Porto Velho recebe usina, mas fica sem obras urbanas
"Nem a Prefeitura de Porto Velho, nem o governo de Rondônia se prepararam adequadamente para receber esses empreendimentos", afirma o promotor Aluildo de Oliveira Leite, coordenador do grupo instituído no Ministério Público Estadual para monitorar os impactos das hidrelétricas. Para ele, "má gestão" e "falta de planejamento" das autoridades impediram a região de extrair benefícios da implantação das usinas. "Infelizmente, foi um despreparo só."
A paralisia das obras públicas contrasta com o dinamismo do setor privado. Grandes marcas do varejo invadiram Porto Velho. O número de empresas do setor industrial em Rondônia, independentemente do porte, subiu de 3.147 para 7.032 nos últimos cinco anos, segundo a federação das indústrias. Com isso, nunca pingou tanto dinheiro nos cofres públicos.
Entre 2007 e 2011, a arrecadação da prefeitura com ISS passou de R$ 35 milhões para R$ 200 milhões por ano. No mesmo período, o recolhimento de ICMS pelo Estado cresceu de R$ 1,4 bilhão para cerca de R$ 2,8 bilhões. Além disso, Porto Velho é a capital brasileira que mais tem recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) à disposição, proporcionalmente. O repasse de verbas federais era uma forma de compensar a região pelos impactos das usinas.
Esses recursos, no entanto, têm sido bloqueados. O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou, por exemplo, a suspensão do repasse de R$ 400 milhões para as obras de esgotamento sanitário na cidade. Foram encontrados indícios de sete irregularidades "graves", como ausência de projeto básico, restrições à concorrência na licitação e sobrepreço de até R$ 120 milhões. Com isso, as obras estão paradas há mais de um ano. O projeto de universalização da água tratada também havia sido congelado, por determinação do TCU, mas os trabalhos foram retomados na semana passada e a nova promessa do governo estadual é de ficarem prontos em dez meses.
Talvez as obras deslanchem, mas é difícil convencer o borracheiro Luciano Pacheco e a empregada doméstica Iara Linda de que eles finalmente poderão fechar o poço de onde tiram água, de qualidade duvidosa, nos fundos da casa que acabaram de reformar, nas proximidades da avenida Jatuarana, a menos de quatro quilômetros do centro de Porto Velho. O casal reconhece que hoje é mais fácil ganhar dinheiro na cidade, e eles atribuem isso à onda de prosperidade trazida pelas hidrelétricas.
Iara ainda se encanta com a carteira de trabalho recém-assinada e diz que nunca havia recebido um salário tão alto - R$ 800 por mês. Pacheco garante que nunca teve tanto serviço, o que permitiu ao casal terminar a casa de quatro cômodos e comprar uma máquina de lavar. Mas a sensação de que a vida melhorou, pelo lado do consumo, contrasta com a avaliação de que o básico se tornou ainda mais difícil. "Veio muita gente ruim para a cidade e a segurança piorou", diz Luciano. Para Iara, o mais incômodo é continuar pisando na lama ao voltar do trabalho. "Quando é época de campanha, os políticos vêm aqui e prometem asfaltar a rua. Mas tudo continua do mesmo jeito."
Para o secretário municipal de Programas Especiais, Pedro Costa Beber, não foi só a demanda por serviços públicos que aumentou nos últimos anos. "O passivo, em qualquer área que você pensar, é gigantesco", afirma. A malha de ruas pavimentadas em Porto Velho, que era de 430 quilômetros em 2004, chegará a 2012 com 840 quilômetros. Mas novas vias foram abertas e quase 40% das ruas da cidade vão continuar sem asfalto.
É da prefeitura, entretanto, o grande elefante branco da região: um complexo de cinco viadutos, idealizado para desafogar o trânsito cada vez mais pesado em torno da BR-364. A rodovia, que segue para Rio Branco de um lado e para Cuiabá de outro, tornou-se também a principal via urbana de Porto Velho. Em uma cidade cuja frota de automóveis cresceu 69% de 2007 a 2001, mais do que o dobro da média nacional (32%), o complexo sempre foi defendido pelas autoridades como uma intervenção viária urgente. Hoje, os viadutos são "a grande vergonha da cidade", lamenta o taxista Juracy Ferreira.
