa que vence a concorrência: de quem é a responsabilidade para que os direitos trabalhistas dos trabalhadores contratados para serviços nos empreendimentos sejam respeitados e garantidos? Na situação das Usinas Hidrelétrica do Madeira, quantos são os trabalhadores contratados pelo consórcio que venceu a concorrência? Na verdade, não deve corresponder a um por centro do total.”

E continua: "como cheguei a Porto Velho no início de março deste ano, de fato não acompanhei mais de perto todo o processo. Creio que precisamos reunir mais pessoas para que se possa refletir com toda profundidade sobre estes assuntos e descobrir meios que possam sensibilizar ainda mais a opinião pública, pois são assuntos de muita importância.” Para o arcebispo, "não podemos desistir de acompanhar o que está acontecendo na vida do povo, refletir, analisar, denunciar o que prejudica a vida das pessoas, especialmente dos pobres e de propor o que, a partir desse acompanhamento, vamos vendo, escutando, sentindo e percebendo como luz de Deus. A vida precisa estar em primeiro lugar e não o afã do lucro cabeça de um modelo de desenvolvimento que não respeita a vida humana e o meio ambiente. Mesmo se não conseguimos muitos avanços, só não poderão nos acusar de omissão”.

Dom Esmeraldo Barreto de Farias
(foto) é o arcebispo de Porto Velho, Rondônia. Ao ser nomeado arcebispo de Porto Velho, era bispo de Santarém, Pará. Também foi bispo de Paulo Afonso, na Bahia.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como foi sua reunião com Gilberto Carvalho? Que aspectos destacaria?
Dom Esmeraldo Barreto de Farias – A necessidade da audiência com o ministro Gilberto Carvalho nasceu da realização da Audiência Pública sobre as violações dos direitos humanos aos trabalhadores das usinas do Madeira, patrocinado pela Comissão Pastoral da Terra de Rondônia – CPT, no dia 30 de março de 2012, no Auditório Dom João Batista da Costa, anexo à Catedral, na Cidade de Porto Velho, capital do estado de Rondônia. Essa audiência contou com a participação de trabalhadores das usinas que estão sendo construídas no rio Madeira prejudicados em seus direitos e também com a participação de órgãos e instituições públicas como a Igreja Católica, Procuradoria Regional do Trabalho da 14ª Região, Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, Comissão e Direitos Humanos da Seccional OAB/RO, Comissão de Monitoramento do Controle dos Impactos das Hidrelétricas do Madeira Ministério Público Estadual, Comitê Permanente Regional das Comissões de Meio Ambiente de Trabalho da Indústria da Construção CPR-RO, Procuradoria da República no estado de Rondônia, Sindicato da Construção Civil do estado de Rondônia STICCERO, além de outras pessoas interessadas no tema.
Resultado
Ao final da referida Audiência Pública, ficou sugerida a redação de uma carta que deveria ser entregue a representantes do governo federal. Então, através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, encaminhamos um pedido de audiência com o Senhor Ministro-Chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho. Tendo sido marcada a audiência para o dia 8 de junho passado, vimos a importância da presença do Dr. Ailton Vieira dos Santos, Procurador Chefe do Ministério Público do Trabalho em Rondônia e do Dr. Francisco José Pinheiro Cruz, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho – 14ª Região, pessoas competentes que têm acompanhado o processo há vários anos.
Reunião
A reunião foi muito interessante porque, a partir de fatos bem concretos, fizemos ver ao ministro fatos graves presentes em empreendimentos que são financiados com recursos do BNDES, oriundos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT e no que diz respeito ao próprio modo como os contratos administrativos são firmados entre a União Federal e a Concessionária ou empresa vencedora do certame público. O fato de que nos contratos não é determinada a responsabilidade solidária (da Concessionária e da empresa Contratada) por todos os encargos sociais e direitos trabalhistas, vedada a subcontratação, deixa todo o caminho aberto para a prática do desrespeito aos direitos dos trabalhadores, pois, se acontece um problema com a empresa subcontratada, quem vai responder? O ministro esteve muito atento a essa questão.
