Foram condenados por tentar voltar a suas próprias casas

Acampamento da Associação Água Viva de Chupinguaia
Eles eram posseiros. Hoje sem terras. foto cptro
Dezoito posseiros foram condenados após tentar retornar as terras onde trabalhavam e moravam pacificamente fazia mais uma década. Com correta administração da justiça e defesa dos seus direitos, eles poderiam ter tido reconhecido o direito de usucapião, porém despejados injustamente, acabaram sendo jogados na miséria e tratados como criminosos. O presidente da câmara de vereadores de Chupinguaia e o presidente do sindicato de Vilhena foram condenados por apoiar eles.

Eles devem recorrer a sentença da titular da 2º Vara Criminal de Vilhena (confira no link), Lilian Pegoraro Bilharvada, juiza que condenou com penas exageradas os agricultores/as de Chupinguaia, confirmando o tratamento desigual que a justiça de Vilhena dá aos pequenos agricultores e aos grandes proprietários, nos conflitos agrários do sul do estado.

Fazendeiros e políticos como Hilário Bodanese, que foi comprovadamente acusado de ser o dono de um arsenal de armas entregue a polícia e teve um dos seus pistoleiros, detido por ter ferido duas pessoas do acampamento Barro Branco, jamais foi preso e o seu pistoleiro logo liberado. Não parece sequer ter processo correndo na justiça.

Porém o grupo de posseiros/as da Associação Água Viva têm sido acusados e condenados de formação de quadrilha e de outros crimes. Tudo por tentar defender seus direitos legítimos. Tudo por tentar voltar as suas terras, que eles como posseiros tinham aberto, beneficiado, trabalhado. Voltar nas casas que eles tinham construído e morado por mais de dez anos. Ainda hoje a única casa em pê, onde mora o fazendeiro que comprou o título provisório de terra da família de Moacyr Caramelho, foi construída por Diorande Montalvão, um dos posseiros despejados e agora condenados.

No intento de retomada das terra de onde tinham sido despejados o grupo foi recebido a bala pelos jagunços de Caramelho. No confronto um dos pistoleiros (segurança da câmara dos vereadores de Barra da Garça MT) também resultou atingido. Não se confirmou a morte dum suposto funcionário desaparecido, que em realidade se trataria dum foragido da justiça. O supostos sequestros jamais existiram. 

A sentença foi publicada nesta segunda-feira, 22 de abril de 2014 e todos os condenados devem recorrer da decisão, que confirma e agrava a grande injustiça realizada contra o grupo  da Associação Água Viva, que foram completamente espoliados de suas terras, recursos, e direitos, e agora de sua honra e dignidade. Eles não eram "sem terra", agora sim.

Quando a juíza Lilian Pegoraro Bilharvada alega que "É fato que hoje vivemos em um estado democrático de direito" (p.24 da sentença), não temos mais como acreditar nisso: 

- Vendo a parcialidade de atuação da polícia, MP e poder judiciário neste caso,  e em tantos outros conflitos agrários do Sul do Estado. 

- Vendo que a própria sentença dela contradiz a afirmação, pois o "estado democrático de direito" e a verdadeira justiça em realidade não parecem existir aqui em Rondônia.

Entre os sentenciados estão o atual presidente da Câmara de Chupinguaia, Roberto Ferreira Pinto, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vilhena e Chupinguaia, Udo Wahlbrink e o agricultor Pedro Arrigo, que foram condenados a 10 anos e seis meses de prisão. Eles tinham sido soltos após decisão do STF em outubro passado, após sete meses de prisão. A maioria dos outros posseiros que tentavam voltar para suas casas receberam condenas de mais de oito anos. 

No confronto um dos pistoleiros que os recebeu a bala resultou ferido, fugindo e escondendo-se no mato. Um dos posseiros também foi atingido, porém não se apresentou temeroso da parcialidade da justiça na região. 

Os supostos proprietários da Fazenda Dois Pinguins, a família Caramelho, apenas possuíam um título provisório da área, totalmente abandonada, onde todas as benfeitorias tinham sido realizadas pelo grupo despejado injustamente do local sem contemplações pela justiça local. Existem rumores de que um alto cargo do INCRA de Rondônia estaria envolvido com a citada família.

O primeiro a se manifestar pelo recurso contra a sentença foi o Presidente da Câmara dos Vereadores de Chupinguaia, Roberto Ferreira Pinto (PSD), que alegou que apenas dava apoio ao grupo para que eles procurassem os meios legais de buscar o seu direito de posse.

