Terras pública na Amazônia. A propaganda e o engodo
"É um engodo travestido de boas intenções, afirmar que “existe processo de retomada de terras públicas na Amazônia”, escreve Afonso Chagas, nosso antigo assessor jurídico da CPT Rondônia e que agora está realizando o mestrado do PPG em Direito da Unisinos. Ele comenta a notícia: "União começa a retomar terras públicas ocupadas ilegalmente na Amazônia", publicada no 12-09-2011. Veja o comentário a seguir.
Após dois anos em atividade, o Programa Terra legal, produto genuíno da Lei nº 11.952/09, que visava regularizar 67 milhões de hectares patina em sua própria incompetência. No mínimo, tem sido um excelente conforto para os especuladores de terras públicas e no máximo potencializa ainda o maior programa de regularização da “grilagem” de terras públicas, algo não visto no país, desde a Lei de Terras, em 1850.
O limite máximo de 900 hectares em alguns Estados e de 1500 hectares em outros, fez aperfeiçoar a criatividade e a esperteza dos grileiros, que, amplamente autorizados pela legislação, podem fracionar as propriedades em quantas partes quiserem, dentro dos limites fixados.
Impotente diante da proposta de reduzir o desmatamento, objetivo este, praticamente permitido pelo novo Código Florestal, às vésperas de sua aprovação, a nova lei de terras serviu para o Código Florestal assim como a lei de abolição serviu para a Lei de Terras de 1850. Em outras palavras, libera-se para a festa das terras públicas e mantém cativos milhares de famílias sem terra. Muito antes disto, a Lei nº 11.284/06 já havia permitido a exploração privada das florestas públicas. Ou seja, o permissivismo estatal marca a primeira década do século XXI, algo nunca visto neste país, em forma de transferência explícita, sem cortes e totalmente desregulamentada, os bens públicos para os interesses privados ou corporativos privados.
Portanto, é um engodo travestido de boas intenções, afirmar que “existe processo de retomada de terras públicas na Amazônia”. Havia sim, até 2009, promovido por parte da Procuradoria Federal do INCRA, ligada à Advocacia Geral da União. Não há mais, pelo simples fato do precedente fraudulento de regularização instituído pela Lei de regularização fundiária.
Até a MP 458, sancionada por Lula, havia critérios rígidos para concessão e alienação, via licitação de terras públicas à particulares. Não há mais, este foi o acordo, tão celebrado pela bancada ruralista. É a maior prática “ilegal” na Amazônia legal, marcando um dos últimos capítulos de absoluta inércia do Estado brasileiro frente ao dramático problema fundiário brasileiro. Ao INCRA sucateado e sem recursos, caberá a gestão de alguns setores. Ao Programa Terra Legal, toda esta aparência de legalidade servirá para legitimar a “farra com os bens públicos”.
Não há notícias de terras desapropriadas na Amazônia, para programas de reforma agrária, de criação de Projetos de Assentamento. Há notícias sim, celebradas, da legalização das terras para mercado e notícias, estas sempre, de conflitos sociais, de violência, morte e impunidade contra trabalhadores e lideranças rurais sem terra.
Veja mais um comentário de junho do Padre Afonso sobre a limitação da compra de terras para estrangeiros.
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