Creio que o melhor é conhecer o texto da Carta de Porto Velho assinada pelos representantes das várias entidades presentes na Audiência Pública do dia 30 de março, pois coloca fatos, faz observações e apresenta propostas. Eis a carta:
"Os relatos e informações colhidos na Audiência Pública evidenciam a ocorrência de graves violações a direitos humanos trabalhistas nas obras das UHE de Jirau e Santo Antônio, a exemplo de acidentes de trabalho sem notificação aos órgãos competentes e sem o atendimento médico devido, prática do crime de aliciamento de trabalhadores previsto no art. 207 do Código Penal, jornadas exaustivas em atividades de risco, trabalho de menores e trabalho escravo. Registra-se que já existem duas empresas – Construtora BS LTDA e Manoel Marchetti Indústria e Comércio LTDA – contratadas pela concessionária Energia Sustentável do Brasil S/A (ESBR) na UHE JIRAU que comprovadamente submeteram trabalhadores a condições análogas à de escravo – crime previsto no art. 149 do Código Penal – e constam da ‘lista suja’ do trabalho escravo instituída pela Portaria Conjunta MTE/SDH-PR n. 02/2011.
Há registros ainda de que a maioria dos milhares de trabalhadores contratados nas Usinas de Jirau e Santo Antônio são oriundos de outras Unidades da Federação, especialmente da região nordeste, alguns trazidos para as obras por "gatos” ou outros meios ilícitos, mas estes são propositalmente registrados pelos empreendimentos como se fossem residentes e domiciliados em Porto Velho-RO, com o fim de frustrar, mediante fraude, direitos trabalhistas previstos em lei e nos acordos e convenções coletivas de trabalho – crime previsto no art. 203 do Código Penal –, a exemplo do direito de visita remunerada às suas famílias a cada três meses e do direito de pagamento pelas empresas das despesas de transporte no início e no final do contrato de trabalho. Uma consulta feita pelo Ministério Público do Trabalho junto à Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego resultou na informação de que não existem quaisquer registros de expedição da Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhadores (CDTT) – prevista na Instrução Normativa SIT/MTE n. 90, de 28.04.2011 –, de outros Estados para as obras das Usinas do Madeira, documento este obrigatório e indispensável para contratação de trabalhadores para atuarem fora de seus domicílios e para garantir os direitos trabalhistas desde a admissão no Estado de origem até o retorno do trabalhador a sua residência ao final do contrato de trabalho, inclusive eventuais acidentes de percurso.
Prática abusiva e disseminada da "terceirização”
Outra grave constatação de violação aos direitos humanos trabalhistas tem origem na prática abusiva e disseminada da "terceirização”, mediante a contratação e subcontratação de empresas sem qualquer idoneidade financeira e técnica para suportar os encargos decorrentes dos contratos de trabalho, gerando a sonegação de direitos trabalhistas e de contribuições sociais e tributárias, inclusive do FGTS — Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, utilizado para financiar obras públicas. A "engenharia contratual” empregada pela ESBR tem culminado no abandono dos trabalhadores no canteiro de obras (via de regra, contratados em outros Estados da Federação), que, sem nenhum recurso para subsistência própria e de seus familiares e dependentes, se veem impedidos de obter outros empregos (por conta da recusa das empresas em contratar trabalhadores cujas CTPS não tenham a respectiva baixa do contrato de trabalho anterior) e de retornarem aos seus Estados de origem e passam a perambular pelas ruas, sem qualquer assistência e amparo social, dependendo de instituições de caridade para acolhimento e sobrevivência, a exemplo dos cerca de 80 (oitenta) trabalhadores das empresas WPG, TPC e DOMINANTE, atualmente abandonados em Porto Velho.
De acordo com a atuação dos órgãos de fiscalização e com os documentos produzidos, a prática disseminada da terceirização na UHE JIRAU constitui o cerne irradiador de cerca de 90% das violações a direitos trabalhistas e às condições de saúde e segurança dos trabalhadores. A terceirização também está diretamente ligada à insatisfação manifestada reiteradamente pelos trabalhadores do empreendimento e às revoltas e conflitos trabalhistas lá ocorridos. São exemplos de situações que geram insatisfação: salários diferentes para funções idênticas; condições de trabalho e alojamento diferenciadas, impostas a trabalhadores que atuam no mesmo local; criação de categorias diferentes de trabalhadores que desempenham a mesma função dentro do mesmo local de trabalho; as distintas políticas remuneratórias de cada empresa, gerando, para uma mesma vantagem, pagamento de valores distintos (vide auxílio-alimentação da empresa ENESA, mais vantajoso, que motivou a paralisação das atividades da empresa Camargo Correa, durante as revoltas e greves dos anos de 2011 e 2012), dentre outras condutas discriminatórias e lesivas.
