Prostituição e pedofilia nas usinas do Madeira e na fronteira da Bolívia


Porto Oficial de Guayará Merín,
porto de entrada da Bolívia. Foto imagemnews.com
  Prostituição e pedofilia em Rondônia repetem Itaipu 40 anos depois.  24/04/2010 - 18:55 . XICO NERY.
JACIPARANÁ e GUAJARÁ-MIRIM, Rondônia, e GUAYARAMERÍN (Beni), Bolívia — Fora do cronograma das obras físicas da Usina Hidrelétrica de Jirau e da circulação de migrantes, há um inimigo a ser combatido com urgência: a ausência do poder público na investigação e punição da exploração sexual de pessoas, tráfico de pessoas e a outros crimes circunstanciais nesta área do município de Porto Velho. Jaci-Paraná, o mais antigo distrito de Porto Velho, tem atualmente cerca de dez mil habitantes. No âmbito da prostituição, os programas com meninas e mulheres adultas variam entre R$ 30 e R$ 300 por tempo, geralmente de uma hora. As mulheres são de Rondônia, do Acre e do Amazonas. Algumas vêm da Bolívia. Brasileiras vão para a Bolívia com falsas promessas de trabalharem como babás ou domésticas, constatou a polícia.


Mais antiga profissão do mundo, a prostituição hoje é agravada pelo alto consumo de álcool, cigarro e drogas, do que não foge a região que margeia o Rio Madeira. Crimes de pedofilia e prostituição se repetem 40 anos depois da construção da Hidrelétrica de Itaipu (na Tríplice Fronteira Brasil-Paraguai-Argentina), que foi palco da primeira grande constatação dessa realidade causada pela migração rumo à construção de grandes barragens no País. Com uma diferença: naquela época, no início dos anos 1970, pedofilia não levava o homem à prisão.

Ouvidos por Amazônias em Guajará-Mirim, policiais experientes que participaram, em 2010, da elaboração da agenda da visita do presidente boliviano, Evo Morales, lamentam:
— A questão é de estrutura e não depende só do governo federal — reconhece um deles. Para esses policiais, o governo busca inibir a ação de pedófilos rondonienses ou bolivianos na região, mas depara com o crescimento do problema, que se estende até a fronteira.
Menores vítimas de pedofilia e de negociações interestaduais se envolvem com o tráfico de pessoas e de drogas /XICO NERY

Realidade que desafia
As conhecidas escravas brancas (denominação dada ainda nos anos 1970) têm entre 13 e 17 anos, conforme apuraram policiais militares.
Prostituição e pedofilia ocupam atualmente o eixo Porto Velho-Guajará-Mirim, por conta da presença de pelo menos 15 mil pessoas vindas de outras regiões para trabalhar na construção das hidrelétricas (Jirau e Santo Antonio). Secretários municipais de assistência social, conselheiros tutelares e policiais de Porto Velho e Guajará-Mirim não dispõem de pessoal, nem de recursos para apurar cuidar de flagrantes e abordar casos suspeitos.
O tráfico de mulheres "contratadas" para trabalharem supostamente em bares, restaurantes, hotéis e casas de famílias estrangeiras em cidades fronteiriças bolivianas nunca deixou de ser um fato recorrente diante da fragilidade da fiscalização.
— Aqui e do outro lado (Guajará-Mirim), não são diferentes as rotas de fuga conhecidas pela Polícia e pelo Judiciário brasileiro — comenta um integrante da Polícia Nacional da Bolívia. Segundo ele, o intenso fluxo de menores brasileiras alcança o lado boliviano.
— É uma realidade assustadora — ele conclui.
Já um ex-agente policial boliviano lembra o fato de ser casado com uma funcionária pública brasileira em Guajará-Mirim, o que lhe aproxima dessa realidade:
— Sei que os conselheiros de lá vivem de pires na mão, pedindo veículos, terminais de computadores e pessoal, na tentativa de cobrir as rotas de fuga entre as duas cidades. Os pedidos são negados.
Vaivém de taxistas e mototaxistas
Mulheres são levadas transportadas para a Bolívia em caminhões carregados de hortifrutigranjeiros, na tentativa de burlar a fiscalização.
Taxistas e mototaxistas admitem serem procurados por turistas brasileiros e estrangeiros, nos finais de semana. A maioria se hospeda em Guayaramerín. Grave, no entanto, é a caça às adolescentes brasileiras em points ou endereços das próprias residências. Nesse aspecto, há conivência dos próprios pais e responsáveis, o que denota situações de penúria e de vulnerabilidade social.
Quando solicitadas, a polícia civil e militar apóia as equipes de conselheiros em ambientes suspeitos de abrigar menores em desacordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, essas ações só ocorrem quando o Ministério Público é previamente consultado.
Hotéis, sítios e fazendas abrigam o crime

