Conquista pacífica da terra e conflitos agrários

Participantes da oficina sobre conquista da terra e conflitos agrários em Rondônia. foto cpt ro

A luta pacífica pela conquista da terra dos pequenos agricultores e a violência nos conflitos agrários de Rondônia foram os principais temas da oficina realizada pela CPT Rondônia a semana passada, os dias 21,22 e 23 de Novembro, com participação do Ministério Público Federal, Incra, Terra Legal, e principais movimentos sociais e sindicais de sem terra do estado: Movimento Sem Terra, Fetagro, e Liga dos Camponeses Pobres, além de participantes de muitos acampamentos independentes, muitos deles vinculados à Central de Associações de Vilhena. 
Os participantes procediam de diversas áreas de Rondônia, com representantes de Cacoal, Seringueiras, São Miguel, Vale do Anari, Chupinguaia, Seringueiras, Chupinguaia, Parecis, Alto Alegre, Candéias, Vilhena, Porto Velho, União Bandeirantes, Rio Pardo, Nova Mamoré e Guajará Mirim, Vale do Anari e Nova Brasilândia, além dos membros da coordenação e agentes da CPT. Cabe destacar que a diversidade não ficou apenas nas regiões dos participantes, mas também conseguiu-se reunir representantes de várias igrejas (católica, luterana, assembléia, batista, etc.), aqui reunidas em favor de um mesmo objetivo.
 O trabalho se desenvolveu em três dias começando por um estudo bíblico, enquanto que no segundo dia foi realizada uma mesa redonda com autoridades do Incra, Terra Legal e MPF. Pela tarde e na sexta feira, 23, em mesa redonda com representantes de movimentos sociais, foi realizado debate sobre a situação atual e as estratégias necessárias para a conquista pacífica da terra.
O Pe. Pedrinho na assessoria bíblica. foto cpt ro
Após a mística inicial, dedicado à formação, o dia 21, o missionário palotino Pe. Pedrinho, biblista e reitor da paroquia de São Luiz de Porto Velho, dirigiu a reflexão sobre "A conquista pacífica da terra na Bíblia". Guiados por ele o grupo analisou a realidade atual da luta dos pequenos agricultores de Rondônia, a luz da Palavra de Deus. Assim foram examinados os capítulos 1 e 2 do Gênesis, com os relatos da Criação (o jardim entregue a humanidade para cultivo e cuidado), o capítulo 12, com o chamado de Abraão e a promessa da terra para um povo numeroso;  e o relato do capítulo 21 do 1º Livro dos Reis: a terra de Nabot tomada com um juízo injusto pelos reis Acab e Jezabel; e o capítulo 25 do Levítico, com o jubileu e a devolução da terra, que é de Deus. 

Pela noite do mesmo dia, o grupo realizou uma troca de informações e de experiências, sobre as situações vividas pelos participantes, muitos deles representantes de grupos de posseiros despejados ou com dificuldades judiciais e com pistoleiros, acampamentos de sem terra e assentados pela reforma agrária.

Mesa redonda com autoridades de Rondônia. Foto cpt ro

As atividades do dia 22 pela manhã estiveram marcadas pela mesa redonda com autoridades, com a presença do Superintendente do INCRA de Rondônia, Sr. Luís Flávio Carvalho Ribeiro, da Ouvidora Agrária do INCRA Márcia do Nascimento Pereira, e Ronaldo, técnico chefe de departamento do Terra Legal em Rondônia, e a Dra. Renata Baptista, Procuradora da República, do Ministério Público Federal em Porto Velho.

A Mesa Redonda, moderada pela assessora da CPT RO Petronila, iniciou com a fala da Dra Marcia, da ouvidoria do INCRA, explicando como aconteceu o processo histórico de colonização da nossa região, que  hoje dificulta a regularização de áreas e a reforma agrária. Entre as principais dificuldades estão os t´tiulos provisórios entregues nos anos 70 e 80, como as CATPs (Contratos de Alienação de Terras Públicas), de 1000 ou 2000 hectares, comparadas por pessoas de fora, muitos dos quais sequer vieram morar em Rondônia. Assim esse processo faz necessário que houvesse ações de retomada por parte do INCRA, e essas ações podem demorar anos para serem resolvidas. Depois colocou as especificidades de alguns dos acampamentos presentes. Pela tarde ela esteve atendendo os presentes de forma individualizada, sobre a situação de cada grupo.

