O silêncio das ruas


      
 O silêncio das ruas revela que não há mais esperança nas instituições brasileiras





Dom Luiz Demétrio Valentini, bispo-emérito de Jales (SP), esteve em Brasília-DF, dias 31 de julho e 1º de agosto, para o encontro dos bispos da área social e os que integram a Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Social Transformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).  Natural de São Valentim (RS), o religioso, que presidiu a Cáritas Brasileira por dois mandatos, concedeu entrevista ao Portal da CNBB sobre a crise brasileira. Para ele, o silêncio das ruas não é uma concordância tácita com o que está acontecendo, como alguns querem fazer acreditar. Pelo contrário, “é um sintoma preocupante de que não temos mais esperanças e sinais concretos para recuperar o rumo da caminhada histórica do Brasil”.

De acordo com o bispo-emérito, o poder Judiciário e o Congresso Nacional estão instrumentalizados para salvar os seus próprios privilégios. “Não se pode permitir que ministros do Supremo Tribunal Federal façam do seu cargo uma opção política partidária a ser defendida publicamente. Isto diminui a legitimidade, a confiança e é perigoso para uma nação”, disse. Dom Demétrio disse que os grandes interesses convergiram e o presidente que temos agora serve de instrumento da execução destes interesses escusos que não são publicados.

Segundo o bispo, “o trecho do cântico de Jeremias (Cântico Jr 14,17-21): “Até o profeta e o sacerdote perambulam pela terra sem saber o que se passa”, é uma descrição simbólica do que estamos vivendo no país. O religioso afirma que torna-se necessário ajudar o povo brasileiro a reencontrar sua identidade e destino históricos, sua feição cultural, sua tradição e fazer convergir todas estas realidades para que a cidadania brasileira reencontre os rumos do país. Leia abaixo a íntegra da entrevista que ele concedeu ao Portal da CNBB.


Portal CNBB – Como avalia a crise política brasileira?

Dom Demétrio – Certamente, estamos vivendo um momento difícil, todos reconhecem, no qual há uma perca da identidade do povo brasileiro. Se torna necessário ajudar o povo brasileiro a reencontrar sua identidade e destino históricos, sua feição cultural, sua tradição e fazer convergir todas estas realidades para recuperarmos um projeto de Nação. Estamos esquecendo nosso projeto de nação. Estamos sentindo novamente a necessidade de fazer, por exemplo, uma nova semana social brasileira para que a Igreja possa cumprir esta tarefa importante que tem de identificar e saber o que está acontecendo. Como diz o cântico de Jeremias: “Até o sacerdote e o profeta perambulam pela rua sem saber o que acontece”. É um pouco a descrição simbólica da realidade que estamos vivendo agora. A ausência de posicionamento revela de um lado um descrédito muito grande. Uma distância sempre crescente entre as estruturas sociais políticas e a vida do povo brasileiro. De tal modo que há um descrédito generalizado. Não é uma concordância tácita não, como alguns pretendem instrumentalizar este silêncio das ruas. É um sintoma preocupante de que não temos mais esperanças, sinais concretos de referências práticas para recuperar o rumo da nossa caminhada histórica do Brasil. Estamos vivendo um momento difícil que se caracteriza, sobretudo, pelo descrédito das instituições e por sua incapacidade em recuperar e superar a pecha sempre crescente da sua falta de legitimidade perante o povo brasileiro. Estamos vivendo um momento muito difícil no Brasil e precisamos nos rearticular, enquanto Pastorais Sociais da CNBB como um todo, e retomar nossa missão profética de questionar os equívocos que estão acontecendo, os erros praticados e projetar para frente um novo projeto de Brasil que queremos.





Portal CNBB – Como avalia os passos do Michel Temer depois do impeachment da presidenta Dilma Rousseff?

Dom Demétrio – Se há dificuldades de convergências em torno de um projeto de país por outro se criou uma convergência que assusta. Interesses que estão se consolidando e convergindo para que se instrumentalizem o Congresso Nacional e o poder judiciário para salvar os próprios privilégios. Há uma espécie de trama que está sendo orquestrada para que isto se torne invisível e leve o Congresso a retrocessos políticos como, por exemplo, o que estamos assistindo com a nova lei trabalhista aprovada e a nova a lei da previdência social que estão propondo. Existe um interesse do liberalismo econômico que está voltando com força, como se a solução do Brasil fosse voltarmos aos tempos da revolução industrial em que se confrontavam os pequenos contra os poderosos, sempre com desvantagem evidente para os pequenos. Agora estamos assistindo esta realidade em que os grandes interesses convergiram e o presidente que temos serve de instrumento da execução destes interesses escusos que não são publicados, mas que aos poucos precisamos identificar para nos posicionar diante da crise política que estamos vivendo.



Portal CNBB – Como avalia o papel que o judiciário está desempenhando neste contexto de crise?

Dom Demétrio – Infelizmente ele também padece de credibilidade. Poucos têm segurança em pensar no Supremo Tribunal Federal e em outras instâncias da Justiça Brasileira. Existe uma insegurança e uma mescla de ações e atitudes que são claramente partidárias. Por exemplo, não se pode permitir que ministros do Supremo Tribunal Federal façam do seu cargo uma opção política partidária a ser defendida publicamente. Isto diminui a legitimidade, a confiança e é perigoso para uma nação. Quando se perde a confiança no judiciário estamos no limite da credibilidade fundamental que é preciso que exista, minimamente, para se levar em frente um projeto de país. Então o próprio Judiciário precisaria se questionar e deixar de ter posicionamento partidário e voltar a cumprir sua missão de ser a instância capaz de discernir e fazer as ponderações necessárias e avaliar bem para tomar decisões com legitimidade. A falta de credibilidade do judiciário é mais um sintoma da crise que estamos vivendo.



Portal CNBB – Neste contexto de crise das instituições e da própria democracia no Brasil, qual deve ser o papel da Igreja?

Dom Demétrio – Precisamos retomar a intuição de uma Constituinte para de novo repropor um projeto de país. Neste sentido, a Igreja se sente próxima ao povo, e deve se tornar mais próxima ainda, para poder recolher e ajudar a articular. Falta articulação no país agora, falta uma mediação e não existem instâncias que têm credibilidade para fazer esta mediação. Penso que a Igreja pode propor e se apresentar, não como aquela que tem a solução, mas com quem estimula a cidadania brasileira a reencontrar os rumos do país. Penso que a Igreja não pode fechar os olhos e não se omitir, precisa enfrentar o desafio de compreender a realidade e perceber quais são os interesses que estão em jogo e não se deixar instrumentalizar. Existe um desafio bem concreto para a Igreja de voltar a assumir a causa do país para que a cidadania possa retomar a sua vigência, sua ação concreta e sua articulação em benefício de toda a nação brasileira.




“A ausência de posicionamento revela de um lado um descrédito muito grande. Uma distância sempre crescente entre as estruturas sociais políticas e a vida do povo brasileiro”.








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