GUAJARÁ-MIRIM e GUAYARAMERÍN — O mapeamento das rotas é conhecido pelas autoridades. O que falta fazer? — pergunta-se nesta cidade fronteiriça com 40 mil habitantes, contemplada pelo governo federal com a construção de uma ponte sobre o Rio Mamoré para ligá-la a Guayaramerín, no Beni.
A rota mais comum tem seus braços nos calçadões e praças de alimentação, discotecas do centro e de bairros, e ao longo das avenidas XV de Novembro e Costa Marques. Fregueses rompem a madrugada em casas noturnas da periferia (drinks fechados, sítios e chácaras).
Nesse ambiente misturam-se prostitutas, homossexuais e até os conhecidos aviões do tráfico de drogas. Muitos se envolvem com o comércio formiguinha de drogas e contrabando de importados.
Adolescentes e até mesmo mulheres adultas são levadas por supostos "parentes" bolivianos para festas promovidas com desfiles de moda que geralmente comportam embalos, nas cidades de Riberalta, Santa Cruz de La Sierra e em províncias ao longo dos rios Guaporé e Itenez Mamoré, na fronteira entre os dois países.
O atendimento aos clientes ocorre em hotéis e domicílios. No caso de menores brasileiras oriundas de Rondônia, Acre e Amazonas, a situação é pior, contam os policiais ouvidos por Amazônias:
— Tudo por baixo do pano, maquiado de desfiles e festivais de praia em clube, sítios (fincas) e fazendas localizadas a partir das cidades de Riberalta e da distante Santa Cruz de La Sierra.
Conselhos tutelares registram que a atividade da prostituição se beneficia de pedidos de autorização feitos aos pais das adolescentes para que participem de desfiles de moda, concurso em festivais de praias (Garota Camiseta Molhada, por exemplo) e de bonecas-vivas, uma prática patrocinada por políticos da Linha 28, em Nova Dimensão, no município de Nova Mamoré). (X.N.)

Sozinha, Justiça não dá conta
GUAJARÁ-MIRIM — Promotores estaduais, juízes e conselheiros tutelares não gostam de opinar a respeito de acusados de crimes de pedofolia. A maioria alega que os casos estão sob segredo de Justiça. No ano passado, em declarações ao Correio Braziliense, o juiz da Infância e Juventude, Dalmo Antonio de Castro Bezerra, informou ter mudado o foco de atuação. Ele apelou a outras instituições para lidar com os problemas advindos com as obras das hidrelétricas.
Em 2009, uma operação policial fechou uma boate que funcionava no subsolo de um supermercado. Lá estavam algumas adolescentes, em meio a drogas e bebidas alcoólicas. Ainda no ano passado, a polícia interditou um prostíbulo que "importava" garotas de programa de outras localidades para atender aos trabalhadores no dia do pagamento.
As autoridades constataram que muitos gastavam todo o salário em um único dia, tal qual garimpeiros na época do ouro do Rio Madeira e da Serra Sem Calças, em Jaru, na BR34.
Recentemente, em Nova Mamoré (na BR-425, a 320 quilômetros da capital), uma mulher foi presa e acusada de agenciar menores prostitutas para bordéis acreanos. A prostituição interestadual, constatada em 1977 pelo extinto jornal Varadouro nunca esteve tão ativa. (X.N.)

CIDADES QUE"EXPORTAM" MULHERES
● A prostituição no eixo Brasil-Bolívia é alimentada por meninas e mulheres de Acrelândia, Brasiléia, Senador Guiomard, Plácido de Castro, Rio Branco e Xapuri (todas no Acre).
● Da Bolívia: Riberalta, Santa de La Sierra, Cochamba e pequenos povoados do baixo e alto rio Guaporé e Itenez Mamoré (na Bolívia).
● De Rondônia: Extrema, Fortaleza do Abunã, Mutumparaná, Nova Califórnia, Porto Velho, Vista Alegre do Abunã.
● Do Amazonas: Boca do Acre, Canutama, Humaitá e Lábrea.
● Rufiões (ou cafetões) dão preferência às mais jovens, recrutadas até mesmo em portas de escolas, por vizinhos, em quiosques de cachorro quente e nas próprias casas.

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