Rondônia: Escola quilombola suspende atividades em conflito com Exército.



 Os professores da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio "General Sampaio" da comunidade quilombola do Forte Príncipe da Beira, em Costa Marques, paralisaram as aulas devido ao conflito existente com o comando local do Exército, o 2º Pelotão Especial de Infantaria de Selva Destacado, sob a jurisdição do 6º Batalhão de Infantaria de Selva, vinculado à 17ª Brigada de Infantaria de Selva, com sede em Porto Velho. Segundo o Procurador do Ministério Público Federal de Ji paraná, Dr Daniel Fontenele, em 5/3/11 a ordem de apresentar documentos para entrar na escola já tinha sido revogada.



A escola está dentro do recinto do quartel militar.

O conflito é devido a que o prédio da escola ficou dentro dos limites do quartel, depois que este ampliou os limites da cerca. E o novo comandante este ano passou a exigir identificação e restringir o acesso das pessoas à escola, inclusive alunos e professores. Até o ponto que um professor que tinha perdido o documento de identidade for retirado por dois soldados armados de dentro da sala de aula, na frente de todos os alunos. Indignados os moradores e funcionários da Escola se reuniram com o representante de ensino de Costa Marques, Cleacir Longhui, e decidiram paralisar as atividades da escola até que fosse liberado o acesso a escola. "Todo mundo no distrito se conhece, não precisa disso. Um professor não vai ameaçar a segurança nacional”, disse o deputado estadual Lebrão, que denunciou o fato aos meios de comunicação.






Vista aérea do Forte, em círculo a área do quartel.





O Real Forte Príncipe da Beira













Também conhecido como Fortaleza do Príncipe da Beira, é o principal monumento histórico de Rondônia. Localizado na margem direita do rio Guaporé, no município de Costa Marques, o Forte foi construído entre 1776 e 1783 pelo governador da província do Mato Grosso Luis Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, consagrando os atuais limites do Brasil e a Bolívia, no Rio Guaporé.


À construção do Forte deve-se em parte a chegada da população negra e quilombola na região.


Posteriormente o Forte serviu como presídio e mais tarde ficou abandonado, passando a ser redescoberto pelo Marechal Rondon em 1914. Sendo instalado novamente um contingente do Exército em 1930, que continua até agora.


O atual Batalhão de Fronteira tem contribuído durante muito tempo com a manutenção do monumento histórico, e no atendimento da saúde da comunidade e realiza um importante serviço com a segurança da fronteira na região.







O presidente da Associação

Quilombola do Forte


A região é especialmente atingida pela atividade do narcotráfico, facilitada pela proximidade duma pista florestal na comunidade indígena de Puerto Ustárez, situada enfrente do Forte, até a localidade de San Joaquín, do Departamento do Beni. Tal vez por este motivo o projeto de construção da ponte e duma estrada internacional no local, que comunicaria a BR 429 com a Bolívia por Costa Marques não foi aprovado pelas autoridades militares.


O Forte Príncipe da Beira nas origens da população quilombola do Guaporé.

Para à construção do Forte e para trabalhar nas minas de ouro de Vila Bela da Santíssima Trindade, foram trasladados ao Vale do Guaporé centenas de escravos negros, que nunca mais abandonaram a região, dando origem aos remanescentes quilombolas de Rondônia. Hoje são sete as comunidades reconhecidas como remanescentes quilombolas pela Fundação Cultural Palmares, entre elas a comunidade do Forte Príncipe da Beira, reconhecida o dia 19 de agosto de 2005.
Quando as minas de Vila Bela esgotaram, também o Forte ficou abandonado e em toda a região do Guaporé, considerada muito insalubre, somente a população negra continuou resistindo. Soldados e oficiais de origem negraa foram os últimos militares que continuaram no Forte. E a comunidade civil quilombola continuou no local sem interrupção. Na chegada do Marechal Rondon em 1914, consta a existência de algumas famílias de moradores negros arredor do Forte abandonado.
Assim a população quilombola têm convivido a maior parte do tempo com o Exército e muitos dos membros da comunidade, que também tem misturada população de origem indígena dos povos puruborá e cojubim, tem servido como soldados no quartel militar.

A comunidade extinta de Conceição.




A serra do Forte desde o rio Guaporé, em Conceição.
Durante anos uma comunidade de origem quilombola viveu também nas proximidades do Forte, em Conceição, de onde é originário o conhecido jornalista e escritor rondoniense Matias Mendes. As origens do local são muito antigos. No Rio Guaporé enfrente de Conceição existe uma pedra com antigos hieroglifos incaicos e no local existiu uma a missão jesuítica espanhola que lhe deu nome, formada pelos indígenas do povo moré. Os indígenas cojubins da região podem ser remanescentes deles, pois falam a mesma língua. Aquí existem os restos da primitiva fortaleza portuguesa, abandonado mais tarde pela localização atual.


Nos anos 50 em Conceição estava um importante aeroporto e a comunidade chegou a ter escola e cartório, como relata Matias Mendes no seu livro"Lendas do Guaporé", citando o popular morador Mestre Anacleto.
A comunidade desapareceu faz algumas décadas, depois de desativado o aeroporto, devido à problemas de segurança militar e de controle do narcotráfico na região, que motivou a expulsão dos últimos moradores pelas autoridades militares do Forte, segundo relatos dos moradores.

O conflito de comunidade quilombola com o Exército.



Restos queimados da casa de Cipoal, na Serra Grande do Forte.


O Exército demarcou uma extensa área militar de 20.000 Hectares arredor do quartel e do Forte, documentada em 1998, continuando porém os moradores tradicionais arredor do Forte e em locais situados na beira do Guaporé ou no interior da chamada Serra Grande. Esta área militar tem provocado muitos conflitos com a população tradicional do local.