O Dr. Flávio Ribeiro, superintendente do INCRA de Rondônia, reiterou as dificuldades de ação do INCRA, tendo em vista que dependem da atuação judicial. Segundo ele existem arredor de 4.500 famílias de sem terra em Rondônia, mais de 10.000 se contar os posseiros em situação precária, o que significa um desafio enorme. Nos processos de retomada, o INCRA tem realizado vistorias em 1.020.000 hectares, priorizando as áreas de conflitos. Colocou alguns exemplos da situação dos presentes. Com as retomadas ficam contestadas judicialmente, acha mais fácil a aquisição de imóveis, que deve ser feita com grande discrição.O importante é achar saídas pacíficas, negociando acordos e procurando o entendimento entre fazendeiros e sem terra. Ainda os valores da Terra em Rondônia estão muito altos, e há dificuldade de negociação quando precisa optar pela aquisição da Terra pelo INCRA. Apesar das dificuldades para implementar a reforma agrária, acha que os grupos não precisam de ocupação para a conquista da terra, e cobra das Associações, da lideranças que trabalhem com transparência e não permitam nos acampamentos pessoas que não se enquadram no perfil de beneficiários da reforma agrária. Segundo informações divulgadas pelo INCRA esta semana, até o momento 928 família foram assentadas nas terras da reforma agrária em Rondônia em 2012, em sete assentamentos, nos municípios de Costa Marques, Ariquemes, Vilhena, Corumbiara e Machadinho do Oeste.
A Dra Renata Baptista do MPF de Rondônia, em atendimento de agricultores. Foto cpt ro 

A Dra. Renata Baptista, procuradora do MPF de Porto Velho, disse ter por prioridades na atuação para trazer o estado de direitos para o campo de Rondônia: Garantir que as reintegrações de posse sejam pacíficas e realizadas com garantias; contra os laranjas e fraudadores de terras; os serviços básicos nos acampamentos (energia, água, casa, transporte, escola...), e contra a violência no campo. Como somente pode apurar crimes federais, está certificando se os organismos estaduais estão realizando sua função. Ela ficou a disposição dos presentes durante a tarde e do dia 22 e manhã do dia 23, junto com dois assessores, para ouvir e tomar declaração das situações que quiserem denunciar os presentes.
O Dr. Ronaldo, chefe de departamento do Terra Legal, expôs o histórico do programa que atua na região Amazônica, que visa destinar terras públicas a pessoas que já exercem a posse sobre a terra. Surgido em 2009, o programa criou uma expectativa muito grande quanto a documentação da área. Porém para a demarcação da Terra hoje é exigido o georefenciamento, uma forma de topografia moderna. sendo que boa parte das glebas de Rondônia já se encontram georeferenciadas. Pra se beneficiar deste programa a posse deve ser anterior à 2004, não ter sido beneficiado por outro programa agrário, e em casos de ter também uma função pública não vinculado a qualquer órgão com linha agrária, pode ser enquadrado se a atividade rural for a principal. A questão fundiária do estado era desconhecida, tinha-se em mente que haveriam 40.000 pessoas em áreas rurais não regularizadas. Hoje se comprovou que houve apenas em torno de 23.000 requerimentos de regularização. Sendo que atualmente há em torno de 12.000 imóveis georeferenciados, aptos para serem titulados. Calcula-se que muitos dos cadastros (arredor de 5.000) não são passíveis de regularização. A titularização é um desejo, mas que depende um processo preparatório demorado, que envolve cadastramento, georeferenciamento, e vistorias. Atualmente 1.300 títulos foram emitidos. O fato de boa parte de Rondônia estar em área de fronteira é um dos assuntos que está atrasando o trabalho, dependendo de consentimento do Conselho Nacional de Defesa. Outra das funções assumidas pelo Terra Legal é o análise dos contratos de CATP e a fiscalização e pronunciamento do cumprimento ou não das cláusulas resolutivas.
Após as exposições foi aberto espaço para que a plenária fizesse suas colocações e perguntas. O superintendente do INCRA realizou a proposta de realizar um Mutirão sobre as CATPs, com presença do MPF, que aceitou a proposta, a ser organizada pela CPT.
Trabalho por grupos. foto cpt ro