Vale ressaltar que, em casos tais, que ocorrem frequentemente na UHE Jirau, a concessionária Energia Sustentável do Brasil S/A (ESBR) se nega veementemente a assumir quaisquer responsabilidades para com a quitação dos direitos trabalhistas sonegados e o retorno dos trabalhadores aos Estados de origem.
Abuso
O grau de abuso na prática da "terceirização” pode ser aferido a partir da quantidade de empregados próprios que integram o quadro da Concessionária ESBR, em torno de 60 (sessenta) empregados, que basicamente atuam na gestão de contratos de execução de serviços firmados com as empresas terceirizadas (que somam aproximadamente quatrocentos contratos, considerados apenas aqueles firmados pela ESBR, sem levar em conta as centenas de outros contratos firmados pelas suas terceirizadas com ‘quartas’ empresas), enquanto os empreendimentos (Usinas do Madeira), considerados as maiores obras do PAC em andamento, já chegaram a empregar mais de 40.000 (quarenta mil) trabalhadores diretos. Embora seja concessionária de uso de bem público, que assumiu em contrato administrativo firmado com a União Federal (por intermédio do Ministério das Minas e Energia) o encargo de construir a UHE Jirau (e a benesse de explorar a concessão por 35 anos), a ESBR enveredou pela conduta de rejeitar a sua responsabilidade pelos danos sociais trabalhistas causados por ela própria aos trabalhadores da obra, em contrariedade às cláusulas do contrato de concessão.

Destaque-se que a quase totalidade dos recursos utilizados para a consecução das obras da UHE Jirau e Santo Antônio são oriundos de financiamentos públicos, por intermédio do BNDES, que recebe aportes de capital do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT.

Até o mesmo o constitucional direito de ir e vir sofre indevida restrição no âmbito da UHE Jirau, uma vez que as pessoas ligadas a entidades de assistência humanitária, religiosa e de pesquisa acadêmica, inclusive o próprio sindicato da categoria profissional, dentre outros, encontram dificuldade de acesso e justificativas infundadas para a recusa. Cumpre mencionar que os alojamentos de todos os milhares de trabalhadores estão posicionados ao lado do canteiro de obras e a limitação de acesso ao canteiro acaba alcançando também os alojados, mesmo quando não estão no exercício de sua atividade laboral.

Diante do exposto, foram extraídas da sobredita Audiência Pública as propostas de ações e providências a seguir elencadas, a serem observadas e implementadas pelo Poder Público quando da outorga – ou como condição para a manutenção – da concessão a obra e durante a execução desta, ora em andamento e em futuros empreendimentos a serem realizados pelo governo federal, no propósito de minimizar as situações de precarização a que são submetidos os trabalhadores que laboram para a materialização dos grandes projetos nacionais:
1. Instituir condicionante sociotrabalhista de modo a incluir nos editais de licitação e nos contratos administrativos firmados, relativos a obras públicas a vedação à prática da terceirização, ressalvada apenas a execução de serviços específicos por empresas comprovadamente especializadas, informadas previamente por ocasião da apresentação da proposta no certame público, vedada a subcontratação. No caso de contratação de empresa comprovadamente especializada, incluir no contrato administrativo cláusula de responsabilidade direta e solidária da Concessionária pelos vínculos empregatícios, meio ambiente de trabalho e direitos sociais trabalhistas.
2. Os futuros contratos administrativos firmados pela União Federal (administração direta e indireta) deverão conter cláusulas estabelecendo expressamente a assunção direta dos vínculos empregatícios de todos os trabalhadores que atuarem no empreendimento e a responsabilidade direta da Concessionária ou empresa vencedora do certame público por todos os encargos sociais e direitos trabalhistas, vedada a transferência destes a terceiros.