O Exército alega que a comunidade civil estabelecida arredor do quartel impede a expansão do mesmo e inclusive houve contatos com o Pároco de Costa Marques, Pe. Edmilson, sobre a mudança de local da Igreja Católica, dedicada a Nossa Senhora da Conceição, situada nas imediações da Fortaleza. 
Um dos recentes mais graves aconteceu o dia 27 de Março de 2008, quando um grupo de sete indígenas foram despejados por soldados do Exército dum local chamado de Cipoal, no setor da Serra Grande. O local era uma antiga colocação de seringa onde morou durante 54 anos Dona Maria Rita Laia da Silva, indígena cojubim, e o seu marido, seringueiro conhecido como "Perna de Abelha", com os seus dez filhos. O local, situado em Terras da União, está situada dentro da Àrea Militar do Forte Prícipe da Beira. O grupo estava recolhendo castanhas, atividade tradicional que a família vem realizando durante décadas na área.

A situação da população civil sempre está sujeita ao entendimento do comandante local, que muda todo ano. Assim a Fortaleza, que sempre ficou sob os cuidados do Exército, teve época que passou por completo abandono, sob alegação do comandante que cuidar do patrimônio não era a função dos soldados da guarnição. Assim o mais importante monumento histórico de Rondônia, o Real Forte Príncipe da Beira, rem 2006 permanecia em estado de abandono, coberto pela vegetação. Os moradores de forma voluntária roçaram uma pequena parte da Fortaleza para que os visitantes pudessem entrar no recinto.





Restos históricos do interior da Fortaleza

Tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico, a Associação Quilombolas do Forte realizou convênio com o IPHAE para a restauração do Forte e diversos moradores participaram dos trabalhos. Membros da comunidade também receberam treinamento como guias turísticos. Mesmo assim para entrar na Fortaleza é preciso pedir autorização no quartel, que guarda a chave de entrada e as visitas são acompanhadas por um soldado.

A relação da comunidade com o Exército piorou depois que a comunidade conseguiu ser reconhecida como distrito do município de Costa Marques e como Comunidade Remanescente de Quilombo pela Fundação Cultural Palmares, organismo do Ministério de Cultura responsável pelo reconhecimento oficial das comunidades quilombolas, segundo decreto 4.887/03 e a nossa lei maior, a Constituição Federal brasileira, que reconhece as comunidades remanescentes de quilombo o direito à propriedade de suas terras através do artigo 216 e dentro do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), pelo artigo 168.

Lideranças da comunidade que trabalhavam no quartel como soldados foram removidos do Forte, sob desculpas de segurança. E ao contrário de outras comunidades quilombolas de Rondônia, o INCRA/RO ainda não começou o processo de reconhecimento e demarcação das terras. Porém em reunião do dia 18/02/2009, os representantes do Forte Príncipe da Beira foram alertados pelo superintendente, Carlino Lima, da possibilidade de firmarem convênios e receberem recursos enquanto tramita o processo de reconhecimento e titulação das terras no INCRA.


O Projeto de Nova Cartografia Social da Amazônia, que em Rondônia já editou um estudo da comunidade quilombola de Santa Fé, realizou um estudo cartográfico da Comunidade Quilombola do Forte, após ter acolhido em 2009 no Fórum Social Mundial em Belém, relatos de lideranças da comunidade denunciando os problemas que sofriam.







Representantes das comunidades quilombolas em reuniáo com o MPF em Costa Marques


Intervenção do Ministério público Federal.


Com ajuda da CPT/RO o Ministério Público Federal de Rondônia, representado pelo Dr Daniel Fontenele, do MPF de Ji Paraná, realizou uma audiência pública em Costa Marques em 01 de Outubro de 2009, onde foram relatados vários problemas da comunidade: Não podiam construir casa sem autorização do comandante do Forte; os moradores eram impedidos de roçar e derrubar para fazer roça e um programa da Emater de mecanização foi interrompido; e os pescadores tinham dificuldades para pescar.


Durante 2010 a comunidade rejeitou a proposta de ser trasladados a Costa Marques ou fora dos limites da Área Militar. A finais de 2010 o MPF realizou nova audiência pública no Forte Príncipe da Beira, que finalizou com a proposta de realizar o acordo de um Termo de Conduta entre os moradores da comunidade do Forte Príncipe da Beira e o Exército brasileiro.


A ordem de exigir a documentação para entrar na escola foi revogada e já foi agendada uma reunião entre representantes da comunidade e autoridades militares em Porto Velho, ainda para este mês de Março.


Denúncia da situação na Ouvidoria Agraria Nacional


Em 15 de fevereiro de 2011 as dificuldades da Comunidade Quilombola do Forte Príncipe da Beira foram relatadas pela CPT/RO em Porto Velho na 168ª Reunião da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, presidida pelo Ouvidor Agrário Nacional, desembargador Gercino José da Silva Filho. Que determinou a pedido do Dr Afonso Henrique de Miranda Teixeira, agendar reunião da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo no Ministério de Defesa, com a finalidade de discutir o conflito agrário envolvendo os quilombolas da Comunidade Forte Príncipe da Beira e o Exército. Também o chefe da Ouvidoria de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da presidência da República, doutor Bruno Renato Teixeira determinou levar ao conhecimento de Ministério de Defesa o referido conflito.


Conclusão.


Com estes procedimentos, visando o reconhecimento dos direitos dos moradores tradicionais e comunidade quilombola e também as necessidades do Exército, esperamos que a convivência entre militares e a comunidade civil do Forte Príncipe da Beira possa continuar por muitos anos.














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