As obras começaram em julho de 2009, com orçamento de R$ 89,7 milhões, bancadas quase integralmente pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), sob gestão municipal. Menos de um mês depois, os custos aumentaram 5%. Mas o grande problema veio quando a prefeitura e a construtora responsável "descobriram" que, para completar os viadutos, era preciso remanejar a rede elétrica e cabos de fibra óptica das operadoras de telefonia.
Os custos aumentaram para R$ 125 milhões, as obras foram paralisadas e a construtora rescindiu o contrato em abril deste ano. O impasse só foi resolvido quando nova licitação foi feita e outra empreiteira assumiu a execução dos viadutos, em setembro. Houve uma tentativa de retomar os trabalhos, mas com poucos efeitos: o período de chuvas já tinha começado, impedindo o avanço.
No Trevo do Roque, um dos cinco viadutos visitados pelo Valor na semana passada, o cenário era um retrato da falta de planejamento: somente a estrutura central da obra havia sido construída, sem nada à direita ou à esquerda. Mendigos aproveitavam a estrutura como abrigo. O viaduto não pode ser retomado enquanto não houver a realocação da linha de energia - e não há sinal de que isso vá acontecer. "Tem culpa o Dnit, tem culpa a Eletrobras e têm culpa a prefeitura e o projetista", diz o secretário.
Curiosamente, o que mais avançou foram obras e projetos executados pelas concessionárias das usinas, como forma de compensar e mitigar os impactos socioambientais. Ao contrário das previsões feitas há quatro anos, a incidência de malária diminuiu, apesar dos canteiros abertos para a construção das hidrelétricas.
Em 2007, a incidência da doença em Porto Velho era de 85,9 casos a cada mil pessoas. Em 2010, havia caído para 54,7/mil habitantes. No primeiro semestre de 2011, recuou 29% em relação a igual período do ano anterior. A distribuição de dezenas de milhares de mosquiteiros, que "forram" as camas e impedem as picadas durante o sono, foi crucial na estratégia.
Beber diz que as concessionárias de Santo Antônio e de Jirau construíram ou modernizaram 42 unidades de saúde para a prefeitura. Contando outras áreas, foram gastos R$ 154 milhões em compensações, o que representa oito vezes o orçamento anual do município para investimentos.
O diretor de sustentabilidade da Santo Antônio Energia, Carlos Hugo de Araújo, garante que as parcerias com o poder público foram bem-sucedidas. No caso da concessionária, resultaram em 6.000 vagas a mais nas escolas de ensino fundamental e médio, além de acrescentar 800 consultas médicas por dia à capacidade de atendimento da saúde municipal.
"A cidade tem outras carências, mas as usinas não vieram para suprir deficiências estruturais do município ou do Estado", diz Araújo. Nem todas as negociações são totalmente tranquilas. A concessionária investiu R$ 33 milhões na ampliação do Hospital de Cacoal, com 167 novos leitos, uma exigência do Estado para desafogar o sistema em Porto Velho e evitar que cidadãos do interior sobrecarreguem os hospitais da capital.
A obra foi entregue no primeiro semestre de 2010, mas o governo estadual se recusa a recebê-la, alegando que já existem inflitrações no edifício. Para a Santo Antônio Energia, há falta de manutenção. O fato é que a obra veio antes de questões de responsabilidade do Estado, como médicos e equipamentos.
Para empresários como Cézar Zoghbi, da Zoghbi Imóveis e vice-presidente do Creci em Rondônia, o dinamismo do setor privado não foi acompanhado. "A iniciativa privada fez o que se esperava dela, mas o poder público não correspondeu à expectativa que tínhamos com a infraestrutura
Moradia continua sendo um dos grandes problemas de Porto Velho |
A letargia do poder público limitou o desenvolvimento da infraestrutura urbana que a construção das usinas hidrelétricas do rio Madeira prometia levar a Porto Velho. Universalização do abastecimento de água e do tratamento de esgoto, cinco viadutos para atender o trânsito sobrecarregado e um conjunto de parques para ordenar a reurbanização da cidade eram promessas que acompanhavam o início das obras e provocavam entusiasmo nos moradores. A reportagem é de Daniel Rittner e publicada pelo jornal Valor, 20-12-2011.
