Omissão e impunidade geram mais um massacre no campo
NOTA PÚBLICA DAS
PASTORAIS DO CAMPO
Omissão e impunidade
geram mais um massacre no campo
“Mas você não tem olhos nem coração,
a não ser para seu lucro,
para derramar sangue inocente
e para praticar a opressão e a violência”.
(Jr 22, 16-17)
As Pastorais do Campo receberam com
muita tristeza e indignação a notícia do massacre de 09 camponeses – número
confirmado até o momento – na linha 15 da Gleba Taquaruçu do Norte, localizada
na área rural do município de Colniza (1.065 quilômetros de Cuiabá), região
noroeste do Mato Grosso, ocorrido no último dia 19 de abril, justamente na
semana em que se completam 21 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, no
Pará, que vitimou 19 pessoas e continua impune.
Por meio desta, solidarizamo-nos com as
famílias das vítimas: Aldo Aparecido Carlini, Edison Alves Antunes, Ezequias
Santos de Oliveira, Fábio Rodrigues dos Santos, Francisco Chaves da Silva, Izau
Brito dos Santos, Samuel Antônio da Cunha, Sebastião Ferreira de Souza e Valmir
Rangeu do Nascimento, todos trabalhadores rurais.
Este massacre é mais um capítulo de uma
longa história que se iniciou em 2004, quando 185 famílias de agricultores
foram expulsas de suas posses por pretensos proprietários. Mesmo o juiz tendo
concedido reintegração de posse às famílias, os conflitos continuaram. Em 2007,
uma dezena de agricultores foi vítima de torturas e de cárcere privado, e meses
depois três foram assassinados. Os suspeitos pelas violências eram fazendeiros
em associação com uma organização de extração ilegal de madeira. O local da
chacina fica em uma área de interesse para madeireiros e mineradoras. Mesmo
depois da intervenção da polícia e prisão de algumas pessoas, os conflitos não
cessaram. Em 2011, mais de 700 pessoas ainda estavam acampadas na entrada da Fazenda
Estrela, aguardando para retornarem à sua terra. E agora este bárbaro desfecho
que repudiamos com veemência.
A chacina se deu com requintes de
crueldade inimagináveis. Todos os corpos apresentavam sinais de tortura. O
assassinato destes companheiros não significa simplesmente uma violência contra
cada um deles, mas também contra suas famílias, contra a comunidade de
Taquaruçu e contra toda a humanidade. Um ataque direto à luta pela terra, pelos
territórios, pela água, pelo trabalho, à luta por todos os direitos e pela
dignidade das comunidades e dos povos do campo.
No último dia 17 de abril, a Comissão
Pastoral da Terra (CPT) lançou, em Brasília, sua publicação anual Conflitos
no Campo Brasil 2016, que denuncia o aumento alarmante destes conflitos,
com um número absurdo de 61 assassinatos em 2016 – o maior número
registrado desde 2003, 11 a mais que em 2015. O ano de 2017 já começou
violento, com 20 assassinatos em três meses e meio.
Este massacre não é um fato isolado.
Acontece numa região de fronteira agrícola e de muitos conflitos, com outras
áreas em tensão. Em 2014, o casal de agricultores José Paulino de Castro e
Ireni da Silva Castro foi assassinado na região de Guariba, Colniza, por conta
das denúncias que fizeram contra a extração ilegal de madeira e vários outros
crimes. A região tem infraestrutura muito precária, de difícil acesso, as
pessoas vivem inseguras, estão sofrendo novas ameaças e por isso abandonando
sua área.
Este massacre acontece também num
momento difícil para o Brasil, com ataques cotidianos aos direitos dos
trabalhadores e trabalhadoras, em específico os do campo, perpetrados pelo
Executivo e Legislativo, com um Judiciário omisso e, em muitas situações, conivente
com latifundiários, empresários e grandes corporações, que estão invadindo
territórios de povos do campo, assassinando pessoas e aterrorizando
comunidades.
Se fosse somente uma pessoa assassinada
já seria um absurdo, um fato inaceitável. Quanto mais 09 camponeses que estão
lutando por um direito sagrado e constitucional do acesso à terra, essencial à
sua vida. Não é possível ficarmos calados diante desses ataques frontais à
pessoa humana e seus direitos, que atingem a todos e todas nós.
Convocamos a todas as pessoas,
organizações nacionais e internacionais, a denunciar esse crime hediondo, para
que a Justiça seja feita, neste país da impunidade. E exigimos que os poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário cumpram a sua obrigação de garantir os
direitos dos cidadãos e cidadãs do campo, pois sua simples omissão permite o
avanço da violência. Exigimos também que os responsáveis por este massacre
sejam identificados e punidos exemplarmente. Estamos alertas para que outras
versões do crime não venham descaracterizar o ocorrido, inclusive e,
sobretudo, quanto à responsabilidade do Estado pela omissão frente aos
conflitos na região.
Reafirmamos nosso compromisso
irrenunciável de estar ao lado dos que sofrem violência e rogamos ao Deus da
Vida que conceda força às famílias de Taquaruçu do Norte e coragem a todas as
pessoas que lutam pelos seus direitos.
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
Serviço Pastoral do Migrante (SPM)
Cáritas Brasileira
Goiânia / Brasília,
25 de abril de 2017.
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