3. Aditar os contratos administrativos firmados pela União Federal (administração direta e indireta) com as Concessionárias das UHE de Jirau e Santo Antônio, de modo a excluir das suas cláusulas a previsão de que a execução das obras pode ser realizada por terceiros. Nas hipóteses de execução de serviços especializados por empresas de reconhecida capacidade técnica, seja realizado o aditamento dos contratos vigentes para inclusão de cláusula expressa prevendo a responsabilidade solidária (da Concessionária e da empresa Contratada) por todos os encargos sociais e direitos trabalhistas, vedada a subcontratação.
4. Nos termos das cláusulas sociais assumidas publicamente pelo BNDES no ano de 2008 e da previsão contida no art. 4º da Lei n. 11.948/2009, diante da constatação de trabalho escravo e desrespeito aos direitos sociais constitucionalmente garantidos aos trabalhadores na obra da UHE Jirau, inclusive com o abandono de grupos de trabalhadores nos canteiros de obras, a imediata suspensão das transferências de recursos públicos do BNDES (e do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT) para a concessionária Energia Sustentável do Brasil S/A – ESBR (cuja composição societária é integrada pelas empresas GDF SUEZ, Camargo Corrêa, Eletrosul e Chesf), e a exigência pelo Banco do vencimento antecipado do contrato de financiamento, até a cessação de todas as violações aos direitos humanos trabalhistas constatados, atestada pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho, notadamente o Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério Público do Trabalho.
5. Criar, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, o cadastro de Empregadores que tenham violado direitos trabalhistas e as condições de saúde e segurança do trabalhador, nos moldes idênticos ao cadastro criado pela Portaria MTE n. 540/2004, posteriormente revogada, e atualmente sob a regência da Portaria Conjunta n. 02/2011, do MTE e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH/PR.
6. Instar o BNDES a realizar acompanhamento e fiscalizações sobre cumprimento da legislação trabalhista, por seus prepostos e a partir dos relatórios de fiscalização e autos de infração lavrados pela fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego e ações trabalhistas ajuizadas perante a Justiça do Trabalho (em relação à empresa concessionária ou principal e a suas terceirizadas ou subcontratadas), a serem obrigatoriamente considerados, de modo a suspender o repasse e liberação de novas parcelas do financiamento ou empréstimo em casos de violações a normas trabalhistas, sem prejuízo da antecipação do vencimento de parcelas de empréstimos já concedidos.
7. Estabelecer uma matriz de responsabilidades, obrigações sociais e trabalhistas relativas a obras públicas, antes do início do empreendimento.
8. Fiscalizar e exigir o cumprimento das instruções do MTE (IN e 76/2009 e IN 90/2011) que dispõem sobre a emissão da CDTT (Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhadores) e das normas trabalhistas para que os trabalhadores arregimentados em outras regiões do País se desloquem com garantia do emprego e com plena informação sobre as condições, direitos e deveres que abrangem o contrato de trabalho, inclusive protegidos por eventuais acidentes de percurso; corrigir a redação do Anexo I da IN 90/2011, para contemplar qualquer meio de transporte (e não somente veículo terrestre – ônibus), sob pena de indevida discriminação para com os trabalhadores transportados por avião ou outro meio (barco, comum na região amazônica).
9. Criar o comitê de fiscalização, monitoramento e acompanhamento das grandes obras públicas, a ser feita pelo Poder concedente (União Federal), sediado no local de realização da obra, integrado pelos diversos órgãos do governo federal e pela sociedade civil organizada, de modo a acompanhar e aferir se as cláusulas contratuais e condicionantes constantes do contrato de concessão e dos contratos de financiamento conexos estão sendo observadas, a fim de viabilizar a aplicação das sanções previstas em contrato em caso de descumprimento e/ou correção das irregularidades e desvios constatados.
10. Instalar nas proximidades dos canteiros de obras dos grandes empreendimentos unidades de atendimento e prestação dos serviços públicos básicos e necessários ao exercício da cidadania (com estrutura e quantitativo de pessoal adequados e bem dimensionados), a exemplo de segurança pública, saúde, educação, transporte, fiscalização do trabalho, justiça do trabalho, dentre outros serviços públicos essenciais.
11. Resguardar o direito de ir e vir dos trabalhadores e das pessoas vinculadas a entidades que prestam assistência humanitária, religiosa e que realizam pesquisas junto aos alojados, removendo as restrições injustificadas no acesso ao canteiro de obras da UHE Jirau, impostas pelas empresas ESBR e suas contratadas. Porto Velho, 30 de março de 2012.”