Na última semana de dezembro, quatro anos após a licitação e um ano antes do cronograma fixado pelo governo, a primeira das 44 turbinas da usina de Santo Antônio começa a gerar energia. Mas o cenário de Porto Velho é muito parecido com o de antes: um em cada três habitantes não recebe água tratada em casa, só 2,5% da população tem acesso à rede de esgoto, o asfalto ainda é objeto de desejo de quem mora a quatro quilômetros do centro e nenhum dos parques planejados saiu do papel."Nem a Prefeitura de Porto Velho, nem o governo de Rondônia se prepararam adequadamente para receber esses empreendimentos", afirma o promotor Aluildo de Oliveira Leite, coordenador do grupo instituído no Ministério Público Estadual para monitorar os impactos das hidrelétricas. Para ele, "má gestão" e "falta de planejamento" das autoridades impediram a região de extrair benefícios da implantação das usinas. "Infelizmente, foi um despreparo só."
A paralisia das obras públicas contrasta com o dinamismo do setor privado. Grandes marcas do varejo invadiram Porto Velho. O número de empresas do setor industrial em Rondônia, independentemente do porte, subiu de 3.147 para 7.032 nos últimos cinco anos, segundo a federação das indústrias. Com isso, nunca pingou tanto dinheiro nos cofres públicos.
Entre 2007 e 2011, a arrecadação da prefeitura com ISS passou de R$ 35 milhões para R$ 200 milhões por ano. No mesmo período, o recolhimento de ICMS pelo Estado cresceu de R$ 1,4 bilhão para cerca de R$ 2,8 bilhões. Além disso, Porto Velho é a capital brasileira que mais tem recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) à disposição, proporcionalmente. O repasse de verbas federais era uma forma de compensar a região pelos impactos das usinas.
Esses recursos, no entanto, têm sido bloqueados. O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou, por exemplo, a suspensão do repasse de R$ 400 milhões para as obras de esgotamento sanitário na cidade. Foram encontrados indícios de sete irregularidades "graves", como ausência de projeto básico, restrições à concorrência na licitação e sobrepreço de até R$ 120 milhões. Com isso, as obras estão paradas há mais de um ano. O projeto de universalização da água tratada também havia sido congelado, por determinação do TCU, mas os trabalhos foram retomados na semana passada e a nova promessa do governo estadual é de ficarem prontos em dez meses.
Talvez as obras deslanchem, mas é difícil convencer o borracheiro Luciano Pacheco e a empregada doméstica Iara Linda de que eles finalmente poderão fechar o poço de onde tiram água, de qualidade duvidosa, nos fundos da casa que acabaram de reformar, nas proximidades da avenida Jatuarana, a menos de quatro quilômetros do centro de Porto Velho. O casal reconhece que hoje é mais fácil ganhar dinheiro na cidade, e eles atribuem isso à onda de prosperidade trazida pelas hidrelétricas.
Iara ainda se encanta com a carteira de trabalho recém-assinada e diz que nunca havia recebido um salário tão alto - R$ 800 por mês. Pacheco garante que nunca teve tanto serviço, o que permitiu ao casal terminar a casa de quatro cômodos e comprar uma máquina de lavar. Mas a sensação de que a vida melhorou, pelo lado do consumo, contrasta com a avaliação de que o básico se tornou ainda mais difícil. "Veio muita gente ruim para a cidade e a segurança piorou", diz Luciano. Para Iara, o mais incômodo é continuar pisando na lama ao voltar do trabalho. "Quando é época de campanha, os políticos vêm aqui e prometem asfaltar a rua. Mas tudo continua do mesmo jeito."
Para o secretário municipal de Programas Especiais, Pedro Costa Beber, não foi só a demanda por serviços públicos que aumentou nos últimos anos. "O passivo, em qualquer área que você pensar, é gigantesco", afirma. A malha de ruas pavimentadas em Porto Velho, que era de 430 quilômetros em 2004, chegará a 2012 com 840 quilômetros. Mas novas vias foram abertas e quase 40% das ruas da cidade vão continuar sem asfalto.
