NOTA DA CPT "Não à violência e à criminalização da luta pela terra!"
No
último dia 02 de outubro de 2020, lamentavelmente, dois policiais da Polícia Militar de
Rondônia perderam suas vidas no distrito de Mutum Paraná, localizado a 160 km
de Porto Velho, próximo a área do Acampamento Tiago dos Santos, vinculado a
Liga dos Camponeses Pobres (LCP). A Comissão Pastoral da Terra de Rondônia
(CPT-RO) se solidariza com os familiares dos dois policiais, neste momento de
dor. Ao mesmo tempo salienta, que não concorda com qualquer tipo de violência e
espera o esclarecimento dos fatos e a devida identificação dos responsáveis.
O
Acampamento Tiago dos Santos, segundo informações veiculadas pela LCP, é constituído
por mais de 2 mil pessoas, entre homens, mulheres e crianças, que lutam por uma
porção da terra pública, de mais de 57 mil hectares, grilada pelo latifundiário
Antônio Martins dos Santos, também conhecido como “Galo Velho”, preso em julho de 2020, na operação “Amicus
Regem", realizada pela Polícia Federal. Ele era o chefe da organização
criminosa especializada
em grilagem e superfaturamento de terras, que atuou em Rondônia, entre 2011 e 2015, e contava com a participação de empresários,
advogados
e
servidores públicos,
inclusive no judiciário federal. Tornou-se o maior
grileiro de terras do Estado, com área de 1 milhão de hectares em latifúndios
mantidos nos municípios de Cujubim, Machadinho D’Oeste, Alto Paraíso e Porto
Velho.
A
CPT-RO vem denunciando, desde 2005, as ações deste grileiro e a conivência e
impunidade que tinha no judiciário. Para nós o crime de grilagem de terras
merece a devida apuração seguida do retorno destas terras ao Estado para que
este cumpra o seu dever legal de tutela sobre o patrimônio público. Dever que é
também destiná-las à Reforma Agrária (art. 188 da CF/1988), demarcação das terras
indígenas (art. 231 da CF1988) e titulação das terras de comunidades
remanescentes de quilombos (artigo 68 da ADTC).
Advindas de imprensa reacionária e de organizações
ligadas a Polícia Militar, acusações, não confirmadas, de que integrantes do
acampamento ligado a LCP estavam entre os responsáveis pelas mortes dos PMs.
Por meio de notas de repúdio, matérias e áudios em redes sociais, esses meios de comunicação escancaram seu objetivo: criminalizar a luta pela terra, estigmatizando como terroristas e criminosos movimentos sociais e defensores dos Direitos Humanos. O que se espera é que esse triste acontecimento não fomente o equívoco de se igualar essas ações criminosas com as ações legítimas dos movimentos sociais de luta pela terra.
Diante
da gravidade da situação, o momento é de extrema e necessária cautela, uma vez
que os conflitos agrários no campo brasileiro e rondoniense não cessaram, mesmo
durante a quarentena imposta pela pandemia do Covid-19, com infecções e mortes
que não cessam. Camponeses, indígenas e demais povos da floresta continuam sendo
perseguidos e mortos. Uma situação que pode tomar proporções ainda maiores, se
alimentada por uma “sede de vingança”, que nada mais é do que o ódio dominante
histórico e atual da sociedade brasileira, neocapitalista dominada pela
necropolítica, difundida a partir do Palácio do Planalto. Rondônia não pode
ser, mais uma vez, palco de um massacre vergonhoso, como há 25 anos, em
Corumbiara, numa reintegração de posse pela PM que resultou na morte de 12
sem-terra e muitos desaparecimentos.
Para
evitar que isto aconteça, impõe-se uma ágil apuração dos fatos e identificação
dos autores dos crimes contra os PMs, para que sejam julgados e recebam a
penalização cabível conforme a lei. Tal apuração, no entanto, deve ser feita de
forma imparcial, sendo esse um trabalho da Polícia Civil, com atenção aos
protocolos de respeito aos direitos humanos, ouvindo todos os implicados. Só
assim teremos uma apuração justa, com a individualização das condutas
responsáveis, que não podem recair sobre o coletivo ou movimento social.
Dos
anos 2000 a 2020, a CPT registrou 107 vítimas camponesas assassinadas em
conflitos no campo em Rondônia. Tais casos também merecem a devida apuração e
identificação, julgamento e punição de seus autores.
Mesmo não tendo a CPT-RO agentes pastorais
atuantes na área onde o fato ocorreu, nós nos colocamos em sintonia com a
Igreja Local, em busca de soluções pacíficas e eficazes para que possamos
trilhar os caminhos da justiça social no campo.
Porto
Velho, 07 de outubro de 2020.
Comissão
Pastoral da Terra - Rondônia.
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