Assim mesmo a suposta liderança de Udo Walbrink, que como Roberto ficou preso por meses, correspondia a responsabilidade do mesmo na presidência do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Vilhena e Chupinguaia, em defesa do grupo de posseiros injustiçado.

Após o despejo o grupo montou este ano um acampamento nas proximidades de Chupinguaia, reivindicando do INCRA a revisão e retomada da área de onde foram expulsos, que jamais cumpriu as cláusulas do título provisório nem a função social da terra reconhecida pela constituição.  A juiza considera este acampamento como mais uma prova da culpabilidade do grupo, que em realidade somente pede justiça e serem assentadas legalmente.


Confira entrevista do ano passado a Dona Margarida, 
uma das camponesas da Associaçãso Água Viva, condenadas de Chupinguaia.

Dona Margarida é uma senhora camponesa, no município de Chupinguaia, a qual residia lá na Associação Água Viva, por algum tempo aí plantando, colhendo desfrutando dos produtos da terra. E por algum tempo, depois de sete anos, aonde fizeram o despejo de área dos acampados desta Fazenda Caramelho, aonde os acampados estavam depois de sete anos. Esta é dona Margarida que está aqui do meu lado, uma das sofredoras, das pioneiras destas área onde estava plantando os mantimento para sustento de sua família.

Dna. Margarida: A minha história é... Quando cheguei aquela era área, era uma área que era... que não tinha produção, era uma área de terra, de terra pública, cheguei para trabalhar naquela terra, fui, entrei dentro dum barraco, embaixo duma mata, tirando as folhas de dentro do barraco para ali cozinhar e começar a luta, ali na terra trabalhar, para adquirir o pão de todo dia.

Então durante sete anos nos sustentamos aí, eu e minha família, nos alimentamos ali com o trabalho naquela terra.

Era um sonho que eu pensava que não ia terminar, eu pensava que era um sonho para o resto de minha vida, viver aí trabalhando, desfrutando, comendo, dentro daquela área de terra trabalhando.

Meu esposo, ele fazia alguns plantios, vendia na rua, nos vendia ali muito bem trabalhando com nossos braços, derramando nosso suor, até que... Nós plantava mandioca, quiabo, jiló, banana e mais outras as coisas. Tirava o leite. Inclusive eu tenho prova, tenho nota fiscal de leite de que a gente entregava lá num laticínio, ali, num resfriador que tem dentro de Chupinguaia.

Eu tenho prova se for procurar de que os mercados de Chupinguaia abastecidos de mandioca para a cidade inteira, mercado, feira, padaria, tudo era o meu esposo que abastecia toda aquela cidade com uma lavoura de mandioca naquele lugar.
Até que chegou um tempo que a justiça nos tirou de lá, jogou nós do lado de fora.

Aí parece que acabou o meu sonho, o sonho que eu tinha que era para o resto de minha vida. Parou aí. Acordei para uma realidade muito triste. Porque fomos jogados fora, daquela terra e até hoje estou fora.

Depois de passado um espaço de tempo resolvemos voltar para reivindicar um direito de pelo menos puder novamente trabalhar naquela terra.

Novamente foi tirada da terra. Mais aí saí duma forma mais cruel.

Saí algemada lá de dentro.

Quando chegou mais de quinze polícia, militar, e nos apontou arma para a cabeça. Nao foi só eu mais duas mulheres, foi naquela mesma situação

Nós fomos abordados por vário polícia, apontando arma para a cabeça. Fomos algemadas e v iemos até uma altura algemadas. Quando chegou a uma altura tiraram as algemas e nos encaminharam para Vilhena para responder por alguns processo que fomos processados.

Ai me entrou uma tristeza dentro do meu coração. Que valor tem o trabalhador aqui neste estado? E enquanto nos trabalhava não dependia de ninguém para nos sustentar.

Hoje estou vivendo de favor em casa dos outros. Porque por causa destes problemas

eu enfrentei uma crise de doença, eu entrei em depressão, sofri um distúrbio mental.

Eu mesmo estava feliz se pudesse estar aí dentro.

Eu tratava e continuava ali para desfrutar do meu serviço.

Agora Estou tratando duma depressão e um câncer de pele e de mais alguns problemas.

E sem ajuda, somente de Deus e de alguns companheiros que nos tem ajudado.

Então qual é o meu sonho, e tem dó. E ainda tem uma esperança que alguém possa fazer alguma coisa por nós.



CPT: Como vê o futuro, a esperança que a senhora tem?



Dona Margarida : A esperança de adquirir, de voltar para terra, para trabalhar na terra de novo.



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