É da prefeitura, entretanto, o grande elefante branco da região: um complexo de cinco viadutos, idealizado para desafogar o trânsito cada vez mais pesado em torno da BR-364. A rodovia, que segue para Rio Branco de um lado e para Cuiabá de outro, tornou-se também a principal via urbana de Porto Velho. Em uma cidade cuja frota de automóveis cresceu 69% de 2007 a 2001, mais do que o dobro da média nacional (32%), o complexo sempre foi defendido pelas autoridades como uma intervenção viária urgente. Hoje, os viadutos são "a grande vergonha da cidade", lamenta o taxista Juracy Ferreira.
As obras começaram em julho de 2009, com orçamento de R$ 89,7 milhões, bancadas quase integralmente pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), sob gestão municipal. Menos de um mês depois, os custos aumentaram 5%. Mas o grande problema veio quando a prefeitura e a construtora responsável "descobriram" que, para completar os viadutos, era preciso remanejar a rede elétrica e cabos de fibra óptica das operadoras de telefonia.
Os custos aumentaram para R$ 125 milhões, as obras foram paralisadas e a construtora rescindiu o contrato em abril deste ano. O impasse só foi resolvido quando nova licitação foi feita e outra empreiteira assumiu a execução dos viadutos, em setembro. Houve uma tentativa de retomar os trabalhos, mas com poucos efeitos: o período de chuvas já tinha começado, impedindo o avanço.
No Trevo do Roque, um dos cinco viadutos visitados pelo Valor na semana passada, o cenário era um retrato da falta de planejamento: somente a estrutura central da obra havia sido construída, sem nada à direita ou à esquerda. Mendigos aproveitavam a estrutura como abrigo. O viaduto não pode ser retomado enquanto não houver a realocação da linha de energia - e não há sinal de que isso vá acontecer. "Tem culpa o Dnit, tem culpa a Eletrobras e têm culpa a prefeitura e o projetista", diz o secretário.
Curiosamente, o que mais avançou foram obras e projetos executados pelas concessionárias das usinas, como forma de compensar e mitigar os impactos socioambientais. Ao contrário das previsões feitas há quatro anos, a incidência de malária diminuiu, apesar dos canteiros abertos para a construção das hidrelétricas.
Em 2007, a incidência da doença em Porto Velho era de 85,9 casos a cada mil pessoas. Em 2010, havia caído para 54,7/mil habitantes. No primeiro semestre de 2011, recuou 29% em relação a igual período do ano anterior. A distribuição de dezenas de milhares de mosquiteiros, que "forram" as camas e impedem as picadas durante o sono, foi crucial na estratégia.
Beber diz que as concessionárias de Santo Antônio e de Jirau construíram ou modernizaram 42 unidades de saúde para a prefeitura. Contando outras áreas, foram gastos R$ 154 milhões em compensações, o que representa oito vezes o orçamento anual do município para investimentos.
O diretor de sustentabilidade da Santo Antônio Energia, Carlos Hugo de Araújo, garante que as parcerias com o poder público foram bem-sucedidas. No caso da concessionária, resultaram em 6.000 vagas a mais nas escolas de ensino fundamental e médio, além de acrescentar 800 consultas médicas por dia à capacidade de atendimento da saúde municipal.
"A cidade tem outras carências, mas as usinas não vieram para suprir deficiências estruturais do município ou do Estado", diz Araújo. Nem todas as negociações são totalmente tranquilas. A concessionária investiu R$ 33 milhões na ampliação do Hospital de Cacoal, com 167 novos leitos, uma exigência do Estado para desafogar o sistema em Porto Velho e evitar que cidadãos do interior sobrecarreguem os hospitais da capital.
A obra foi entregue no primeiro semestre de 2010, mas o governo estadual se recusa a recebê-la, alegando que já existem inflitrações no edifício. Para a Santo Antônio Energia, há falta de manutenção. O fato é que a obra veio antes de questões de responsabilidade do Estado, como médicos e equipamentos.
Para empresários como Cézar Zoghbi, da Zoghbi Imóveis e vice-presidente do Creci em Rondônia, o dinamismo do setor privado não foi acompanhado. "A iniciativa privada fez o que se esperava dela, mas o poder público não correspondeu à expectativa que tínhamos com a infraestrutura
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