Na parte da tarde, o Zezinho, da equipe de coordenação da CPT RO, apresentou "A não violência, arma do povo" , apresentando para debate o posicionamento da CPT RO sobre a conquista da terra, as diversas formas de violência agrária que sofrem os pequenos agricultores, a oposição à violência, e a defesa das ocupações pacíficas de terra e outras ações não violentas a favor da reforma agrária em nosso estado.
Representantes do Movimento dos Sem Terra (MST) de Rondônia, já assentados em Jaru e Ariquemes, apresentaram como funciona a organização dos acampamentos e ocupações de terra praticados pelo movimento, como forma de promover a criação de novos assentamentos, assim como as formas de segurança frente as agressões e pistolagem, assim como de participação de todas as famílias na organização dos acampamentos, em outros temas como educação, saúde, alimentação, etc. Foi destacada a necessidade de formação permanente da militância, um dos aspectos nos quais o movimento tem avançado muito, e assim o MST de Rondônia tem podido contribuir com liderança ajudando em todo o país.
Uma reunião por grupos esteve debatendo a situação atual em Rondônia e apresentou propostas para ver como era melhor reagir frente aos diversos tipos de violência (direta, estrutural e cultural) sofridas, em estratégias para a conquista pacífica da terra e em como melhorar a nossa organização.

Mesa redonda com representantes dos movimentos sociais. foto cpt ro

No dia 23 realizou-se uma mesa redonda com representantes dos movimentos sociais: Movimento dos Sem Terra, Fetagro, Liga dos Camponeses Pobres e Central das Associações de Vilhena. Um dos convidados era Udo Wahlbrink, presidente do sindicato de Vilhena, que tinha sido liberado pelo STF fazia poucos dias, porém o juiz da comarca não autorizou a participação dele.
Um assentado representando o MST colocou em destaque a importância de estarem reunidos os movimentos sociais do campo, em uma mesma sala para discutir as ações. Vivemos uma realidade onde os governos não tem investido em Reforma Agrária. A migração está ocorrendo para as fronteiras agrícolas, a qualidade da terra nesses locais é menor. Ainda há a problemâtica ambiental, pois são áreas que ainda estão em mata, que vai ser substituída para exploração agrícola, que devido à vários fatores se torna insustentável. Nesse ponto entra a necessidade da discussão que já vem sendo feita sobre a agroecologia. 
O representante da Liga (LCP) inicia falando da expectativa que se criou com a eleição do Lula, e a decepção pela não realização da reforma agrária, da falsa sensação de melhoria nas condições de vida, mas que é feita à base de crédito. Há a necessidade dos movimentos se organizarem frente a esse estado de crise, pois o indicio é que as massas vão agir por conta própria, e os movimentos tem que estar preparados para acompanhar este processo. Toda a conquista da terra foi realizada à partir de ocupação, fazendo referência a fala do Superintendente do INCRA que dizia que devemos parar com as ocupações, fazer acordo, e conquistar de forma pacífica o direito a terra, lembra que o governo FHC já fez essa proposta cadastrou pessoas, mas nada aconteceu na prática. Assim, as lideranças precisam organizar as massas para se defender, a questão da violência ainda é muito grave, e parece haver dois pesos para a justiça, um para os sem terra e os pobres, outro para os donos do capital. São vários os crimes citados, sem que se haja uma punição adequada, e muitas vezes os crimes contra os militantes ficam totalmente impunes. O INCRA adquiriu terra para assentar 2.500 pessoas no Brasil este ano (a maior parte em Rondônia!), em uma pequena análise, se há 170.000 pessoas assentadas, nesse ritmo se não nascesse ninguém demoraria 60 anos para realizar Reforma Agrária no Brasil. O Programa de Reforma Agrária apresentado pelo governo, não é adequado. As ações precisam partir de nós e formar lideranças, e se preparar para o que vier, porque certamente se vier algo de bom já é muito, considerando as pessoas que temos a frente dos poderes, principalmente o judiciário. Assim somente resta as ações de ocupação e corte popular da terra, pois enquanto os assentamentos feitos pelo governo gastam milhões e não progridem como muitos dos assentamentos feitos pelo povo, onde as famílias estão dispostas a lutar, organizar sua produção, defender aquilo ali, e construir sua estrutura básica. 
O Presidente da Central de Associações de Vilhena, e companheiro da CPT, Adilson Machado, expõe a dificuldade de fazer Reforma Agrária no país, em especial a região do Cone Sul. A criação da Central de Associações, veio com vista em facilitar a organização de 50 associações, das quais mais de 90% vivem em áreas irregulares, e começaram a ocorrer os despejos, devido a valorização da terra e a expansão da soja, despertando o interesse dos fazendeiros.Há ainda um processo de criminalização dos movimentos sociais, várias pessoas foram presas e indiciadas, dentre as tantas acusações a de lesão corporal, esbulho, criação de quadrilha e perturbação da ordem pública. A central busca trazer os movimentos para perto dessa realidade, e tem-se alcançado resultados. Apesar de ter conseguido a aproximação do MPF, propõe-se que haja um encaminhamento, com data definida para o mutirão sobre as CATPs que é a problemática da maioria das associações da região de Vilhena. Pediu apoio aos projetos sociais, no que se refere a homologação do PA Águas Claras. A maior parte das áreas já tem uma ação de retomada, porém fica parada na justiça. A expansão do agronegócio com o cultivo de soja e as aplicações de agrotóxico, na região tem expulsado agricultores e as denuncias são ignoradas. 
A tempo Fabio Menezes, vice presidente da Fetagro, o sindicato de trabalhadores e trabalhadoras rurais, se fez presente e comenta a importância dos movimentos estarem conversando e faz referência ao encontro Unitário realizado por conta dos movimentos em Brasília. A soltura de Udo e alguns companheiros ocorreu apenas após uma grande luta e dificuldades, mas nos leva a refletir como o estado, e o poder judiciário tem atuado frente a problemática da violência no campo. A atuação dos sindicatos é um pouco diferente dos demais movimentos presentes, mas não é discussão a necessidade da retomada da terra se queremos ter agricultura familiar daqui a 20 anos. Quanto ao cenário político, para ele é claro que não há nenhum interesse governamental em realizar a Reforma Agrária. Há uma clara predileção pelo modelo de regularização fundiária (terra legal), em contraposto aos processos de retomada e criação de assentamentos. Um fator a ser analisado é a representação política, pois os espaços ocupados pelos representantes dos pequenos agricultores ainda são mínimos. Ainda observamos um processo de internacionalização das terras com um intuito único de exploração, tem-se a necessidade de que ocorra um emponderamento sobre o nosso território. Quanto ao poder judiciário é preciso continuar exigindo, buscando que ele cumpra o seu papel. O posicionamento da justiça Federal (STF) tem preocupado. São pessoas que não compreendem a realidade da condição agrária no nosso estado. Quando falamos da luta pela terra, temos uma resistência da população. É preciso ganhar adesão, mostrar a realidade dos trabalhadores, e abrangência dela, não é uma luta de alguns, mas uma necessidade de todos. A CPT tem uma função importante para conscientizar no interior da igreja desta situação. É preciso se emponderar dos meios de educação, formar militantes, a exemplo da Federal de Goiais que formou uma turma de 40 militantes em Direito com enfase na questão agrária. É o parecer do Terra Legal sobre as CATPs que irá indicar as retomadas, essa análise deveria ser em conjunto, pois muitos dos que são responsáveis tem demonstrado um interesse maior em negociar, fazer acordo e não em realizar a retomada. Quanto as competências de julgamento das questões agrárias, defende que o processo sobre a posse também deveria ser julgada na esfera federal, e não estadual: Como pode um juiz julgar a propriedade e outro a posse? Os dois assuntos deveriam ser tratados pelo mesmo juiz.
Momento do debate sobre a atuação dos movimentos sociais. foto cpt ro

