Em Rondônia, polícia "põe pra cima" atingidos por barragens


O PM recebe uma ligação em seu celular. Ouve atentamente as informações. Vira-se para os outros policiais e ordena: "Põe pra cima". Prontamente, os policiais empunham as espingardas com bala de borracha e engatilham. Apontam para o grupo de 500 pessoas.

A arma para "conter tumultos violentos ou manifestações", tão conhecida dos movimentos sociais e "popularizada" desde as Jornadas de Junho, foram disparadas por volta das 17h desta sexta-feira (21) para
reprimir o trancamento da BR 364, realizado por moradores de Jaci Paraná, distrito localizado a cerca de 100 quilômetros de Porto Velho, capital de Rondônia. A rodovia dá acesso à Usina de Jirau, o que  bloquearia o trânsito e a passagem dos ônibus que levam os operários às obras da hidrelétrica.

Desde 2009, com o início da construção da barragem para a hidrelétrica de Santo Antônio, as empresas envolvidas demonstraram que não mediriam esforços para levar o empreendimento adiante. Com a correria instalada pelos disparos de projéteis de látex, Hélia de Jesus Bernardo, 45 anos, se abaixa. Um policial lança spray de pimenta sobre ela. Já no chão, e com a visão turva, outro PM a chuta Dulcelene dos Santos Mota, 41 anos, corre para ajudá-la. É agredida e também jogada no chão.
José Oliveira Machado, 55 anos, também foi agarrado aleatoriamente e jogado em uma poça d'água por um dos policiais que disse que o senhor estava com cara de "bêbado".
Manifestantes que filmam a ação policial são agredidos. Têm suas máquinas quebradas ou seus vídeos apagados. Um menino de apenas 17 anos, que havia guardado um cartucho de bala de borracha no bolso,
também é agredido pelos policiais.

A manifestação havia começado por volta das 15h. Horas antes, representantes dos moradores de Jaci Paraná, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e da Polícia Militar se reuniram e
entraram em acordo: os manifestantes alternariam doze horas de trancamento da BR 364 com duas de rodovia liberada. Entretanto, o contingente da PM foi acionado para reprimir os moradores.

Lideranças de Abunã procuraram Alvarez Simões, Superintendente da Policia Rodoviária Federal. Ele disse ter "ordens expressas" para não permitir manifestações nas rodovias. Em Abunã, a 200km de Porto Velho,
a polícia também deu o recado: caso fechem a rodovia, acontecerá o mesmo.

O protesto desse dia 21 acabou com a prisão de três lideranças: José Oliveira Machado, Dulcecleide dos Santos Mota e Hélia de Jesus Bernardo. Foram conduzidos para uma delegacia de Porto Velho e
liberados no final da noite de ontem (dia 22) à noite. Acusação: desobediência civil.

Uma história antiga O distrito de Jaci Paraná sofre. E não é uma prosopopéia forçada. Desde 2008, quando se iniciou a construção das duas usinas hidrelétricas - São Antônio e Jirau -, a cidade assistiu inerte a um
desordenado boom populacional, que precarizou estruturas básicas - como saúde, educação, segurança e transporte -, elevou os índices de violência e prostituição.

Em termo práticos, pode-se definir a abertura dessa "ferida" no distrito rondoniense em dois vetores: Santo Antônio inundou a região, e Jirau trouxe o caos urbano com a súbita chegada de mais de vinte mil
operários, que desde 2011 se revoltam com a superexploração de seu trabalho.

Além disso, o distrito é atingido por freqüentes inundações depois da instalação da UHE Santo Antônio. A água do reservatório também se infiltra no lençol freático, contaminando os poços de água para
consumo humano. Nesse mês, o alagamento atingiu mais de 18 metros níveis muito acima do normal durante as cheias.
Segundo o MAB, a acumulação de água nos reservatórios e o aumento da vazão dos vertedouros das usinas de Santo Antônio e Jirau potencializaram os alagamentos naturais do período e mais áreas, que
antes não sofriam alagamento, são atingidas. 

No ano passado, a Santo Antônio Energia solicitou junto à ANEEL o aumento de 80 centímetros da cota do espelho d'água do reservatório da hidrelétrica de Santo Antônio. O que está em jogo nesse aumento é uma receita extra estimada em R$ 3 bilhões para as empresas responsáveis pela usina ao longo dos anos de concessão, diante do sofrimento das famílias.

Luta
Na mesma semana que a manifestação foi reprimida e lideranças presas, outra protesto, realizado no dia 17, durou 16 horas e envolveu cerca de 500 atingidos pela construção das barragens das hidrelétricas.
Com isso, representantes dos moradores de Jaci Paraná, do MAB, do Ministério Público Federal e do Governo do Estado de Rondônia se reuniram, na quarta-feira (19), em Porto Velho, para discutir soluções
para os problemas dos atingidos na região.

As famílias reivindicam a execução dos compromissos assumidos pelas empresas. Alegam que o IBAMA é omisso e exigem a intervenção do Governo Federal para estabelecer diálogo com os empreendedores.
Waldemar Albuquerque, chefe de gabinete do governador, assegurou às famílias que o governo do estado daria apoio aos atingidos, cobrando intervenção federal na região, acionando a Secretaria-Geral da Presidência da República. A mesma Secretaria, em dezembro de 2013,havia iniciado um processo de negociação com o MAB, porém ainda não agendou a continuidade, que estava prevista para janeiro desse ano.

O prefeito de Porto Velho, Mauro Nazif, também declarou a necessidade de que o Governo Federal traga novamente as empresas e o IBAMA pra solucionar os problemas que se agravam.

Notícias de Abunã
A comunidade do distrito ribeirinho de Abunã também sofre com uma das maiores cheias da história da região. Ontem (dia 21), a água subiu vinte centímetros ficando há apenas três metros do velho galpão da
Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, onde estão alojadas oito das 140 famílias desabrigadas de Abunã.

A elevação da água misturou os poços que eram usados para o consumo com as fossas, contaminando as águas. As famílias temem que as águas cheguem ao colégio e à igreja, onde grande parte das famílias se abrigam. Há também o risco, com o alagamento de parte da BR 364, do abastecimento à comunidade cessar, isolando Abunã, que têm abastecimento de alimentos e água escassos.

A culpa não é da chuva
Na sexta-feira (21), o Operador Nacional do Sistema Elétrico ordeno que a Usina Hidrelétrica Santo Antônio desligasse 11 das 17 turbinas em atividade. A medida foi tomada depois da cota do rio Madeira
atingir a média histórica de 18,02 metros. Há vários anos o MAB vem alertando para o risco de enchentes devido às hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio e, principalmente, ao aumento da cota do reservatório proposto pelo consórcio Santo Antônio Energia no final do ano passado.
Fonte MAB 

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