IHU On-Line – Como Gilberto Carvalho reagiu diante dos seus relatos sobre a situação trabalhista de Jirau e Santo Antônio?
Dom Esmeraldo Barreto de Farias – O ministro reagiu desejando conhecer mais de perto a situação, pois ele sabe que está em jogo não somente um investimento de milhões e milhões, mas milhares de vidas humanas, de pais de famílias, em sua grande maioria, que se deslocam de várias regiões do Brasil e tanto se sacrificam para ganharem o pão de cada dia para o sustento de suas famílias. Ele fez várias perguntas dando a entender sua preocupação.
IHU On-Line – Em que consiste a Carta de Porto Velho, entregue ao ministro?
Dom Esmeraldo Barreto de Farias – A carta coloca fatos bem concretos, a partir das constatações feitas pelo Ministério Publico do Trabalho com as denúncias dos trabalhadores, as visitas feitas in loco, participação em reuniões e assembleias. Na carta, encontramos também observações bem fundadas e propostas diante da situação que tem gerado preocupação, medo e sofrimento. A carta levanta a grande questão a respeito do modo como é feito o contrato entre o governo federal e a empresa que vence a concorrência: de quem é a responsabilidade para que os direitos trabalhistas dos trabalhadores contratados para serviços nos empreendimentos sejam respeitados e garantidos? Na situação das Usinas Hidrelétrica do Madeira, quantos são os trabalhadores contratados pelo consórcio que venceu a concorrência? Na verdade, não deve corresponder a um por centro do total.
IHU On-Line – O senhor acreditava ou tinha esperanças de que, a partir da sua conversa com Gilberto Carvalho, o governo poderia se posicionar de outra forma em relação às hidrelétricas?
Dom Esmeraldo Barreto de Farias – É evidente que a carta propõe fortes mudanças diante do atual posicionamento do governo que deixa a porta aberta para o desrespeito aos direitos destes trabalhadores não só nas usinas do Madeira, mas em todos os demais empreendimentos do governo federal que seguem o mesmo padrão de contrato administrativo. Na audiência com o ministro, pelo seu posicionamento fica claro que essa mudança é possível. Mas, para que isso aconteça, certamente a mobilização precisa continuar, bem como os estudos e acompanhamento por parte de quem, comprometido com o bem comum e com a defesa da vida, luta por um desenvolvimento integral, respeitoso da vida humana, da natureza, das culturas, pois outras obras estão em andamento ou serão iniciadas em breve. O ministro pediu que outras informações lhe fossem enviadas também no que diz respeito a outras consequências sociais da construção das hidrelétricas.
IHU On-Line – Como o senhor vê a posição do governo em relação à construção de hidrelétricas, especialmente em Tapajós? Como o complexo hidrelétrico anunciado para o próximo ano irá impactar a população que aí vive?
Dom Esmeraldo Barreto de Farias – O que tem aparecido de forma muito clara, especialmente na imprensa, é que a Amazônia é vista como o grande potencial para a construção de hidrelétricas a fim de abastecer o centro sul do país, sem a preocupação com todas as consequências para o meio ambiente e para a população que vive integrada aos rios que não é só meio de sobrevivência (no sentido econômico), mas também faz parte de sua vida, de sua cultura.
Na área do Tapajós, escutei em muitas comunidades a preocupação com o que poderá acontecer com o rio, com os ribeirinhos, com os indígenas, com os peixes e outros animais, com a vegetação... Passando a água a estar a serviço, em primeiro lugar, da produção de energia elétrica, e se se quer garantir uma determinada quantidade de energia nas várias etapas do ano, então se as comunidades vão ser prejudicadas em relação ao transporte fluvial, à pesca, ao seu modo de viver, isso ficará para um quarto ou quinto plano... E isso com certeza irá acontecer, especialmente no período de agosto a dezembro, quando as águas estão muito baixas.
Por trás de tudo, está o modelo de desenvolvimento que visa atender a certos interesses. A dívida social para com os desalojados das barragens continua sendo muito grande. Em 2007, os índios Tuchá (município de Rodelas-BA), 18 anos depois de serem desalojados de sua terra nas ilhas e às margens do rio São Francisco, ainda continuavam sem a terra que havia sido prometida, residindo num bairro da cidade de Rodelas.
