Um relato de trabalho escravo em Rondônia

Tirando os nomes de pessoas e lugares, publicamos o relato recolhido por agentes da Campanha contra o Trabalho Escravo da CPT em Rondônia de um trabalhador fugido de uma fazenda próxima a capital do estado: Porto Velho. A equipe de fiscalização do TRT tentou chegar ao local sem o conseguir, pedindo um helicóptero para este serviço. Promessas enganosas, condições degradantes de trabalho, isolamento, ameaças, débitos... são bastantes elementos que configuram trabalho análogo a escravidão.  Eis o relato do trabalhador:

Eu, .., solteiro, brasileiro, natural do P., e domiciliado no município de ... no estado de Rondônia, relatarei um pouco de minha história: Estava numa borracharia que se encontra na saída da cidade de ... quando chegaram três homens bem arrumados, um deles com apelido ... me fez um convite para trabalhar em plano de manejo numa fazenda na região de ... e que no dia seguinte (acha que no dia 19/11, pois não tem muita certeza do dia), o homem voltou até a borracharia numa toyota hillux, cor preta, junto com o suposto fazendeiro com o nome de ...

O fazendeiro tratante acordou da seguinte forma: O serviço era tirar picada, a cada 1 km eu ganharia um valor de R$ 50,00 (cinquenta reais). O mesmo quando tratou me adiantou R$ 100,00 (cem reais) para comprar uma rede, um facão e uma bússola, ferramentas usadas para o trabalho, mas, com um detalhe, seria descontado do pagamento. (continua)

O sr. ... que é o fazendeiro tratante foi junto comigo, comprar as ferramentas de trabalho, já me levando para o local de trabalho. O local onde fomos deixados não era do fazendeiro e sim de outro proprietário, mas não sabemos o nome deste. 

Nesta área estava uma barraca de lona, e tinha um poço do qual eles tiveram que limpar para obter água e no mesmo havia muitas larvas de mosquitos, chamados de cabeça de prego. Área onde ficamos já estava toda pronta para o manejo com as placas identificando as árvores. O tratante informou que a fazenda dele ficaria numa distância de 8 km para chegar no total de 16 km por dia. O mesmo deixou no local 1caixa de óleo, 1 fardo de arroz, farinha de mandioca, feijão, sal, açúcar, café, uns pacotes de biscoitos salgadas, 1 pacote de leite, trigo e 1 lata de óleo diesel.

O fogão foi confeccionado por nós, fazendo um buraco na terra e colocando pedaço de ferro que acharam no mato, para dar suportes as panelas. Só tinha três panelas e alguns talheres, porém não tinham pratos, nem vasilhas para colocar os alimentos cozidos. A gente levava os alimentos cozidos em sacolas plásticas penduradas na cintura e água em garrafas Pet pendurada no ombro. Só podiamos tomar uma garrafa de água por dia.

O homem chamado ... nos ameaçava o tempo todo, juntamente com mais dois amigos dele com apelido de ... e ... e ... Diziam que se nós tivéssemos cachaça eles iriam nos dar umas panadas de facão. Nós  respondíamos que não estávamos fazendo nada para receber aquele tratamento. Houve ameaça até mesmo com arma.

Passando uns dias, os alimentos já estavam acabando e só tinha feijão e farinha de mandioca para comer. Quando a gente ia levando o alimento em sacolas plásticas, no meio do caminho, às vezes chovia e molhava a comida e éramos obrigados a comer assim mesmo para não ficar com fome.

Diante de tantas ameaças que os três faziam contra mim e meus amigos, resolvemos que diante da situação, sem comida e ter que ainda andar 8 km de ida e volta e o fazendeiro não aparecia, a gente ia embora. 

O ... e seus comparsas sempre iam para um boteco para beberem cachaça e voltavam dois dias depois muitos bravos e nos ameaçavam de dar panadas de facão. Quando eles e seus comparsas foram para um vilarejo, eu e meus amigos resolvemos fugir. 

Fugimos da região de, que fica atrás das cidades de .., viemos andando (um dia inteiro e parte da noite) nos alimentando de frutas que havia na mata, quando o dia amanheceu continuamos andando até Porto Velho e fomos até a delegacia da polícia civil. Os policiais não registraram o B.O, pois estavam em greve, porem indicaram para eles irem ao Shopping Cidadão.

Chegando ao Shopping Cidadão informaram que a gente tinha que ir fazer uma denúncia no Ministério do Trabalho. Fizemos a denúncia no MTE e uma pessoa do MTE me informou a Pastoral e entrou em contato e nos mandou para CPT e que aguardassemos para nos atender. Depois de conversarmos na pastoral e depois de almoçarmos e descansarmos um pouco, ela nos levou para a casa de apoio do S. enquanto aguardamos a fiscalização. 

Enquanto isso com ajuda da pastoral vou, pela primeira vez, tirar meus documentos.  
Porto Velho, dezembro de 2012 

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