Pentecostes: romper o torpor que paralisa
No
vasto campo do sagrado, e em particular nas páginas bíblicas, o Espírito de
Deus manifesta-se normalmente através do silêncio, do sopro ou da brisa suave e
da luz. Por que então Lucas (At 2,1-4), no Livro
dos Atos dos Apóstolos, ao descrever o Pentecostes – a vinda do Espírito
Santo – fala de “grande barulho” (e não silêncio), “forte ventania” (e não sopro
ou brisa suave) e “línguas de fogo” (e não luz)?
A
verdade é que, em outros escritos neotestamentários, lê-se que os discípulos
“estavam com as portas fechadas por medo das autoridades dos judeus” (Jo 20,
19). Nada neutraliza de forma tão eficaz, nada paralisa tanto como o medo! De
resto, é também o medo que obriga outros dois discípulos a fugir de Jerusalém para
Emaús (Lc 24, 13-35). Esclarecedor, neste episódio, é o eloquente contraste
entre a ida e a volta. Na ida, ambos seguem cabisbaixos, tristes, olhos no
chão, fugitivos pela impotência diante dos fatos trágicos que tinham
presenciado junto à capital. O projeto do Reino dos Céus, anunciado pelo
Messias, havia fracassado de forma definitiva. O próprio Jesus de Nazaré fora
condenado à morte, supliciado numa cruz, o pior dos fins para os malfeitores e
desordeiros. Se o Mestre terminara dessa forma, o que não poderia ocorrer com seus
seguidores? Melhor escapar para Emaús.
O
trajeto do retorno é o mesmo, mas bem diversos são os sentimentos e emoções
experimentam os dois discípulos. A experiência toma uma direção completamente
oposta. “Não ardia o nosso coração enquanto ele nos falava pelo caminho e nos
explicava as Escrituras” – comentam entre si (v. 32)! Os passos lentos e
pesados são substituídos pela pressa em contar o que viram. A tristeza cede
lugar à alegria e um novo ardor toma conta de ambos. O medo foi superado e
varrido pelo entusiasmo. Os pés e a alma como que ganham asas para percorrer o
percurso inverso de Emaús a Jerusalém. Tomando emprestado a linguagem do
Documento de Aparecida, é fácil concluir que o encontro na casa e à mesa com o
Ressuscitado converte “dois discípulos medrosos em dois missionários
ardorosos”.
A
esta altura, convém voltar às expressões de Lucas para designar a forma do
Espírito Santo: “grande barulho, forte ventania, línguas de fogo”. Uma vez
mais, por quê? Porque tornava-se necessário sacudir e combater o medo, o isolamento
e o torpor daquele pequeno grupo de discípulos. A crise inesperada da cruz
pesava improvisamente sobre todos e sobre cada um. Tinham sido avisados, é bem
verdade, mas não haviam compreendido. Neutralizados pelo temor das autoridades,
fecharam-se sobre si mesmos. Encontravam-se de joelhos, vencidos, frágeis,
paralisados. Como sacudi-los e acordá-los dessa letargia, levantando-lhes a
cabeça e fazendo-os retomar a vida diária? Melhor ainda, como fazê-los vencer a
apatia efêmera, no sentido de que fazia-se necessário dar continuidade à obra
do Mestre? O barulho, o vento e o fogo adquirem aqui uma simbologia forte e
marcante, que convida a abrir as portas, chama às ruas e envia ao caminho da
prática evangelizadora.
O
grande desafio está em converter aquele pequeno núcleo de discípulos no embrião
da Igreja incipiente. Não custa repetir que os símbolos do barulho, do vento e
do fogo caracterizam uma maneira de despertar o potencial oculto daquele grupo
de amigos íntimos, os quais haviam sido escolhidos pelo próprio Jesus. Despertar
e pô-los em marcha, retomando os caminhos e os horizontes que o Mestre havia
descortinado. Movê-los era mover a energia oculta da Igreja nascente. Transfigurar
a graça de Deus em força viva e ativa na construção do Reino. Também aqui, a
tarefa do Espírito é convertê-los de “discípulos medrosos em missionários
ardorosos”, apóstolos das primeiras comunidades cristãs. E estas, então,
começam a se multiplicar. A partir do Oriente Médio, expandem-se para a Ásia, a
África e a Europa. Nesse processo de expansão, acompanha-as a última frase do
Evangelho de Mateus: “Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do
mundo” (Mt 28,20). Palavras de conforto em tempos de pandemia!
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs,
vice-presidente do SPM – Rio de janeiro, 2 de junho de 2020
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