IHU On-Line – Qual a consequência das hidrelétricas para Porto Velho?
Dom Esmeraldo Barreto de Farias – Até o momento, são várias:
a) Pessoas que moravam à margem do rio receberam a casa nova, mas estão sem o seu meio de sobrevivência: o próprio rio, pois agora moram em área de terra muito ácida, cheia de cascalho e não encontram mais o peixe na barragem cheia. Antes, era uma fartura. Isso acontece, por exemplo, na vila Nova do Teotônio, próxima à Barragem de Santo Antonio. De quem é a responsabilidade? Há mais de um ano as várias famílias desenraizadas estão sem ter de que sobreviver.
b) O empreendimento teve início e o projeto não se perguntou e tomou providências: Quem vai cuidar da saúde de milhares de trabalhadores? Quem vai cuidar da segurança? Quem vai zelar pela defesa da vida de tantas adolescentes que são atraídas à prostituição?
c) Quem vai estar ao lado dos trabalhadores para que seus direitos sejam respeitados; ainda mais quando se leva em conta todos aqueles que vieram de outros estados do Brasil?
d) Trabalhadores que estão sem receber salários e outros direitos desde novembro. Quem responde por isso? A empresa que tem sede no Rio de Janeiro ou em outra cidade distante de Porto Velho?
IHU On-Line – Diversos bispos, a exemplo do senhor, e também de Dom Erwin Kräutler, tentaram dialogar com o governo federal para impedir a construção de hidrelétricas como as de Jirau, Madeira e Belo Monte. Considerando a inflexibilidade do governo em negociar este assunto, como resolver essa questão?
Dom Esmeraldo Barreto de Farias – Como cheguei a Porto Velho no início de março deste ano, de fato não acompanhei mais de perto todo o processo. Creio que precisamos reunir mais pessoas para que se possa refletir com toda profundidade sobre tais assuntos e descobrir meios que possam sensibilizar ainda mais a opinião pública, pois são assuntos de muita importância. Não podemos desistir de acompanhar o que está acontecendo na vida do povo, refletir, analisar, denunciar o que prejudica a vida das pessoas, especialmente dos pobres e de propor o que, a partir desse acompanhamento, vamos vendo, escutando, sentindo e percebendo como luz de Deus. A vida precisa estar em primeiro lugar e não o afã do lucro cabeça de um modelo de desenvolvimento que não respeita a vida humana e o meio ambiente. Mesmo se não conseguimos muitos avanços, só não poderão nos acusar de omissão.
IHU On-Line – O senhor já foi bispo de Santarém e foi nomeado em novembro de 2011 como arcebispo de Porto Velho. Quais os desafios de atuar na região Norte do país?
Dom Esmeraldo Barreto de Farias – Os desafios são vários e alguns não são específicos da Região Amazônica.
a) A banalização da vida: a violência, a droga...
b) A complexidade da sociedade de hoje: mudança de época.
c) O mundo do subjetivismo, do relativismo e do consumismo, levando também à busca de uma expressão religiosa que traga bem-estar para o indivíduo, sem compromisso com o bem comum.
d) O interesse pelo imediato, pelo que pode trazer satisfações agora, sem medir consequências...
e) Modelo de desenvolvimento que importa tecnologias e modo de proceder sem respeitar o que é específico do Bioma Amazônia.
f) A fragilidade das convicções.
g) Muita extensão, poucas pessoas para atuarem e poucos recursos para sustentar o trabalho de evangelização.
h) A estrutura do poder carcomida pela corrupção.
i) Fortalecer o espírito de solidariedade e o espírito comunitário.
j) Dar passos para que as pessoas compreendam que a defesa da vida em todas as suas etapas e a preocupação com os direitos sociais são também questões de cidadania, de fé, e que devem envolver a todos.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Dom Esmeraldo Barreto de Farias – Mesmo com todos os desafios, vale a pena ser missionário na Amazônia, pois de Deus vem a força, a perseverança e a luz! Isso vemos no testemunho de fé na pessoa de D. Erwin e de tantos outros irmãos e irmãs. Fica o convite!

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