É preciso estancar o êxodo da desesperança


É inadmissível perdurar a inanição de recursos e a falta de continuidade nas ações da reforma agrária.

*Padre Ton

O universo da reforma agrária, dos assentamentos multiplicados em todo o estado de Rondônia, sua rotatividade e ausência de estrutura para uma vida de plena produção e renda, pauta de forma recorrente o mandato.

Tenho andado muito, me reunido com pequenos produtores rurais, assentados de há muito tempo que reclamam das precárias condições de vida nos assentamentos, onde as ações oficiais são lentas e burocráticas.

Agricultores com perfil da agricultura familiar, com 80% da renda proveniente de sua produção, que compraram lotes de assentados, não desfrutam do acesso às políticas públicas garantidas aos que se cadastraram nos projetos oficiais de assentamento. Sentem-se injustiçados, e nos procuram constantemente.

São diferentes de aproveitadores que se valem dos assentamentos desassistidos para comprar pedaço de terra a preço de banana. Pessoas que nunca chegaram perto de enxada e resolvem especular em áreas adquiridas pela União a preços elevados, com emissão de títulos da dívida pública, os TDAs. O rodízio, tão comum nos assentamentos da colonização amazônica, é agravado por essa situação.

A todo momento o mandato é acessado por pessoas que teimam na terra sem segurança alguma, sem título de propriedade que abre as portas para o crédito e para os programas federais que permitem melhores condições de vida, como energia e água em casa. Por pessoas que, com perfil de agricultor familiar, são impedidas de alcançar o PRONAF ou PAA.

Sem embaraço, sou questionado por pessoas que na Justiça, organizadas em associações, reivindicam terras públicas áridas de produção, entregues a quem firmou Contratos de Alienação de Terras Públicas (CATPs) com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) há muito tempo, sem um e outro cumprirem as cláusulas resolutivas do documento.

São em parte terras ao Deus dará, de gente residente em São Paulo ou no Sul, estimulada a agir tão somente para banir por força policial famílias que ousaram disputar terra na qual se constata ausência da função social da propriedade, artigo 184 da Constituição Federal.

São tantas e diferenciadas as situações da questão agrária em Rondônia que indubitavelmente é necessário o esforço não apenas do mandato mas de toda a bancada, órgãos federais e do estado para estancar o que tenho notado nas andanças e chamo de êxodo da desesperança, em que a zona rural sente o vazio crescente daqueles que um dia chegaram com o sonho de plantar, e acabam por ir embora com o peso da descrença, do desalento e dos anos.

É o caso de famílias que se fixaram no assentamento Pedra Redonda, em Machadinho do Oeste, onde estive no mês de novembro. Ali foram assentadas mais de 150 famílias pelo Incra, em 1995. Quase duas décadas depois, resistem apenas 69 famílias e destas somente 26 remontam ao assentamento.

A comunidade vive desânimo e descontentamento generalizado. Não sem motivo: nunca recebeu energia, água e saúde. Em razão das regras ambientais definidas no Código Florestal, os agricultores só podem utilizar 20%, e como a assistência técnica e tecnologia são subtraídas em nome das regras vigentes-apenas os oficialmente assentados podem delas dispor-, expandiram cultivo onde não deveria e o resultado é mais punição. 

Multas aplicadas pelo Ibama e ICMbio são impagáveis. Idêntica situação vivem os agricultores do assentamento Santa Maria, Linha MA 28. Sem energia, abandonados pelo poder público, em terras da União. É o mesmo caso do Joana D’Arc, em Porto Velho, e de inúmeros outros assentamentos em todo o estado.

Na região Sul, os conflitos agrários deram prova de ser os mais violentos, com a clara criminalização dos movimentos sociais de luta pela terra. A disputa por áreas públicas da União cujo domínio pertence a particulares ultrapassa em muitos lotes mais de década, com ordens de despejo e abusos inomináveis.