Alguns membros da plenária questionam esse período de “paralização” dos movimentos, que levaram as pessoas a criar acampamentos independentes, e de forma desorganizada. Por todos é reiterado a necessidade de unificação da luta perla terra, que não pode continuar apenas apenas no discurso e passar para a ação. Há um interesse evidente do governo pelas obras do PAC, este poderia ser um ponto estratégico de ação opara negociar maiores empenhos na reforma agrária. Ainda se propõe uma caixa de solidariedade que atendesse as pessoas atingidas, que de uma hora para outra perderam tudo, como foi testemunhado no encontro. A região de Chupinguaia foi muito atingida nos últimos tempos, então se tem que ser pensada alguma mobilização nessa região. Quanto a uma das coisas que tem desmoralizado os movimentos é a venda das terras. Propõe-se que sejam realizados cursos de agroecologia ainda nos acampamentos, o que permitiria identificar nas pessoas o interesse em trabalhar na terra, de um modo sustentável. Não há que se esperar entrar na terra para aprender a trabalhar com ela. 
  

Comentários

  1. Agradeço e parabenizo o Trabalho da CPT-RO que sempre é um ponto aglutinador desta rede pela Reforma Agrária que precisa se expandir e fortalecer. Com prazer partilhei a particpação no VI Fórum Pan Amazônico com militantes da CPT que levaram a mensagem e fizeram a diferença diretamente promovendo atividade sobre agroecologia. Estamos no caminho certo, com esperança, coerência e construção do Poder Popular. Viva a Unidade dos Movimentos Sociais!
    Diego Gimene.z.
    Educador Popular

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