Com a Ouvidoria Agrária Nacional tenho tido interlocução frequente para evitar explosão de violência como a de Corumbiara, que acabou por inscrever definitivamente Rondônia na lista dos casos de má condução de uma decisão judicial, com mortes no campo. O mandato tem tido sucesso nos tratos com a Ouvidoria. 

Recentemente, por gestão sistemática e silenciosa junto às instituições envolvidas e associações rurais de Vilhena e Chupinguaia, o Incra cancelou quatro CATPs totalizando aproximadamente 8 mil hectares, os quais poderão ser destinados para o Programa Nacional de Reforma Agrária. É notícia sem dúvida alvissareira, mas há caminho a percorrer para que os agricultores familiares possam enfim conquistar o título.

Existem conflitos invisíveis mas certamente mais cruéis do que os causados pela violência que sobressalta os pequenos produtores, os mais afetados pelo abuso do poder econômico e pressão do latifúndio. Falo dos conflitos que transitam na justiça. São os conflitos das competências atribuídas às diferentes instâncias, do Estado e Federal.

Uma oferece ao latifúndio a reintegração de posse, sem considerar que na outra tramitam ações de reversão das terras atinentes aos CATPs ao patrimônio público. Os conflitos de competência causam a espera incerta, cheia de recursos e armadilhas, alimentando a morosidade. Vence a injustiça.

Tenho lutado muito, especialmente no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a quem o Incra é subordinado, e no Programa Terra Legal, lançado com muita esperança para se promover a regularização fundiária na Amazônia, para superarmos a escassez de funcionários e ampliarmos os recursos para as atividades fim do Incra.

É fundamental acelerar a entrega dos títulos.

O apelo tem sido de pouca serventia, é verdade. Mais ou menos em agosto foram contingenciados recursos que paralisaram a operação em curso do Terra Legal para viabilizar a entrega de 3 mil títulos - meta anunciada em meses anteriores -, antes de acabar 2013.

Na execução do orçamento do Incra detectamos muito mais dinheiro para pagar precatórios ao latifúndio por força de determinação judicial do que para o desenvolvimento dos assentados, regularização fundiária, educação de jovens e adultos, promoção da educação no campo, assistência técnica etc.

Com estas ações foram gastos somente R$ 265 milhões, valor insignificante para atender demandas do Brasil e que representa 58% do pago em precatórios. Mais: naco importante do orçamento de 2013 foi desviado para atender compromissos deixados para trás, os chamados restos a pagar. Foram R$ 619 milhões!

Este retrato abala o desempenho da instituição em qualquer lugar do país, e por mais que os dirigentes tenham boa vontade, como é o caso de Rondônia, é impossível cumprir a contento seu papel.

Insistentemente o Núcleo Agrário do PT, combativo grupo de parlamentares da Câmara, tem apelado ao governo federal para investir mais na reforma agrária e não mutilar o minguado orçamento. No mandato e com os companheiros de partido continuarei atuando para a agenda da reforma agrária ganhar status de urgência.

Uma iniciativa que aguardamos com grande expectativa é a medida provisória a ser enviada ao Congresso Nacional. Entre as novidades, conforme nos assegurou o presidente do Incra, Carlos Mário Guedes, está a inclusão de mecanismo que irá baratear e facilitar a titulação de terra para agricultores familiares que adquiriram lotes em assentamentos com o objetivo real de viver da produção agrícola. Será preciso rigoroso critério para que a terra não caia na mão de especuladores. 

A medida provisória prevê, ainda, o perdão das dívidas do crédito de implantação até hoje e condições extremamente especiais para quitação dos créditos do PRONAF da reforma agrária.

Não se combate a miséria com o campo em miséria. É inadmissível perdurar a inanição de recursos e a falta de continuidade nas ações anunciadas por falta de investimentos e, sobretudo, assistir a desesperança de milhares de agricultores da Amazônia.



*É deputado federal pelo PT-Rondônia, ex-prefeito de Alto Alegre dos Parecis.

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